Rio de Janeiro (RV) - Há cinquenta anos, no dia 4 de dezembro de 1963, o Papa
Paulo VI, em Roma, junto a São Pedro, assinava um dos dois primeiros documentos do
Concílio Vaticano II: o Decreto “Inter Mirifica”, que se inicia com a seguinte tradução:
“entre as admiráveis invenções da técnica...” Há dez anos, ao me pronunciar sobre
os 40 anos desse Decreto, eu afirmava que para nós, pessoas da Igreja, “a comunicação
é um processo de comunhão, participação, planejamento, acolhida e informação mais
do que a utilização dos “meios”. Contudo, não podemos ficar alheios às modernas técnicas
de comunicação e devemos dominá-las”.
Da comemoração dos 40 anos da “Inter
Mirifica” ocorrida em Salvador, BA, no 3º. Mutirão Brasileiro de Comunicação já se
passa uma década. Quantas maravilhas a humanidade pode contemplar neste período! Quantos
passos foram dados pelo “engenho humano” que “rasgaram caminhos novos na comunicação”!
Devemos olhar para o tempo sem piscar os olhos por que a tecnologia não para. Para
nós, que comemoramos nestes anos o jubileu de ouro do Concílio Vaticano II, este ano
nos alegramos em comemorar os seus dois primeiros documentos! A comunicação e seus
meios estão entre “as maravilhas do nosso tempo”. Pela primeira vez um documento conciliar
abre a discussão sobre esse assunto. É um decreto que abriu enormes possibilidades
para a Igreja diante desses novos tempos de “mudança de época”. Esse decreto é a porta
que se abre para essa dimensão e que será aprofundada pelos documentos que se seguirão.
É louvável acompanhar estas evoluções tão rápidas criadas pela inteligência humana
em todas as partes do mundo. Diferentes propostas e execuções acontecem a cada momento.
Neste exato momento bilhões de palavras, bilhões de pessoas, entre todas as raças,
línguas e nacionalidades se relacionam e se comunicam, transferindo conhecimentos
e informações em tempo real graças às modernas tecnologias da invenção humana, através
da comunicação social em favor das relações interpessoais.
A Igreja Católica
também está conectada com esta realidade transformadora das relações humanas. Estas
relações acontecem na esfera presencial e virtual. A Igreja faz uso de todas as formas
de comunicação para levar o anúncio do Evangelho, mostrar os valores do Reino de Deus
e os seus sinais seja na comunicação interpessoal presencial, bem como atingindo milhões
de pessoas através dos diversos suportes de comunicação que hoje são utilizados graças
à inteligência humana criativa, dom querido e gratuito dado por Deus ao homem.
Celebrar
os 50 anos do Decreto “Inter Mirifica” significa muito mais que celebrar a maravilha
da existência de tanta tecnologia em favor do anúncio da Palavra de Deus com os meios
de comunicação. Pode-se dizer que é, também, celebrar o amanhecer de cada dia de um
técnico, de um engenheiro, de um produtor, dos diretores, enfim, de todos os que passam
24h por dia respirando tecnologia para destinar uma mensagem ao mundo, que hoje não
possui mais fronteiras. O grande segredo para nós é exatamente o ser humano que produz
comunicação e que se utiliza dos meios – quanto melhor formada, quanto mais iluminada
pelo evangelho, melhor utilizará para o bem os meios de comunicação social.
Parece
impossível para os “adotados digitais” acompanhar tantos lançamentos que o mercado
apresenta. Cada dia tem um novo modelo de Smart, de iPad, de iPhone, Tablets, de aparelhos
trazendo “High Definition”. Para os “nativos digitais” é quase conatural. A cada nova
edição ou modelo de meio de comunicação, a cada possibilidade de mídias sociais, os
“nativos se sentem “em casa”. Porém, tudo isso é “assessório da comunicação” ou tornou-se
meio essencial? A discussão entre virtual e presencial ainda é um sério debate que
se trava. A discussão antiga sobre o “meio e a mensagem” ainda se trava em nosso dia
a dia com os pensadores da comunicação. Fala-se hoje da “nova cultura” gerada por
esses novos tempos e tecnologias.
Dentro dessa realidade, a pergunta que fazemos
é como anunciar a palavra, como testemunhar Jesus Cristo, como proclamar a verdade
em nosso tempo de tanta comunicação e tantos meios possíveis? A virtude do decreto
“Inter Mirifica” é justamente abrir essa discussão e suscitar essa reflexão na Igreja.
