Cidade do Vaticano (RV) - Um bilhão de pessoas
não tem o que comer. A cada três segundos, alguém morre de fome no mundo. Esse é o
escândalo do novo milênio, um escândalo inaceitável. “Não podemos virar as costas
e fazer de conta que isto não existe. O alimento que o mundo tem à disposição pode
saciar todos”. Forte a denúncia do Papa Francisco e forte o convite às instituições
e a toda a Igreja para dar voz àqueles que sofrem, para evitar os desperdícios e agir
como “uma única família". Esse convite está contido no vídeo-mensagem que na última
terça-feira deu início à campanha contra a fome no mundo organizada pela Caritas Internacional;
uma iniciativa no âmbito do Dia Internacional dos Direitos Humanos que este ano teve
como tema “Uma única Família Humana-Alimento para Todos”. Eliminar a fome no mundo
até 2025; este é o objetivo da campanha.
Vivemos hoje num mundo onde existem
vários mundos. O mundo do luxo e da opulência; o mundo do ter e do aparecer; o mundo
do egoísmo e do indiferentismo; o mundo da negação e do descartável; o mundo dos invisíveis.
Muitos desses mundos são povoados por pessoas, por indivíduos que existem pelo que
tem e pelo que não tem, e vivem sem perceber o drama do outro; mas temos também mundos
de deserdados e marginalizados, que vivem do resto de um mundo que não os vê, não
os conhece e não os reconhece. Um mundo sem fome que não vê um mundo com fome.
E
nessa visão de mundo é aquele sem fome que tem vez, que tem voz, enquanto as vozes
dos famintos não contam. Passa-se fome sobretudo – por mais bizarro que isso soe –
nas regiões onde os alimentos são produzidos, ou seja, no campo, onde as pessoas vivem
da agricultura familiar e não têm seus interesses tutelados nas instituições econômicas.
Passa-se fome nas grandes cidades onde temos lixos abastados que convivem ao lado
de panelas vazias e barrigas vazias.
O Papa Francisco nesta semana convidou
todos a abrir um espaço nos corações para esta urgência, respeitando o direito dado
por Deus para todos de ter acesso a uma alimentação adequada. “Compartilhemos o que
temos, na caridade cristã, com os que são obrigados a enfrentar muitos obstáculos
para satisfazer uma necessidade tão primária”, pediu o Pontífice.
A voz do
Santo Padre ecoou e ecoa ainda nos ouvidos de toda a humanidade para que todas as
instituições, toda a Igreja e cada um de nós, como uma única família humana, dê voz
a todas as pessoas que passam fome silenciosamente, a fim de que esta voz se torne
um grito que possa sacudir o mundo.
Um grito que possa sacudir as consciências
adormecidas no egoísmo, que tudo transforma em ação pessoal e individual, egocêntrica;
um grito que acorde e ajude a pensar que o outro existe e que eu não sou o único,
o centro de tudo. É hora de mudar de hábitos e modos de pensar comuns. A campanha
da Caritas – afirmou Francisco - é também um convite a todos nós para sermos mais
conscientes de nosso regime alimentar, que muitas vezes comporta desperdício de comida
e má-utilização dos recursos de que dispomos. Ela é também uma exortação a pararmos
de pensar que nossos gestos cotidianos não têm impacto na vida de quem – esteja perto,
esteja longe de nós – vive a fome na própria pele.
Como viver indiferentes
à tragédia da fome e não se deixar comover pelo sofrimento daqueles que não tem pão?
Os dramas se consumam em terras distantes das nossas, mas também dentro de realidade
de nossas cidades, uma realidade que muitas vezes está escondida, longe do testemunho
das câmaras de TV; assim não sacodem as nossas consciências, é um sofrimento invisível.
Quando alguém morre de fome é uma morte que ninguém chora, a não ser a mãe
debruçada sobre o corpo esquelético do filho, ou o filho que enterra o pai ou mãe
destruídos pela fadiga do tempo e do desespero. Será que a dor de uma pessoa como
essa é diferente das nossas dores? O único pecado dessa gente foi ter nascido numa
terra, numa condição de vida, onde a morte por fome não é uma exceção, mas está na
ordem do dia, da normalidade.
A imagem da humanidade “como uma única família”
é a imagem proposta pelo Papa, onde todos se interessam por todos, onde ninguém é
deixado de lado. Na grande família todos temos responsabilidades e todos falimos quando
alguém padece pelo nosso egoísmo e indiferença. Temos o imperativo de ajudar esse
exército de famintos a se levantar, a sair desse mundo de silêncio em que vivem, que
produz luto, dor, miséria e desesperança.
Na quarta-feira, durante a Audiência
Geral na Praça São Pedro, o Papa Francisco recordou que o Evangelho de Jesus nos indica
o caminho para lutar contra a fome: entregar-nos à providência do Pai e compartilhar
o pão cotidiano sem desperdiçá-lo. E encorajou a Caritas a levar avante este empenho,
convidando todos a se unirem a esta “onda” de solidariedade.
Vivemos um momento
de esperança, um momento de espera do Menino que vem; é a hora de dar luz a um túnel
onde a escuridão esconde a dor e o desespero de milhões de pessoas. (Silvonei José)