“Fez-Se pobre, para nos enriquecer com a sua pobreza”: Mensagem do Papa para Quaresma
Cidade do Vaticano
(RV) – A Sala de Imprensa da Santa Sé publicou nesta terça-feira, 04 de fevereiro,
a Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma.
O título foi extraído de uma
frase de São Paulo: “Fez-Se pobre, para nos enriquecer com a sua pobreza” (cf. 2 Cor
8, 9). No texto, o Pontífice explica que a finalidade de Jesus Se fazer pobre não
foi a pobreza em si mesma, mas – como diz o Apóstolo – «para vos enriquecer com a
sua pobreza». “Não se trata dum jogo de palavras, duma frase sensacional. Pelo contrário,
é uma síntese da lógica de Deus.”
Para Francisco, a miséria não coincide com
a pobreza; a miséria é a pobreza sem confiança, sem solidariedade, sem esperança.
A verdadeira miséria, escreve o Papa, consiste em não viver como filhos de Deus e
irmãos de Cristo, distinguindo três tipos de miséria: material, moral e espiritual.
“A
Quaresma é um tempo propício para o despojamento”, recorda o Papa, e nos fará bem
questionar-nos acerca do que nos podemos privar a fim de ajudar e enriquecer a outros
com a nossa pobreza. “Não esqueçamos que a verdadeira pobreza dói: não seria válido
um despojamento sem esta dimensão penitencial. Desconfio da esmola que não custa nem
dói”, afirma.
“Que Ele sustente estes nossos propósitos e reforce em nós a
atenção e solicitude pela miséria humana, para nos tornarmos misericordiosos e agentes
de misericórdia.”
Eis a íntegra do texto:
Mensagem do Santo Padre
Francisco para a Quaresma de 2014
Fez-Se pobre, para nos
enriquecer com a sua pobreza (cf.2 Cor 8, 9)
Queridos
irmãos e irmãs!
Por ocasião da Quaresma, ofereço-vos algumas reflexões com
a esperança de que possam servir para o caminho pessoal e comunitário de conversão.
Como motivo inspirador tomei a seguinte frase de São Paulo: «Conheceis bem a bondade
de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, Se fez pobre por vós, para vos enriquecer
com a sua pobreza» (2 Cor 8, 9). O Apóstolo escreve aos cristãos de Corinto
encorajando-os a serem generosos na ajuda aos fiéis de Jerusalém que passam necessidade.
A nós, cristãos de hoje, que nos dizem estas palavras de São Paulo? Que nos diz, hoje,
a nós, o convite à pobreza, a uma vida pobre em sentido evangélico?
A graça
de Cristo Tais palavras dizem-nos, antes de mais nada, qual é o estilo de Deus.
Deus não Se revela através dos meios do poder e da riqueza do mundo, mas com os da
fragilidade e da pobreza: «sendo rico, Se fez pobre por vós». Cristo, o Filho
eterno de Deus, igual ao Pai em poder e glória, fez-Se pobre; desceu ao nosso meio,
aproximou-Se de cada um de nós; despojou-Se, «esvaziou-Se», para Se tornar em tudo
semelhante a nós (cf. Fil 2, 7; Heb 4, 15). A encarnação de Deus é um
grande mistério. Mas, a razão de tudo isso é o amor divino: um amor que é graça, generosidade,
desejo de proximidade, não hesitando em doar-Se e sacrificar-Se pelas suas amadas
criaturas. A caridade, o amor é partilhar, em tudo, a sorte do amado. O amor torna
semelhante, cria igualdade, abate os muros e as distâncias. Foi o que Deus fez connosco.
