Mensagem do Card. Turkson, presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, ao Colóquio
da UCP, nos 50 anos da "Pacem in Terris" (Lisboa, 23 nov)
50° aniversário da encíclica Pacem in Terris - Diálogo e Democracia: Instrumentos
para a paz na Europa
Caros participantes, Saúdo-vos muito afetuosamente
em nome do Conselho Pontifício Justiça e Paz por ocasião desta vossa conferência inserida
na celebração do 50º aniversário da encíclica Pacem in Terris. Que a vossa proveitosa
reflexão acerca do diálogo e da democracia como instrumentos para a paz na Europa
vos ajude, a vós, participantes, e a muitas outras pessoas, a “trazer a sua própria
contribuição generosa à construção de uma sociedade na qual direitos e deveres se
exerçam com uma diligência e eficácia cada vez maiores”. A Pacem in
Terris é o legado do Papa João XXIII a uma humanidade que anseia pela paz. O seu título
evoca o hino dos anjos após o nascimento de Jesus: “Glória a Deus nas alturas e paz
na terra aos homens do seu agrado”; e tal como o hino angélico qualifica
a experiência da paz na terra “aos homens” com o genitivo restritivo “do seu agrado”,
assim também o Papa João recorda que “a paz na terra, anseio profundo de todos os
homens de todos os tempos”, implica que se cumpra a condição do “pleno respeito da
ordem instituída por Deus”. E a exposição desta “ordem instituída por Deus” vai ocupar
a reflexão do bom Papa João no decurso da encíclica. Embora a crise dos mísseis
de Cuba e a ameaça da guerra nuclear tenham sido a ocasião imediata para a sua promulgação,
a encíclica não busca oferecer conselhos práticos acerca do desarmamento nuclear,
a rejeição da guerra ou a procura de oportunidades para a paz. A Pacem in Terris não
argumenta a partir da guerra em favor da paz, mas a partir do fundamento da dignidade
humana e das relações! Ao longo da encíclica, o facto indesmentível das relações humanas
e o valor irredutível da dignidade humana são o fundamento e a fonte das considerações
apresentadas. O Beato Papa João XXIII inicia, prossegue e termina a sua reflexão
com o núcleo irredutível da dignidade que assinala cada homem e mulher – e com a dinâmica
das relações entre todos eles. A sua reflexão parte da pessoa até atingir a totalidade
da família humana e todas as suas instituições, e o bem comum universal que elas devem
servir – até, por outras palavras, chegar à paz na terra para todos. As relações,
tal como a coexistência, têm lugar no âmbito das pequenas comunidades e expandem-se
para o nível da sociedade, das nações e de todo o planeta. Em todos estes níveis e
em todas estas formas de relações e de coexistência, tem de ser protegida a dignidade
da pessoa através do cultivo das virtudes da verdade, justiça, amor e liberdade. De
facto, as relações não são algo em que por acaso possamos estar envolvidos, e a dignidade
não é algo que possamos ou não possuir. As relações e a dignidade são marcas distintivas
daquilo que somos enquanto seres humanos. Por esta razão, os direitos que dimanam
da dignidade da pessoa “estão na base da legitimidade moral de qualquer autoridade”, seja ela local, nacional ou internacional. A dignidade e os direitos da pessoa
são anteriores à sociedade e é assim que devem ser reconhecidos, respeitados, protegidos
e promovidos pela sociedade. Tendo sido criados com uma dignidade inalienável,
nós existimos em relação com os nossos irmãos e irmãs. Fora dessas relações, descobrimo-nos
com tristeza estar numa condição infra-humana. Como meio de remediar esta situação,
o Papa João XXIII situa a paz no respeito pela dignidade de cada ser humano e nas
relações que se estabelecem entre as pessoas. Apraz-nos registar que ireis dedicar
a manhã do vosso encontro ao tema do diálogo entre as religiões como caminho para
a construção da paz na Europa. Saúdo com um afeto muito especial e um respeito muito
profundo os representantes das diversas comunidades religiosas que darão o seu testemunho.
A dimensão do diálogo inter-religioso é uma consequência das exigências das relações
em que nos encontramos, ou seja, da justiça que há de governar as relações humanas
e conduzir ao respeito pela dignidade de cada pessoa, fundamento e possibilidade da
construção da paz. A Pacem in Terris conduz-nos a introduzir o plano divino da
salvação na vida pública, para que todos os habitantes do planeta possam prosperar.
Esta grande encíclica representa um ponto culminante da Doutrina Social da Igreja
quanto às questões da coexistência social e política. Certamente que dela se poderão
tirar ensinamentos úteis para a atividade política na Europa, como esperamos que venham
a concluir as vossas reflexões acerca da relação entre a democracia e os valores para
a construção europeia e a vossa discussão quanto à reabilitação da política no vosso
país. Que a intercessão do Beato João XXIII, que em breve será declarado Santo,
possa ajudar os católicos portugueses e todas as pessoas de boa vontade a colaborar
de modo cada vez mais fraterno “nos múltiplos empreendimentos que a civilização contemporânea
permite, sugere, ou reclama”. Lisboa, 23 de novembro de 2013 Cardeal Peter K.
A. Turkson Presidente