Cidade do Vaticano (RV) - Comer, ter algo para
matar a fome, abrir a geladeira, colocar a mão no bolso e ter dinheiro para comprar
algo para saciar a fome; gestos que para muitos pode parecer mais do que normal, e
que muitas vezes são feitos sem pensar: tenho fome, então eu como. Mas para quase
um bilhão de pessoas, - quase 5 vezes a população do Brasil – passar fome é algo normal,
é quase uma condição permanente. Cerca de um bilhão de pessoas vai dormir todas as
noites, faminta... e isso acontece em um mundo onde o desperdício de alimentos está
na ordem do dia...estamos vivendo a “cultura do descartável”, em linguagem mais popular,
“do jogar fora”. E quando jogamos fora alimentos, jogamos fora também a oportunidade
de vida de milhões de pessoas. Fazemos isso sem pensar que o nosso próximo tem a mesma
sensação de fome, de angústia, de medo, de dor. O ato mecânico de jogar alimento fora
cria em nós um indiferentismo que cresce, um individualismo que mata... sim, que mata,
pois estamos jogando fora a esperança de vida de crianças, homens e mulheres, que
devem se contentar com o resto, com o lixo do mundo.
O Papa Francisco não perde
a oportunidade para levantar a sua voz e recordar a todos os homens o “escândalo”
da fome no mundo de hoje, onde o desperdício diário de toneladas de comida é uma constante;
e fez isso em uma mensagem por ocasião do Dia Mundial da Alimentação, que se comemorou
na última quarta-feira, dia 16. “É um escândalo que ainda haja fome e subnutrição
no mundo. Não se trata apenas de responder às emergências imediatas, mas de enfrentar
juntos, em todos os campos de ação, um problema que interpela a nossa consciência
pessoal e social, para obter uma solução justa e duradoura”, destacou o Santo Padre
na mensagem enviada a José Graziano da Silva, Diretor Geral da FAO, a agência da ONU
para a Alimentação e a Agricultura.
Ainda no dia 17 celebramos o Dia Mundial
para o Fim da Pobreza, que este ano teve por tema “Trabalhar juntos por um mundo sem
discriminações: Construindo sobre a experiência e sobre o conhecimento das pessoas
em pobreza extrema”. Precisamente este dia recorda o primeiro dos objetivos do milênio,
cuja meta está ainda muito longe. Como disse antes, cerca de um bilhão de pessoas
todos os dias vai deitar faminta, mas também vive em casas precárias, sem assistência
médica, sem serviços higiênicos e, por causa de todos estes motivos, todos os dias
morrem 20 mil crianças. Esse dia segue imediatamente àquele da Alimentação, com uma
coincidência de datas não expressamente pensada, mas certamente significativa.
O
dia 16 de outubro é o aniversário da fundação da FAO, o Organismo da ONU para a Alimentação
e a Agricultura, enquanto o dia 17 de outubro é o do encontro, em 1987, de cem mil
defensores dos direitos humanos no Trocadero de Paris, organizado pelo Aide à toute
détresse-Quart monde, o movimento fundado na França pelo sacerdote de origem polonesa
Joseph Wrzesinski.
Voltando à questão da fome, da real situação de milhões
de pessoas, o Papa Francisco chama a atenção para que a mesma não seja jamais considerada
como um fato normal, ao qual devemos nos habituar, como se isso fizesse parte do sistema:
algo tem de mudar em nós mesmos, “na nossa mentalidade, nas nossas sociedades”, escreveu.
Volta então ao primeiro plano a palavra solidariedade, uma “palavra incômoda”, que
deveria ser a base de todas as decisões, sejam elas políticas, econômicas ou financeiras.
E quando falamos de solidariedade vem em mente a pessoa, centro de qualquer decisão,
de ações que não sejam meras formas de assistencialismo, mas um esforço contínuo que
visa o bem comum.
Francisco nos chama a atenção para o desperdício de alimentos,
fruto da ‘cultura do descartável’, que leva regularmente a sacrificar homens e mulheres
aos ídolos da avareza e do consumo, um triste sinal da ‘globalização da indiferença’,
que nos vai habituando lentamente ao sofrimento dos outros.
Numa época em
que a globalização permite conhecer as situações de necessidade no mundo, o que vem
à tona é a tendência ao individualismo e ao fechamento em nós mesmos. Tendência que
leva à indiferença por quem morre de fome.
O mundo mudará se começarmos a mudar
as nossas ações, através do nosso comportamento, das nossas escolhas. Solidariedade
rima com fraternidade e fome com nome. É hora de dar o nome a essa situação: escândalo
do nosso tempo. (Silvonei José)