Belo Horizonte (RV) - A história da humanidade neste terceiro milênio anseia
por grandes revoluções e já há indicativos apontando as mulheres e os jovens como
os protagonistas destas transformações. Há, no entanto, um modo singular que pode
fazer de todos e de cada um protagonista, segundo sua possibilidade e a partir de
sua condição e circunstância. Isto porque a força motriz das grandes transformações
vem da vivência da fraternidade. O princípio fundamental da fraternidade universal
é a consciência e a consideração efetiva de cada pessoa como irmão e irmã. Não se
imagina mais que a construção da sociedade aconteça ou possa depender simplesmente
de articulações político-partidárias, de logísticas ou simplesmente de investimentos.
A
gravidade da situação mundial passando pelos conflitos de vizinhança, aos que ocorrem
no ambiente familiar, incluindo outros cenários preocupantes, comprova que o grande
e prioritário investimento deve ser feito na questão da fraternidade. O ponto de partida
simples, exercício diário, é aquele que demove corações e sentimentos da comum e absurda
consideração do outro como concorrente ou inimigo, comprometendo e impedindo o que
há de mais natural na condição humana, a fraternidade.
A humanização das dinâmicas
da sociedade para superar seus descompassos frenéticos configurados em violências,
corrupção, pretensão de dominação, começa pelo sentimento mais ansiado e guardado
como selo indelével no coração de cada pessoa. É o anseio de fraternidade a ser cultivado,
aprendido, exercitado. Sem a inserção permanente neste processo, que envolve também
a correção dos sentimentos que nos distanciam da verdadeira condição humana, de fato,
cada um se torna lobo e inimigo do outro. Na interação com o outro, há de se prevalecer
o respeito ao bem comum e do compromisso, particularmente, com os inocentes, pobres
e sofredores. A fraternidade é uma espiritualidade vivida em dinâmicas e práticas.
Uma espiritualidade que convence não haver outro caminho mais eficaz quando se pensa
a busca, a conquista e o cultivo da paz que faz valer a pena viver. Dá sentido e dignidade
ao dom da vida.
Sem o sentimento fraterno, a cidadania perde a força profética
para reinventar as relações sociais e iluminar os horizontes políticos, tornando-se
mero cumprimento rígido de prescrições. A fraternidade é, pois, um exercício cotidiano
como resposta a uma pergunta fundamental, até incômoda, talvez por questionar e confrontar
status variados, mas determinante na aprendizagem das dinâmicas que nos fazem irmãos
e irmãs uns dos outros: Onde está teu irmão? Esta pergunta é central no diálogo de
Deus com o outro que é cada um, base de toda autêntica vivência da fé. Uma leitura
antropológica que revela a um povo que seu futuro e anseios de transformação não surgirão
sem a força singular da fraternidade.
Onde está teu irmão é a interrogação
que Deus, na narração das origens, faz a Caim, responsável pelo sangue de Abel. As
diferenças se tornam riquezas unicamente pela força da fraternidade. A perda do sentido
deste valor leva Caim ao absurdo inaceitável, por inveja e concorrência, da eliminação
do seu irmão na ilusão de assim abrir os próprios caminhos. Uma ilusão que preside
todo tipo de atentado contra a fraternidade, a partir da perda deste sentido inscrito
na capacidade que cada um deve ter de responder a respeito do outro, especialmente
quando este outro é o pobre. O grande propósito essencial e determinante é dar oportunidade
a cada pessoa de avançar na superação da indiferença, do ódio, do egoísmo. Sem esse
investimento diário e permanente, as riquezas nunca serão suficientes e se tornarão
sempre pretexto para brigas e desentendimentos, em cenários que, de um lado mostram
os que esbanjam e vivem na opulência e, de outro, os que passam fome e morrem na miséria
- nunca conseguem usufruir do quinhão que lhe é de direito, por força da sua dignidade
humana.
A espiritualidade que nasce da fraternidade não pode prescindir,
lembra-nos o Papa Francisco, em mensagem para o Dia Mundial da Paz, não se alcança
senão quando se compreende e se vivencia o mais profundo sentido da paternidade de
Deus. A fraternidade não é uma simples questão de lógica. É uma espiritualidade cuja
raiz tem seu nascedouro na compreensão e vivência da paternidade de Deus. O progresso
na compreensão e vivência desta espiritualidade são dons que se recebe na experiência
do seguimento de Jesus Cristo. O conhecimento e amorosa obediência a Ele impulsionam
na direção consequente do mais autêntico e eficaz sentido de fraternidade, com lições
e exercícios que convencem e se originam sempre da verdade fundamental do coração
do Salvador da humanidade: “E vós sois todos irmãos!”
Dom Walmor Oliveira de
Azevedo Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte