Belo Horizonte (RV) - O Papa Francisco tem se consolidado como voz que alerta
para a urgência de se combater o crescente processo de desumanização que assola a
sociedade contemporânea. Sua voz ecoa para além do território da própria Igreja Católica
e vai tocando corações e mentes pelo mundo afora. Na sua Exortação Apostólica Alegria
do Evangelho, o Papa Francisco sublinha que “o grande risco do mundo atual, com múltipla
e avassaladora oferta de consumo, é a tristeza individualista que brota do coração
comodista e mesquinho, da busca desordenada dos prazeres superficiais, da consciência
isolada”. Quando a pessoa se fecha nos seus próprios interesses, o resultado é o comprometimento
da essencialidade da vida interior.
Uma grande indicação do Papa Francisco,
como retomada das mais genuínas raízes do Evangelho de Jesus, é apostar na simplicidade.
Esse caminho supõe exercício diário e adoção de estilos de vida que proporcionem e
mantenham uma interioridade com a sabedoria para priorizar o que é digno e bom. A
simplicidade de vida, incontestavelmente, é o remédio mais eficaz no combate à desumanização,
que embrutece corações e inviabiliza a convivência social. Trata-se de antídoto para
a sociedade, marcada pela crescente violência, corrupção venenosa e irreversível despersonalização.
É hora, portanto, de admitir e incluir um discernimento evangélico nas análises e
na busca da compreensão da realidade, desafiadora e complexa, desse início de terceiro
milênio.
A busca por soluções não pode restringir-se ao crescimento e sofisticações
tecnológicas, indispensáveis quando se pensa no avanço da ciência. É preciso retomar
o processo de humanização, contraponto ao lamentável embrutecimento dos corações.
Nessa tarefa, o ensinamento evangélico tem um poder inigualável de modulação e educação.
Vale sempre lembrar a observação de Mahatma Ghandi, em referência ao Sermão da Montanha,
Evangelho de Mateus, capítulos 5 a 7, sublinhando que ali há um tesouro que praticado
pelos cristãos, faria deles instrumento de radical revolução e transformação da sociedade
pelos princípios enraizados na força inesgotável do amor de Deus.
Não se pode
apenas pensar que definições legislativas e meras providências de repressão serão
suficientes para deter o catastrófico processo de desumanização em curso, responsável
pelo crescimento da violência, aumento assustador da dependência química, imoralidades
de todo tipo como consequência da relativização nociva de valores e princípios. Brutalidade
é o lado oposto da indispensável humanização. A falta de raízes humanísticas consistentes,
como aquelas que os valores do Evangelho de Jesus Cristo produzem e modulam nos corações
que escutam a voz de Deus, impede o estabelecimento de uma nova ordem social e política.
Sem enraizamento humanístico adequado não veremos mudanças nas lideranças e continuará
baixo o nível da prática política, muitas vezes dinamizada por interesses partidários
tacanhos, conchavos imorais e busca pelo crescimento próprio a partir da obsoleta
prática de atacar o outro para destruí-lo.
Não se conseguirá jamais avançar
nas reformas que a sociedade brasileira precisa sem a necessária e urgente competência
humanística. É em razão da falta desta competência que instituições políticas e governamentais
fazem sempre muito menos do que deveriam. Alimentam-se da ilusão de que boa política
se faz com conchavos, com a desmoralização dos outros, com a manipulação ideológica
ou com as negociatas internas e partidárias que atrasam o progresso e o atendimento
das demandas da população. Essa desordem produz o descompasso e a baderna que vai
compondo cenários preocupantes de violência, medo e caos. As mudanças estruturais
e conjunturais avançarão pela força do testemunho indispensável de cada cidadão. Nesse
caso, apostar na simplicidade há de ser um compromisso de todos, revendo práticas,
hábitos. Não há lugar para exibicionismos, sofisticações petulantes, esbanjamentos
agressivos e irracionais. É hora de compreender, redimensionar projetos, práticas
pessoais e sociais, sempre apostando na simplicidade.
Dom Walmor Oliveira de
Azevedo Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte