1. Um
dos problemas mais graves que hoje atingem o nosso País diz respeito à situação do
mundo do trabalho. Para muitos, o problema consiste no desemprego; para outros, no
trabalho precário ou mal remunerado; para outros ainda, tem sido a necessidade de
cargas suplementares de esforço na procura da sobrevivência das suas empresas. Sobressai
a elevada taxa de desemprego dos jovens, muitos dos quais escolheram a emigração como
forma de obterem o que não encontram no seu País. Também muitas pessoas de meia-idade
vivem situações complicadas de adaptação laboral num período repleto de encargos económicos,
devendo merecer uma solicitude particular por parte da sociedade e do Estado. Muitos outros têm também sido duramente
atingidos pela crise e pelas medidas tomadas para a combater. Neste contexto, entendemos
ser particularmente oportuno afirmar a mensagem nuclear da Igreja sobre o trabalho
humano. Direito e dever do trabalho 2. Como afirmou o Papa
João Paulo II, na sua encíclica sobre o trabalho humano: «A Igreja está convencida
de que o trabalho constitui uma dimensão fundamental da existência do homem sobre
a terra», não apenas enquanto meio de sustento, mas também enquanto atividade inerente
ao processo de desenvolvimento de cada pessoa e da sociedade. De acordo com esta visão
humanista, o trabalho constitui um direito e um dever, decorrentes da natureza humana
e da sua inviolável dignidade; para os cristãos decorre também do facto de todo o
ser humano, homem ou mulher, ser «imagem de Deus», um Deus ativo e criador. Quando a Igreja fala em dignidade humana
refere-se, antes de mais, a uma qualidade inerente à própria natureza humana, que
implica a consideração do homem e da mulher como seres livres, dotados de subjetividade,
inteligência, vontade e criatividade; bem como de capacidade para decidir e assumir
responsabilidades e relacionar-se com os outros, realizando-se a si próprios. Deste
modo, o trabalho deverá permitir a todos o exercício efetivo daquelas qualidades e
potencialidades. Neste
entendimento, não é qualquer trabalho que satisfaz as exigências da dignidade humana.
Daí, também, nas palavras do Papa João Paulo II, a «obrigação moral de unir a laboriosidade
como virtude com a ordem social do trabalho, o que há de permitir ao homem tornar-se
mais homem no trabalho, e não já degradar-se por causa do trabalho». O Papa Francisco sublinhou, recentemente,
que importa «voltar a colocar no centro a pessoa e o trabalho. A crise económica tem
uma dimensão europeia global; no entanto, a crise não é apenas económica, mas também
ética, espiritual e humana. Na raiz existe uma traição ao bem comum, quer da parte
do indivíduo, quer da parte de certos grupos de poder. Por conseguinte, é necessário
tirar a centralidade à lei do lucro e do rendimento, e voltar a dar a prioridade à
pessoa e ao bem comum». O drama do desemprego 3. A
situação do país em matéria laboral é, em muitos aspetos, grave e de difícil solução.
Vêm a propósito as palavras do Papa Bento XVI: «Em muitos casos os pobres são o resultado
da violação da dignidade do trabalho humano seja porque as suas possibilidades são
limitadas (desemprego e subemprego), seja porque são desvalorizados os direitos que
dele brotam, especialmente o direito ao justo salário, à segurança da pessoa do trabalhador
e da sua família». Entre as situações mais graves está a dos desempregados que não
têm direito a qualquer forma de subsídio de desemprego. Importa recordar que essa
forma de apoio está ligada ao direito à vida e à subsistência, e decorre não só da
dignidade humana mas também do princípio do uso comum dos bens, tanto mais imperativo
quanto mais grave seja a situação geral do País. Conseguir compatibilizar esta obrigação de solidariedade social com a diminuição
efetiva da riqueza pessoal e do próprio País é um enorme desafio que se coloca a todos
os cidadãos. Pese embora o imenso
esforço de muitas empresas de se reinventarem e de procurarem novos mercados para
os seus produtos capazes de assegurarem o seu futuro e dos seus colaboradores, não
pode passar despercebida a tendência para promover o emprego através do cerceamento
dos direitos dos trabalhadores. Sem querer entrar no domínio das medidas concretas,
não podemos deixar de sublinhar, uma vez mais, que «o trabalho é para o homem e não
o homem para o trabalho». Seria contraditória, em si mesma, qualquer medida que procurasse
promover o emprego à custa de outras dimensões da dignidade humana. Assim, recordou
o Papa Francisco num encontro com os trabalhadores: «No centro deve estar o homem
e a mulher, como Deus deseja, e não o dinheiro». A dignidade do capital está no serviço
das pessoas e na promoção do seu progresso. Potenciar as empresas para promover o trabalho 4. Constatamos que a “empresa” é um dos elementos fundamentais
da problemática do trabalho e um eixo central na luta contra a pobreza e o desemprego.
