Rio de Janeiro (RV) - Sob a ótica da fraternidade o Papa Francisco envia para
o mundo, na solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, ao iniciar um novo ano, a sua
primeira mensagem para o Dia Mundial da Paz.
A alegria e a esperança devem,
segundo o Papa Francisco, ser o binário para vivermos a fraternidade individual e
coletiva no mundo.
Ensina o Papa que: "a fraternidade é uma dimensão essencial
do homem, sendo ele um ser relacional. A consciência viva desta dimensão relacional
leva-nos a ver e tratar cada pessoa como uma verdadeira irmã e um verdadeiro irmão;
sem tal consciência, torna-se impossível a construção duma sociedade justa, duma paz
firme e duradoura. E convém desde já lembrar que a fraternidade se começa a aprender
habitualmente no seio da família, graças sobretudo às funções responsáveis e complementares
de todos os seus membros, mormente do pai e da mãe.
Ciente da importância dos
meios de comunicação diz o Papa que "vemos semeada a vocação a formar uma comunidade
feita de irmãos que se acolhem mutuamente e cuidam uns dos outros. Contudo, ainda
hoje, esta vocação é muitas vezes contrastada e negada nos fatos, num mundo caracterizado
pela «globalização da indiferença» que lentamente nos faz «habituar» ao sofrimento
alheio, fechando-nos em nós mesmos".
Neste tempo de mudança de época é importante
ressaltar que a dinâmica da solidariedade, da partilha e da fraternidade parecem estar
fora de moda. Calaram profundamente no coração dos católicos os três conselhos repetidos
pelo Papa Francisco no domingo da Sagrada Família, como três tesouros a serem vividos
como regras básicas de vivência e de convivência familiar: "dá licença, obrigado,
perdão". Quando em uma família não se é um intruso e se pede “com licença”, quando
em uma família não se é egoísta e se aprende a dizer “obrigado”, e quando em uma família
alguém se dá conta que fez uma coisa errada e pede “perdão”, então nesta família existe
paz e alegria. Neste ponto, o Pontífice encorajou as famílias a tomarem consciência
da importância que tem na Igreja e na sociedade. “O anúncio do Evangelho – disse o
Papa -, passa de fato, antes de tudo, através das famílias para depois, chegar até
aos diversos âmbitos da vida diária”.
O Papa Francisco denunciou a guerra silenciosa
que em muitas partes do mundo se tem propagado contra o direito à prática religiosa.
Denunciou os tráficos humanos e as suas muitas facetas, as guerras armadas, e "às
guerras feitas de confrontos armados juntam-se guerras menos visíveis, mas não menos
cruéis, que se combatem nos campos econômico e financeiro com meios igualmente demolidores
de vidas, de famílias, de empresas. A globalização, como afirmou Bento XVI, torna-nos
vizinhos, mas não nos faz irmãos. As inúmeras situações de desigualdade, pobreza e
injustiça indicam não só uma profunda carência de fraternidade, mas também a ausência
duma cultura de solidariedade. As novas ideologias, caracterizadas por generalizado
individualismo, egocentrismo e consumismo materialista, debilitam os laços sociais,
alimentando aquela mentalidade do «descartável» que induz ao desprezo e abandono dos
mais fracos, daqueles que são considerados «inúteis». Assim, a convivência humana
assemelha-se sempre mais a um mero do ut des pragmático e egoísta".
"Uma verdadeira
fraternidade entre os homens supõe e exige uma paternidade transcendente. A partir
do reconhecimento desta paternidade, consolida-se a fraternidade entre os homens,
ou seja, aquele fazer-se «próximo» para cuidar do outro".
O Papa Francisco
pergunta "onde está o teu irmão?". "Para compreender melhor esta vocação do homem
à fraternidade e para reconhecer de forma mais adequada os obstáculos que se interpõem
à sua realização e identificar as vias para a superação dos mesmos, é fundamental
deixar-se guiar pelo conhecimento do desígnio de Deus, tal como se apresenta de forma
egrégia na Sagrada Escritura. Segundo a narração das origens, todos os homens provêm
dos mesmos pais, de Adão e Eva, casal criado por Deus à sua imagem e semelhança (cf.