Na realidade, Jesus «trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana,
agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria,
tornou-Se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, excepto no pecado»
(Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes, 22). A finalidade de
Jesus Se fazer pobre não foi a pobreza em si mesma, mas – como diz São Paulo – «para
vos enriquecer com a sua pobreza». Não se trata dum jogo de palavras, duma
frase sensacional. Pelo contrário, é uma síntese da lógica de Deus: a lógica do amor,
a lógica da Encarnação e da Cruz. Deus não fez cair do alto a salvação sobre nós,
como a esmola de quem dá parte do próprio supérfluo com piedade filantrópica. Não
é assim o amor de Cristo! Quando Jesus desce às águas do Jordão e pede a João Baptista
para O baptizar, não o faz porque tem necessidade de penitência, de conversão; mas
fá-lo para se colocar no meio do povo necessitado de perdão, no meio de nós pecadores,
e carregar sobre Si o peso dos nossos pecados. Este foi o caminho que Ele escolheu
para nos consolar, salvar, libertar da nossa miséria. Faz impressão ouvir o Apóstolo
dizer que fomos libertados, não por meio da riqueza de Cristo, mas por meio da
sua pobreza. E todavia São Paulo conhece bem a «insondável riqueza de Cristo»
(Ef 3, 8), «herdeiro de todas as coisas» (Heb 1, 2). Em que consiste
então esta pobreza com a qual Jesus nos liberta e torna ricos? É precisamente o seu
modo de nos amar, o seu aproximar-Se de nós como fez o Bom Samaritano com o homem
abandonado meio morto na berma da estrada (cf. Lc 10, 25-37). Aquilo que nos
dá verdadeira liberdade, verdadeira salvação e verdadeira felicidade é o seu amor
de compaixão, de ternura e de partilha. A pobreza de Cristo, que nos enriquece, é
Ele fazer-Se carne, tomar sobre Si as nossas fraquezas, os nossos pecados, comunicando-nos
a misericórdia infinita de Deus. A pobreza de Cristo é a maior riqueza: Jesus é rico
de confiança ilimitada em Deus Pai, confiando-Se a Ele em todo o momento, procurando
sempre e apenas a sua vontade e a sua glória. É rico como o é uma criança que se sente
amada e ama os seus pais, não duvidando um momento sequer do seu amor e da sua ternura.
A riqueza de Jesus é Ele ser o Filho: a sua relação única com o Pai é a prerrogativa
soberana deste Messias pobre. Quando Jesus nos convida a tomar sobre nós o seu «jugo
suave» (cf. Mt 11, 30), convida-nos a enriquecer-nos com esta sua «rica pobreza»
e «pobre riqueza», a partilhar com Ele o seu Espírito filial e fraterno, a tornar-nos
filhos no Filho, irmãos no Irmão Primogénito (cf. Rm 8, 29). Foi dito que
a única verdadeira tristeza é não ser santos (Léon Bloy); poder-se-ia dizer também
que só há uma verdadeira miséria: é não viver como filhos de Deus e irmãos de Cristo.
O
nosso testemunho Poderíamos pensar que este «caminho» da pobreza fora o de
Jesus, mas não o nosso: nós, que viemos depois d'Ele, podemos salvar o mundo com meios
humanos adequados. Isto não é verdade. Em cada época e lugar, Deus continua a salvar
os homens e o mundo por meio da pobreza de Cristo, que Se faz pobre nos Sacramentos,
na Palavra e na sua Igreja, que é um povo de pobres. A riqueza de Deus não pode passar
através da nossa riqueza, mas sempre e apenas através da nossa pobreza, pessoal e
comunitária, animada pelo Espírito de Cristo. À imitação do nosso Mestre, nós,
cristãos, somos chamados a ver as misérias dos irmãos, a tocá-las, a ocupar-nos delas
e a trabalhar concretamente para as aliviar. A miséria não coincide com a pobreza;
a miséria é a pobreza sem confiança, sem solidariedade, sem esperança. Podemos distinguir
três tipos de miséria: a miséria material, a miséria moral e a miséria espiritual.
