2013-09-25 14:56:46

Funcionalismo e clericalismo – tentações contra o discipulado missionário: discurso do Papa aos bispos do Celam


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Cidade do Vaticano (RV) - Amigo ouvinte, o quadro "O Brasil na Missão Continental" continua trazendo, na edição de hoje, o monumental discurso que o Papa Francisco dirigiu em 28 de julho passado, no Rio de Janeiro, aos bispos responsáveis do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), por ocasião de sua Reunião Geral de Coordenação.

Considerando que a Missão Continental é o objeto deste nosso quadro e a riqueza e a pertinência deste discurso do Papa, não poderíamos deixar revisitá-lo repropondo-o de acordo com o espaço-tempo de que dispomos.

Vale ressaltar que o discurso é dividido em cinco pontos. Na edição passada concluímos o ponto três (Dimensões da Missão Continental) e iniciamos o ponto quatro (Algumas tentações contra o discipulado missionário).

O Papa menciona três atitudes que configuram uma Igreja "tentada". Na edição passada trouxemos a primeira delas (A ideologização da mensagem evangélica). Hoje trazemos as duas seguintes ("o funcionalismo" e "o clericalismo"):

2. O funcionalismo. A sua ação na Igreja é paralisante. Mais do que com a rota, se entusiasma com o “roteiro”. A concepção funcionalista não tolera o mistério, aposta na eficácia. Reduz a realidade da Igreja à estrutura de uma ONG. O que vale é o resultado palpável e as estatísticas. A partir disso, chega-se a todas as modalidades empresariais de Igreja. Constitui uma espécie de “teologia da prosperidade” no aspeto organizativo da pastoral.

3. O clericalismo é também uma tentação muito atual na América Latina. Curiosamente, na maioria dos casos, trata-se de uma cumplicidade pecadora: o pároco clericaliza e o leigo lhe pede por favor que o clericalize, porque, no fundo, lhe resulta mais cômodo. O fenômeno do clericalismo explica, em grande parte, a falta de maturidade e de liberdade cristã em parte do laicato da América Latina: ou não cresce (a maioria), ou se comprime sob coberturas de ideologizações como as indicadas, ou ainda em pertenças parciais e limitadas. Em nossas terras, existe uma forma de liberdade laical através de experiências de povo: o católico como povo. Aqui vê-se uma maior autonomia, geralmente sadia, que se expressa fundamentalmente na piedade popular. O capítulo de Aparecida sobre a piedade popular descreve, em profundidade, essa dimensão. A proposta dos grupos bíblicos, das comunidades eclesiais de base e dos Conselhos pastorais se colocam na linha de superação do clericalismo e de um crescimento da responsabilidade laical.
Poderíamos continuar descrevendo outras tentações contra o discipulado missionário, mas acho que estas são as mais importantes e com maior força neste momento da América Latina e do Caribe.

E passemos agora ao 5º e último ponto (Alguns critérios eclesiológicos). Dividido em quatro partes – por razão de espaço-tempo –, hoje nos limitamos às duas primeiras:

5. Alguns critérios eclesiológicos

1. O discipulado-missionário que Aparecida propôs às Igrejas da América Latina e do Caribe é o caminho que Deus quer para “hoje”. Toda a projeção utópica (para o futuro) ou restauracionista (para o passado) não é do espírito bom. Deus é real e se manifesta no “hoje”. A sua presença, no passado, se nos oferece como “memória” da grande obra da salvação realizada quer em seu povo quer em cada um de nós; no futuro, se nos oferece como “promessa” e esperança. No passado, Deus esteve presente e deixou sua marca: a memória nos ajuda encontrá-lo; no futuro, é apenas promessa... e não está nos mil e um “futuríveis”. O “hoje” é o que mais se parece com a eternidade; mais ainda: o “hoje” é uma centelha de eternidade. No “hoje”, se joga a vida eterna.
O discipulado missionário é vocação: chamada e convite. Acontece em um “hoje”, mas “em tensão”. Não existe o discipulado missionário estático. O discípulo missionário não pode possuir-se a si mesmo; a sua imanência está em tensão para a transcendência do discipulado e para a transcendência da missão. Não admite a auto-referencialidade: ou refere-se a Jesus Cristo ou refere-se às pessoas a quem deve levar o anúncio dele. Sujeito que se transcende. Sujeito projetado para o encontro: o encontro com o Mestre (que nos unge discípulos) e o encontro com os homens que esperam o anúncio.
Por isso, gosto de dizer que a posição do discípulo missionário não é uma posição de centro, mas de periferias: vive em tensão para as periferias... incluindo as da eternidade no encontro com Jesus Cristo. No anúncio evangélico, falar de “periferias existenciais” descentraliza e, habitualmente, temos medo de sair do centro. O discípulo-missionário é um “descentrado”: o centro é Jesus Cristo, que convoca e envia. O discípulo é enviado para as periferias existenciais.


2. A Igreja é instituição, mas, quando se erige em “centro”, se funcionaliza e, pouco a pouco, se transforma em uma ONG. Então, a Igreja pretende ter luz própria e deixa de ser aquele “mysterium lunae” de que nos falavam os Santos Padres. Torna-se cada vez mais auto-referencial, e se enfraquece a sua necessidade de ser missionária. De “Instituição” se transforma em “Obra”. Deixa de ser Esposa, para acabar sendo Administradora; de Servidora se transforma em “Controladora”. Aparecida quer uma Igreja Esposa, Mãe, Servidora, mais facilitadora que controladora da fé.

Amigo ouvinte, por hoje vamos ficando por aqui. Em nosso próximo encontro semanal traremos as duas últimas partes do nº 5 do discurso do Papa aos bispos responsáveis do Celam. A você um forte abraço e até lá, se Deus quiser! (RL)







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