Por isso, um pequeno decreto, no alvorecer dos documentos do Concílio Vaticano II,
colocou a Igreja na discussão desse grande fator de mudança da sociedade. Ele suscitou
documentos importantíssimos e uma nova postura da instituição com relação ao tema.
Além da utilização dos meios de comunicação, o documento suscita ainda a discussão
sobre a própria comunicação enquanto tal e abre caminhos para refletir também sobre
esse fator na sociedade hodierna.
A Palavra sempre existiu e existirá. Ganhará
novos canais de veiculação para chegar ao seu destinatário de forma mais rápida e
eficaz. A Palavra é a força motivadora para a criação de novas formas sempre mais
rápidas e eficazes para chegar aos olhos e/ou aos ouvidos do receptor. Junto com a
Palavra teremos também o exemplo e a vida. No passado a Igreja foi pioneira na utilização
dos meios de então: imprensa, rádio, pintura, arquitetura, música e tantas outras
manifestações. Por exemplo, na virada para o século XX um jovem italiano, Tiago Alberione,
hoje Beato Padre Tiago Alberione, viu que os meios de comunicação poderiam servir
para o anúncio do Evangelho. “Já que estas máquinas podem imprimir tantas informações
que não constroem o bem, por que não as utilizar para o anúncio da Palavra de Deus?
Preciso fazer algo pelo homem do novo século...” pensava ele. E assim se lançou numa
missão inovadora e como protagonista daquele tempo, na longínqua cidade de Alba, norte
da Itália, colocou a Igreja Católica no pódio das grandes conquistas no mundo das
comunicações sociais do século XX.
Além dos meios modernos de comunicação,
hoje, também vêm crescendo velozmente as diferentes formas de se expressar. É importante
salientar o grande papel que hoje representam as redes sociais em nossa sociedade.
Elas são um auditório e ao mesmo tempo o púlpito de todas as formas de manifestações
de ideias que se possa imaginar. Desde as construtivas até as maléficas ao desenvolvimento
do processo da educação humana em todos os níveis. Sabemos da utilização do tweter
por parte do Papa e como crescem o número de seguidores. As mídias sociais estão mudando
o mundo atual, convocando as pessoas às ruas e às manifestações. É, portanto, um território
livre para todo tipo de manifestação. É de se pensar: será que já vimos de tudo?
Quando isso vai acabar? O que ainda será inventado? Para os que travam no tempo, a
incredibilidade é a âncora; estagnaram com medo do novo, do diferente. Muitos dos
instrumentos de comunicação que utilizaremos daqui a uma década ainda não estão inventados.
A
modernidade cria uma nova geração de intérpretes da realidade, uma geração de cibernautas
com ações de habilidades distintas daquelas gerações acostumadas somente com o texto
impresso e ainda também somados os da era da imagem televisiva e os espectadores do
cinema. Hoje tudo pode ser concentrado num único instrumento com qualidade HD. Manipulamos
isto tudo, resgatamos os conteúdos que nos são necessários muitas vezes até sem compreender
o processo de tamanha velocidade. E tudo isso cabe em nosso bolso com as novas tecnologias
descobertas. Ao comemorarmos essa grande data dos 50 anos da assinatura do decreto
conciliar “Inter Mirifica”, vemos com clareza como agiu o Espírito Santo, colocando
como um dos dois primeiros documentos conciliares justamente a questão da comunicação.
Este tema seria um dos mais importantes para a atualidade que estava se iniciando.
Este documento, que criou o “dia mundial das comunicações”, estabeleceu coleta para
o sustento dos meios e orientou a reorganização do departamento da Igreja na missão
da comunicação.
Entre todas as maravilhas do universo estão os meios de comunicação
social com suas diferentes formas. A comunicação humana também continuará existindo
para sempre com suas diferentes formas. A qualidade de como é utilizada e o bem da
humanidade estão dentro de nossas discussões. Nada melhor do que aprofundar esses
tempos neste dia da comemoração da assinatura do decreto sobre a comunicação produzido
pelo maior evento católico do século XX, o Concílio Vaticano II.
Muito já
foi escrito e muita coisa terá que ainda ser, mas precisamos, com a qualidade da comunicação,
construir pontes entre os seres humanos que os tornem ainda “pessoas humanas”. Num
mundo que necessita de paz e fraternidade, comunicação para a comunhão pode ser um
desafio proposto para hoje.
† Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo
Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