A miséria material é a que habitualmente designamos por pobreza e atinge todos
aqueles que vivem numa condição indigna da pessoa humana: privados dos direitos fundamentais
e dos bens de primeira necessidade como o alimento, a água, as condições higiénicas,
o trabalho, a possibilidade de progresso e de crescimento cultural. Perante esta miséria,
a Igreja oferece o seu serviço, a sua diakonia, para ir ao encontro das necessidades
e curar estas chagas que deturpam o rosto da humanidade. Nos pobres e nos últimos,
vemos o rosto de Cristo; amando e ajudando os pobres, amamos e servimos Cristo. O
nosso compromisso orienta-se também para fazer com que cessem no mundo as violações
da dignidade humana, as discriminações e os abusos, que, em muitos casos, estão na
origem da miséria. Quando o poder, o luxo e o dinheiro se tornam ídolos, acabam por
se antepor à exigência duma distribuição equitativa das riquezas. Portanto, é necessário
que as consciências se convertam à justiça, à igualdade, à sobriedade e à partilha. Não
menos preocupante é a miséria moral, que consiste em tornar-se escravo do vício
e do pecado. Quantas famílias vivem na angústia, porque algum dos seus membros – frequentemente
jovem – se deixou subjugar pelo álcool, pela droga, pelo jogo, pela pornografia! Quantas
pessoas perderam o sentido da vida; sem perspectivas de futuro, perderam a esperança!
E quantas pessoas se vêem constrangidas a tal miséria por condições sociais injustas,
por falta de trabalho que as priva da dignidade de poderem trazer o pão para casa,
por falta de igualdade nos direitos à educação e à saúde. Nestes casos, a miséria
moral pode-se justamente chamar um suicídio incipiente. Esta forma de miséria, que
é causa também de ruína económica, anda sempre associada com a miséria espiritual,
que nos atinge quando nos afastamos de Deus e recusamos o seu amor. Se julgamos
não ter necessidade de Deus, que em Cristo nos dá a mão, porque nos consideramos auto-suficientes,
vamos a caminho da falência. O único que verdadeiramente salva e liberta é Deus. O
Evangelho é o verdadeiro antídoto contra a miséria espiritual: o cristão é chamado
a levar a todo o ambiente o anúncio libertador de que existe o perdão do mal cometido,
de que Deus é maior que o nosso pecado e nos ama gratuitamente e sempre, e de que
estamos feitos para a comunhão e a vida eterna. O Senhor convida-nos a sermos jubilosos
anunciadores desta mensagem de misericórdia e esperança. É bom experimentar a alegria
de difundir esta boa nova, partilhar o tesouro que nos foi confiado para consolar
os corações dilacerados e dar esperança a tantos irmãos e irmãs imersos na escuridão.
Trata-se de seguir e imitar Jesus, que foi ao encontro dos pobres e dos pecadores
como o pastor à procura da ovelha perdida, e fê-lo cheio de amor. Unidos a Ele, podemos
corajosamente abrir novas vias de evangelização e promoção humana. Queridos irmãos
e irmãs, possa este tempo de Quaresma encontrar a Igreja inteira pronta e solícita
para testemunhar, a quantos vivem na miséria material, moral e espiritual, a mensagem
evangélica, que se resume no anúncio do amor do Pai misericordioso, pronto a abraçar
em Cristo toda a pessoa. E poderemos fazê-lo na medida em que estivermos configurados
com Cristo, que Se fez pobre e nos enriqueceu com a sua pobreza. A Quaresma é um tempo
propício para o despojamento; e far-nos-á bem questionar-nos acerca do que nos podemos
privar a fim de ajudar e enriquecer a outros com a nossa pobreza. Não esqueçamos que
a verdadeira pobreza dói: não seria válido um despojamento sem esta dimensão penitencial.
Desconfio da esmola que não custa nem dói. Pedimos a graça do Espírito Santo que
nos permita ser «tidos por pobres, nós que enriquecemos a muitos; por nada tendo e,
no entanto, tudo possuindo» (2 Cor 6, 10). Que Ele sustente estes nossos propósitos
e reforce em nós a atenção e solicitude pela miséria humana, para nos tornarmos misericordiosos
e agentes de misericórdia. Com estes votos, asseguro a minha oração para que cada
crente e cada comunidade eclesial percorra frutuosamente o itinerário quaresmal, e
peço-vos que rezeis por mim. Que o Senhor vos abençoe e Nossa Senhora vos guarde!
Vaticano,
26 de Dezembro de 2013 Festa de Santo Estêvão, diácono e protomártir