As empresas são feitas de pessoas e há empresas onde o único valor parece ser o lucro,
desprezando os valores humanos e sociais, e há empresas onde o valor da pessoa humana
é central, contribuindo para o crescimento integral de cada um dos seus colaboradores.
São as pessoas que colaboram numa empresa, e a sua equipa dirigente e acionistas em
particular, que determinam o comportamento da empresa, os seus valores e as suas práticas. Importante é promover uma cultura de justiça
que dignifique empregadores e trabalhadores, que se concretiza pagando atempadamente
a quem trabalha, o que contribui também para promover o emprego. É essencial desafiar cada cristão a viver com sentido de missão
o seu trabalho profissional, a procurar assumir os critérios de Cristo na sua empresa,
traduzindo-os na realidade das tarefas, na promoção de boas-práticas que potenciem
o desenvolvimento da empresa, a procura da qualidade e a dignidade de cada colaborador. Criatividade nas soluções 5. É sabido que os problemas de emprego
requerem soluções difíceis. As soluções necessárias têm dimensões que ultrapassam
as características deste documento. Todavia, sempre dentro de preocupações fundamentalmente
éticas, não queremos deixar de propor algumas orientações no âmbito de um breve quadro
de referência básico. Recordemos,
antes do mais, que todos somos chamados a contribuir para a resolução dos problemas
do desemprego e do emprego precário, com partilha de responsabilidades entre os poderes
públicos, centrais e autárquicos, as empresas, os parceiros sociais, as organizações
não lucrativas, as famílias e as pessoas individualmente consideradas. Estão em causa
um direito humano e um aspeto fundamental do bem comum, que requerem uma maior sensibilidade
social e mais fortes laços de solidariedade, que levam à corresponsabilização pelos
que estão em piores condições. Impõe-se
que a aproximação da oferta e da procura de emprego não fique totalmente dependente
dos mecanismos do mercado. A nível global, são necessárias e urgentes políticas favoráveis
a um modelo de crescimento económico que potencie a ação das empresas (com ou sem
fins lucrativos) e instituições para que estas possam criar empregos de qualidade.
Nisto está o verdadeiro motor do aumento de empregos. Neste âmbito, colocam-se exigências
particularmente relevantes às políticas europeias relacionadas com o emprego. No mundo
globalizado em que vivemos, tal esforço implica também uma dimensão internacional. Para fazer face ao desemprego, os países
europeus, entre os quais o nosso, têm também lançado mão das chamadas «políticas ativas
de emprego», com resultados insatisfatórios. Todavia, sobretudo quando incluem uma
adequada componente formativa e qualificante, podem ser importantes num contexto geral
de baixas qualificações dos trabalhadores e dos empresários. Realismo e esperança 6. Recordamos as palavras do Papa Bento XVI, chamando a atenção
para a necessidade de «um mercado, no qual possam operar, livremente e em condições
de igual oportunidade, empresas que persigam fins institucionais diversos». Por outras
palavras: «Ao lado da empresa privada orientada para o lucro e dos vários tipos de
empresa pública, devem poder-se radicar e exprimir as organizações produtivas que
perseguem fins mutualistas e sociais». Queremos manifestar a nossa profunda solidariedade e proximidade com os que
não encontram trabalho e vivem situações de angústia. Louvamos e agradecemos os que
investem em tempos de crise para criar postos de trabalho e manter as portas da sua
empresa abertas, por vezes com grande sacrifício. A gravidade do problema é um urgente apelo à criatividade e à excelência profissional
de trabalhadores e empresários, de governantes e forças sociais e políticas, na procura
de novas propostas e paradigmas que se tornem progressivas soluções para os variadíssimos
problemas que emergem no campo do trabalho humano. Com realismo e esperança. Fátima, 14 de novembro de 2013 |
Encíclica
Laborem Exercens, 1981, nº 4. Génesis,
1, 27. Encíclica Laborem Exercens,
nº 9. Discurso aos Trabalhadores
em Cagliari, 2013.09.22. Encíclica
Caritas in Veritate, n.º 63. Encíclica
Laborem Exercens, n.º 6. Discurso
aos Trabalhadores em Cagliari, 2013.09.22. Encíclica Caritas in Veritate, n.º 38. |
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