Gn 1, 26), do qual nascem Caim e Abel. Na história desta família primigénia, lemos
a origem da sociedade, a evolução das relações entre as pessoas e os povos. Abel é
pastor, Caim agricultor. A sua identidade profunda e, conjuntamente, a sua vocação
é ser irmãos, embora na diversidade da sua atividade e cultura, da sua maneira de
se relacionarem com Deus e com a criação. Mas o assassinato de Abel por Caim atesta,
tragicamente, a rejeição radical da vocação a ser irmãos. A sua história (cf. Gn 4,
1-16) põe em evidência o difícil dever, a que todos os homens são chamados, de viver
juntos, cuidando uns dos outros. Caim, não aceitando a predileção de Deus por Abel,
que Lhe oferecia o melhor do seu rebanho – «o Senhor olhou com agrado para Abel e
para a sua oferta, mas não olhou com agrado para Caim nem para a sua oferta» (Gn 4,
4-5) –, mata Abel por inveja. Desta forma, recusa reconhecer-se irmão, relacionar-se
positivamente com ele, viver diante de Deus, assumindo as suas responsabilidades de
cuidar e proteger o outro. À pergunta com que Deus interpela Caim – «onde está o teu
irmão?» –, pedindo-lhe contas da sua ação, responde: «Não sei dele. Sou, porventura,
guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9). Depois – diz-nos o livro do Gênesis –, «Caim afastou-se
da presença do Senhor» (4, 16). É preciso interrogar-se sobre os motivos profundos
que induziram Caim a ignorar o vínculo de fraternidade e, simultaneamente, o vínculo
de reciprocidade e comunhão que o ligavam ao seu irmão Abel. O próprio Deus denuncia
e censura a Caim a sua contigüidade com o mal: «o pecado deitar-se-á à tua porta»
(Gn 4, 7). Mas Caim recusa opor-se ao mal, e decide igualmente «lançar-se sobre o
irmão» (Gn 4, 8), desprezando o projeto de Deus. Deste modo, frustra a sua vocação
original para ser filho de Deus e viver a fraternidade".
O Papa Francisco,
partindo de sua experiência de viver o que prega, lembra que "o egoísmo diário, que
está na base de muitas guerras e injustiças: na realidade, muitos homens e mulheres
morrem pela mão de irmãos e irmãs que não sabem reconhecer-se como tais, isto é, como
seres feitos para a reciprocidade, a comunhão e a doação". Egoísmo, a meta para ser
vencida em todas as relações de 2014.
A mensagem coloca também uma afirmação:
"E vós sois todos irmãos» (Mt 23, 8)" E questiona: "Surge espontaneamente a pergunta:
poderão um dia os homens e as mulheres deste mundo corresponder plenamente ao anseio
de fraternidade, gravado neles por Deus Pai? Conseguirão, meramente com as suas forças,
vencer a indiferença, o egoísmo e o ódio, aceitar as legítimas diferenças que caracterizam
os irmãos e as irmãs?" "A raiz da fraternidade está contida na paternidade de
Deus. Não se trata de uma paternidade genérica, indistinta e historicamente ineficaz,
mas do amor pessoal, solícito e extraordinariamente concreto de Deus por cada um dos
homens (cf. Mt 6, 25-30). Trata-se, por conseguinte, de uma paternidade eficazmente
geradora de fraternidade, porque o amor de Deus, quando é acolhido, torna-se no mais
admirável agente de transformação da vida e das relações com o outro, abrindo os seres
humanos à solidariedade e à partilha ativa. Em particular, a fraternidade humana foi
regenerada em e por Jesus Cristo, com a sua morte e ressurreição. A cruz é o «lugar»
definitivo de fundação da fraternidade que os homens, por si sós, não são capazes
de gerar. Jesus Cristo, que assumiu a natureza humana para a redimir, amando o Pai
até à morte e morte de cruz (cf. Fl 2, 8), por meio da sua ressurreição constitui-nos
como humanidade nova, em plena comunhão com a vontade de Deus, com o seu projeto,
que inclui a realização plena da vocação à fraternidade".
A fraternidade é
fundamento e caminho para a paz” "A solidariedade cristã pressupõe que o próximo seja
amado não só como «um ser humano com os seus direitos e a sua igualdade fundamental
em relação a todos os demais, mas [como] a imagem viva de Deus Pai, resgatada pelo
sangue de Jesus Cristo e tornada objeto da ação permanente do Espírito Santo», como
um irmão. «Então a consciência da paternidade comum de Deus, da fraternidade de todos
os homens em Cristo, “filhos no Filho”, e da presença e da ação vivificante do Espírito
Santo conferirá – lembra João Paulo II – ao nosso olhar sobre o mundo como que um
novo critério para o interpretar», para o transformar".
