Repúdio à política do governo federal marca Documento final da Assembleia do Cimi
Luziânia (RV) – “No apoio incondicional ao protagonismo e autodeterminação
dos povos indígenas, denunciamos os ataques e investidas contra os direitos à terra,
o esbulho de territórios, a invasão, a violência, o racismo e a morte.” Este é um
trecho do documento final da XX Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário
(Cimi). A Assembleia foi realizada de 4 a 8 de novembro na cidade de Luziânia (GO).
Cerca
de 150 missionários, missionárias, colaboradores, lideranças indígenas, convidados
e assessores debateram o tema : ‘Desafios e perspectivas na construção do Bem Viver’.
O encontro aprofundou análises realizadas há um ano, durante o Congresso dos 40 anos
do Cimi, reflexivas à ação missionária e conjuntura latente e vindoura.
No
documento final, além de um forte repúdio à política do governo federal, o Cimi definiu
as suas prioridades de ação: terra e território como direito fundamental; formação
política e metodológica de missionários e indígenas; a urbanização e seus impactos
sobre os povos e territórios; movimento indígena e alianças com setores comprometidos
na defesa da causa indígena por um Estado Pluriétnico.
Eis a íntegra do
documento:
Sede alegres na esperança, pacientes na tribulação e perseverantes
na oração (Rm 12,12)
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), motivado pelas
palavras de São Paulo aos Romanos, reuniu-se no Centro de Formação Vicente Cañas,
Luziânia (GO), de 4 a 8 de novembro, em sua XX Assembleia Geral, cujo lema: ‘Desafios
e perspectivas na construção do Bem Viver’ foi matriz de reflexões para os cerca de
150 missionários, missionárias, colaboradores, lideranças indígenas, convidados e
assessores. O encontro aprofundou análises realizadas há um ano, durante o Congresso
dos 40 anos do Cimi, reflexivas à ação missionária e conjuntura latente e vindoura.
No apoio incondicional ao protagonismo e autodeterminação dos povos indígenas,
denunciamos os ataques e investidas contra os direitos à terra, o esbulho de territórios,
a invasão, a violência, o racismo e a morte. Denunciamos e acusamos o governo federal
de ser parte integrante desta ampla ofensiva anti-indígena, alimentando com bilhões
de reais o setor que melhor expressa a sanha colonizadora e opressora no campo brasileiro:
o latifúndio desdobrado na rede do agronegócio e na bancada ruralista encastelada
no Congresso Nacional. Há séculos a perspectiva latifundiária tem sido o ‘chicote’
que mantém a escravidão, grilagem de terras, assassinatos encomendados, promove a
devastação de recursos naturais e a concentração fundiária.
Este governo paralisou
a demarcação de terras no país em troca de negociatas pré-eleitorais e, com isso,
desrespeita a Constituição Federal e acordos internacionais, como a Convenção 169
da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A todo custo, rasga territórios com
usinas hidrelétricas sem consultar as comunidades afetadas, deixa morrer centenas
de indígenas por enfermidades de fácil tratamento, mesmo com milhões destinados à
saúde destes povos. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) continua apostando
na terceirização de serviços de saúde, modelo comprovado pelas comunidades como ineficiente
e corruptível. Ao mesmo tempo, amplia o aparelhamento político do sistema e responde
às críticas com articulações que promovem a divisão do movimento indígena, especialmente
no que se refere ao controle social.
A Presidência da República, por sua vez,
mantém órgãos como a Advocacia-Geral da União (AGU) a serviço de interesses anti-indígenas.
Exemplo disso foi a edição da Portaria 303/2012 que visa estender para as demais terras
indígenas as condicionantes de Raposa Serra do Sol (RR). É uma afronta à decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros definiram, no julgamento da Petição 3388,
que elas não são vinculantes, portanto, restritas ao caso concreto de Raposa Serra
do Sol.
Acusamos o Poder Legislativo, dominado pelos ruralistas, em insistir
com propostas de emendas à Constituição e leis complementares, projetos de lei e pronunciamentos
racistas nas tribunas da Câmara e do Senado numa cruzada anti-indígena pela desconstrução
do direito originário à terra. A PEC 215/2000, PEC 237/2013, o PLP 227/2012, PL 1610/1996,
a Portaria Interministerial 419/2011 e o Decreto 7957/2013 são hoje perigos iminentes
ao futuro da vida dos povos indígenas. Sem ouvir as comunidades e atendendo a interesses
de grupos econômicos, tais medidas precisam ser arduamente combatidas e razão para
a unidade do movimento indígena, fortalecimento dos povos e diálogo intercultural
com os demais grupos e coletivos, que hoje se erguem no país e mundo na perspectiva
da ‘desobediência civil’.
As ações do Estado refletem a etnofagia estatal
como lógica de integração da pluralidade numa única perspectiva, o caráter uninacional
e monocultural do Estado-nação e a visão única do atual modelo desenvolvimentista
que privilegia pequenos grupos em detrimento de outras perspectivas de vida plena.
Nota-se o aprofundamento do pensamento racista ocidental, que não reconhece os povos
originários e comunidades tradicionais como plenamente capazes de pensar e produzir
conhecimento. Vivemos uma democracia colonialista e precisamos dar o giro descolonial.
Nessa perspectiva, combatemos o projeto do atual governo que promove a reterritorialização
do capital rumo, sobretudo, ao centro-oeste e norte do país, tal como previa o governo
militar nos anos 1970.
Se fortalece, todavia, a luta no rumo da ruptura sistêmica
- a pachakuti - e na conversão pessoal em combate à sociedade do crédito, da saída
individualizada; ruptura e conversão têm dimensões sociais, políticas, éticas e econômicas.
A cidadania, destinada pelo atual modelo a expressar-se pelo consumo, precisa refletir
o pluralismo histórico e afirmar as identidades dos povos indígenas, quilombolas,
das comunidades tradicionais, campesinas e de outras populações do campo.
Durante
a XX Assembleia, representantes indígenas manifestaram profundas preocupações diante
de tais investidas contra seus direitos pelo Estado brasileiro, com brutal violência,
assassinatos e criminalização. Ao refletirem sobre os setores que os oprimem, dizem
que “se não nos deixarem sonhar, não os deixaremos dormir”. Com convicção, afirmaram
que jamais renunciarão às suas terras. Ao mesmo tempo, sentem-se encorajados por todos
aqueles que deram suas vidas na luta pelos seus direitos, por avanços conquistados
e pela certeza de que jamais serão vencidos. Esperam continuar com o apoio solidário
do Cimi e de mais aliados e amigos.
Atendendo a este chamamento dos povos indígenas,
a XX Assembleia Geral do Cimi definiu as suas prioridades de ação: terra e território
como direito fundamental; formação política e metodológica de missionários e indígenas;
a urbanização e seus impactos sobre os povos e territórios; movimento indígena e alianças
com setores comprometidos na defesa da causa indígena por um Estado Pluriétnico.
Com os povos indígenas, originários de todo continente, Abya Yala, com os
quilombolas, populações tradicionais, campesinos, com os empobrecidos e oprimidos,
queremos renovar nossa profunda convicção de que mesmo que neguem a vida, decepem
as árvores, é da raiz invencível que brotarão flores e frutos, mel e leite, novos
projetos de sociedade, do Bem Viver defendido pelos povos ameríndios.
Luziânia,
GO, 8 de novembro de 2013 XX Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário
– Cimi