Papa Francisco e “os valores dos italianos” (Sal da Terra)
A poucos meses
da eleição do Papa Francisco, a sua influência faz-se sentir de tal maneira no comportamento
dos italianos que mereceu mesmo uma referência expressa no Relatório do Estudo que
uma conceituada empresa de análises sociológicas dedica anualmente, por encargo do
Estado, ao comportamento dos cidadãos e aos “valores” evidenciados. Se nos últimos
anos vinham aumentando sinais preocupantes de “egoísmo difuso, passividade, irresponsabilidade,
materialismo radical”, desta vez a ampla sondagem realizada aponta para uma inversão
de tendência, com a revalorização da espiritualidade e da interioridade e uma nova
disponibilidade ao voluntariado e ao serviço dos outros.
Teve justificado
destaque em Itália o Relatório publicado há dias pelo CENSIS (Centro Estudos e Investimentos
Sociais) com o título de “Os valores dos italianos 2013. O retorno do pêndulo”. Segundo
a análise interpretativa dos responsáveis do estudo, haveria indícios de um certo
despertar de esperança, de positividade e de energia, não obstante o persistir de
índices económico-sociais deprimentes. E o que é mais surpreendente para nós nesta
publicação “laica”, é a menção do Papa Francisco como tentativa de explicar a evolução
em curso.
Um dos pontos da análise intitula-se “Papafranciscanismo”, neologismo
que alude ao que parece ser um comportamento de massa suscitado pelo espírito e estilo
do Papa Francisco. “A figura do Papa está a despertar o interesse não só pela fé,
mas mais em geral pela vida espiritual e pelo gosto de certa frugalidade dos costumes”
– lê-se no Relatório, que prossegue: “É de notar que os crentes, quer se trate de
um credo confessional ou não confessional, têm, mais do que os não crentes, a capacidade
de cultivar no espírito pensamentos positivos. Os crentes mostram maior vitalidade
dos não crentes, não só no que diz respeito à vida religiosa, mas também quando se
trata de ajudar pessoas em dificuldade ou de realizar um trabalho importante”. Mais
à frente, a concluir esta parte da análise, acrescenta-se: “Dir-se-ia que o hábito
de uma vida espiritual, de interioridade e porventura também de uma pertença religiosa,
tenha criado uma predisposição ao pensamento positivo”.
Estas observações
retiveram a atenção de um editorialista do “Corriere della Sera” (o maior quotidiano
de Itália, mais de 400.000 mil exemplares por dia), que confirma a existência de tal
“papafranciscanismo”. Escreve Paolo Conti num Editorial do passado dia 7: “O fenómeno
adverte-se bem e é muito difuso: papa Bergoglio, sem impor coisa nenhuma, propôs
um velho-novo modelo profundamente humano, mais do que religioso em sentido estrito,
e por isso mais fácil de advertir: imediatismo, simplicidade, ironia, recusa de circunlóquios
e formalismos, abandono definitivo dos luxos destinados a sublinhar a sua condição
de soberano.”
O Editorial do “Corriere della Sera” reconhece que este comportamento
do Papa se estende também à “espiritualidade”, com “uma teologia propositadamente
simplificada e uma ideia de fé ligada à alegria e não à culpa”. Observa-se justamente
que o que conta para as grandes massas, mesmo não católicas, é o estilo de vida escolhido
pelo Papa. O velho carro Renault, prenda de um pároco, usado no interior da Cidade
do Vaticano, é mais eloquente do que todas as publicidades de automóveis de luxo -
faz notar o jornal, que observa ainda que Papa Francisco calhou num momento da vida
da Itália em que a recessão põe em causa a esperança no futuro. Sem qualquer calculismo,
mantendo simplesmente o modo de viver que sempre foi o seu, tem mostrado que se pode
ser Papa com um carro utilitário e comendo no refeitório de Santa Marta. Como um pai
de família a braços com restrições para chegar ao fim do mês com o salário de que
dispõe