"Reconhece-se haver
necessidade também de políticas que sirvam para atenuar a excessiva desigualdade de
rendimento. Não devemos esquecer o ensinamento da Igreja sobre a chamada hipoteca
social, segundo a qual, se é lícito – como diz São Tomás de Aquino – e mesmo necessário
que «o homem tenha a propriedade dos bens», quanto ao uso, porém, «não deve considerar
as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns,
no sentido de que possam beneficiar não só a si mas também aos outros".
Por
último o Papa nos ensina o desapego: "há uma forma de promover a fraternidade – e,
assim, vencer a pobreza – que deve estar na base de todas as outras. É o desapego
vivido por quem escolhe estilos de vida sóbrios e essenciais, por quem, partilhando
as suas riquezas, consegue assim experimentar a comunhão fraterna com os outros. Isto
é fundamental, para seguir Jesus Cristo e ser verdadeiramente cristão. É o caso não
só das pessoas consagradas que professam voto de pobreza, mas também de muitas famílias
e tantos cidadãos responsáveis que acreditam firmemente que a relação fraterna com
o próximo constitua o bem mais precioso".
Falando aos responsáveis pela economia
e aos governos adverte o Papa Francisco que: "As sucessivas crises econômicas devem
levar a repensar adequadamente os modelos de desenvolvimento econômico e a mudar os
estilos de vida. A crise atual, com pesadas conseqüências na vida das pessoas, pode
ser também uma ocasião propícia para recuperar as virtudes da prudência, temperança,
justiça e fortaleza. Elas podem ajudar-nos a superar os momentos difíceis e a redescobrir
os laços fraternos que nos unem uns aos outros, com a confiança profunda de que o
homem tem necessidade e é capaz de algo mais do que a maximização do próprio lucro
individual. As referidas virtudes são necessárias sobretudo para construir e manter
uma sociedade à medida da dignidade humana".
O Papa pede o fim das guerras
e da disseminação das armas. Diz Francisco que: "desejo dirigir um forte apelo a quantos
semeiam violência e morte, com as armas: naquele que hoje considerais apenas um inimigo
a abater, redescobri o vosso irmão e detende a vossa mão! Renunciai à via das armas
e ide ao encontro do outro com o diálogo, o perdão e a reconciliação para reconstruir
a justiça, a confiança e esperança ao vosso redor!"
O Papa Francisco condena
a corrupção clamando por honestidade, justiça social e transparência, principalmente
para vencer o egoísmo. Convida os homens públicos a respeitar a liberdade religiosa.
Condena o drama da droga "com a qual se lucra desafiando leis morais e civis, na devastação
dos recursos naturais". Deplora a prostituição, o tráfico de seres humanos, os crimes
contra os menores, a escravidão e a ilegalidade. Clama por um sistema prisional que
recupere os detentos.
Enfim, o Papa pede que a família humana cuide da natureza,
que está a disposição do homem que deve administrá-la responsavelmente. O Papa volta
o seu olhar ao setor agrícola pedindo “que a fome seja erradicada e que a produção
agrícola seja para o uso universal de todos".
A fraternidade deve ser amada,
ser descoberta e testemunhada: "Quando falta esta abertura a Deus, toda a atividade
humana se torna mais pobre, e as pessoas são reduzidas a objeto passível de exploração.
Somente se a política e a economia aceitarem mover-se no amplo espaço assegurado por
esta abertura Àquele que ama todo o homem e mulher, é que conseguirão estruturar-se
com base num verdadeiro espírito de caridade fraterna e poderão ser instrumento eficaz
de desenvolvimento humano integral e de paz".
Sob o legado deixado pelo testemunho
do Papa Francisco, contemplando o Cristo Redentor, onde celebrei a missa de “passagem
de ano”, de braços abertos abençoando o Rio de Janeiro e o Brasil, invoco a Fraternidade
como itinerário para se viver a paz que tanto precisamos e derrotar todas as facetas
do mal, da maldade humana em que não nos deixam viver como pede o Evangelho: como
irmãos que partilham, que amam, que perdoam, e como Cristo, que não se deixa perder
nenhum dos seus filhos. Paz na terra aos homens de boa vontade!
Uma mensagem
atual e densa de propostas que marcam este início de ano! “Que Maria, a Mãe de Jesus,
nos ajude a compreender e a viver todos os dias a fraternidade que jorra do coração
do seu Filho, para levar a paz a todo o homem que viver nesta nossa amada terra.”
†
Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio
de Janeiro, RJ