Cristãos na Síria, vítimas de um conflito entre xiitas e sunitas
Cidade do Vaticano (RV) - Os cristãos no Oriente Médio e em outros países como
o Egito, onde são uma minoria, são os primeiros a pagar o preço da guerra, a sofrer
por causa dela e ter que abandonar as próprias casas, emigrando para fugir da perseguição.
Esta foi a denúncia feita nos dias passados pelo Patriarca Latino de Jerusalém, Fouad
Twal, no encontro realizado em Amã, Jordânia, que reuniu chefes das Igrejas no Oriente
Médio. A preocupação aumenta nestes dias, em função do ocorrido no vilarejo de Maalula,
na Síria. A Rádio vaticano conversou com sua colaboradora no Oriente Médio, Marina
Calculli:
R: “Os cristãos na Síria são considerados geralmente como apoiadores
do regime. Isto porque existe uma aliança histórica entre a comunidade dos alawitas
e a comunidade dos cristãos. Obviamente, muitos têm um comportamento neutro, muitíssimos
tiveram que engolir uma pílula amarga por razões de segurança. Infelizmente, a conotação
confessional – que a um certo ponto da sua evolução assumiu o conflito sírio - levou
os cristãos a alinharem-se, de qualquer maneira. O conflito tornou-se uma luta entre
sunitas e xiitas, ou os alawitas - que são a comunidade que pertence à família xiita
na Síria -, á qual pertence o Presidente Bashar al-Assad, ele mesmo um alawita. Os
cristãos, simplesmente porque considerados aliados ou apoiadores do regime, tornam-se
objeto de ataques e perseguições”.
RV: No dia 7 de setembro, o vilarejo
de Maalula no norte de Damasco, que você visitou, foi atacado por grupos de rebeldes
ligados à Al Qaeda. Este ataque faz os cristãos temerem pelo pior?
R: “Um
ataque bastante simbólico, porque Maalula é verdadeiramente um símbolo para a cristandade
mais antiga representada nesta região. Tanto é verdade que em Maalula não somente
existem antigos mosteiros, mas os habitantes falam aramaico, a língua de Jesus. Justamente
o isolamento geográfico de Maalula permitiu que se preservasse a tradição, também
lingüística. Então, o ataque à Maalula é um ataque simbólico. De alguns testemunhos
que pude recolher, o tratamento foi muito pesado. Procuraram até mesmo converter os
resistentes. A maior parte conseguiu escapar, mas algumas centenas de pessoas permanecem
dentro do vilarejo. Infelizmente, como eu dizia antes, é o reflexo de um conflito
que assumiu - para servir interesses políticos, obviamente -, um caráter confessional.
As razões porém, não estão nas religiões e na pertença a um credo. E isto é importante
recordar”.
RV: O Secretário para a Relação com os Estados, Dom Dominique
Mamberti, evidenciou que as Igrejas cristãs estão empenhadas em primeira linha no
plano humanitário. Assim, se devêssemos emigrar todos os cristãos – sabemos que já
emigraram 450 mil da Síria – existiriam custos humanos ulteriores para a população
civil...
R: “Provavelmente sim. Existem muitas comunidades que dão assistência
humanitária - e não somente a militantes pró-Assad e aos oficiais do exército, mas
também aos rebeldes. Este é um testemunho que recolhi em diversas ocasiões e que é
importante recordar justamente para não passar a imagem dos cristãos como um bloco
único, associado ao regime de Assad. Por outro lado, o temor dos cristãos – e isto
não somente na Síria, mas é uma preocupação que se percebe também no Líbano – é que
a radicalização política do regime levará, cedo ou tarde, a uma impossiblidade de
convivência entre as comunidades cristãs e muçulmanas. Esta seria uma tragédia para
uma região que historicamente é o crisol de culturas diversas e religiões diversas,
que deu origem às três grandes religiões monoteístas da história e que corre o risco
de ser arruinada por interesses políticos”.(JE)