Vida consagrada em tempos complexos. Qual é a saída?
Brasília (RV) - “O segredo da vida consagrada está na fidelidade e na perseverança”.
Esta é a afirmação do presidente da Comissão Episcopal Pastoral para os Ministérios
Ordenados e a Vida Consagrada da CNBB, Dom Pedro Brito Guimarães, na mensagem por
ocasião do dia da Vida Religiosa Consagrada (18 de agosto, terceiro domingo do mês
vocacional) em todo o Brasil. A seguir, a íntegra da mensagem: VIDA CONSAGRADA,
EM TEMPOS COMPLEXOS. QUAL É A SAIDA? Amado, amada de Deus, consagrado, consagrada
do Reino, Tenho sede! No clássico da literatura universal, Alice no País das
Maravilhas, de Lewis Carroll, há uma cena em que Alice está perdida e, de repente,
vê, no alto da árvore, um gato. Ela olha para ele e diz: - Alice: "Você pode me
ajudar?" - Gato: "Sim, pois não". - Alice: "Para onde vai essa estrada?" -
Gato: "Para onde você quer ir?" - Alice: "Eu não sei, estou perdida". - Gato:
"Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve". Nesta mesma obra, em
outra cena: - Alice: “Onde fica a saída?" - Gato: “Depende”. - Alice: “De
quê?” - Gato: “Depende de para onde você quer ir”. Querido irmão, querida irmã,
não é minha intenção - não tenho este direito -, comparar a Vida Religiosa Consagrada
com Alice, com o gato, e nem com o fato de Alice estar perdida. O que gostaria de
dizer é que, nas encruzilhadas da vida, “se o homem não sabe aonde quer chegar, qualquer
direção parecerá certa” (LaoTsé). E ainda mais: "nenhum vento sopra a favor de quem
não sabe para onde ir" (Sêneca). Dizia meu pároco, de saudosa memória: “o que cansa
não é a caminhada; é a pressa de chegar ou não querer chegar”. Creio que muitos
de nós já cantamos esta linda canção: “Perdido, confuso, vazio, sozinho na estrada,
tentando encontrar um caminho que seja o meu, não importa se é duro, eu quero buscar.
Caminheiro, você sabe, não existe caminho. Passo a passo, pouco a pouco e o caminho
se faz.Iguais, são todos iguais, ninguém tem coragem sequer de pensar. Será que ninguém
é capaz de sentir esta vida e com ela vibrar? Será que não vale a pena arriscar tudo,
tudo e a vida encontrar?” (Bendito B. Prado). Andança, itinerância, mendicância,
provisoriedade, missionariedade. Errante, vagante; risco, desânimo, solidão, desafio,
perda, crise... Quem ainda não enfrentou tais situações ou vivenciou tais estados
de ânimo? Porém, tudo passa! Só Deus basta! Sejamos firmes, fortes e fieis. “Os que
confiam no Senhor são como o monte de Sião: nunca se abala, está firme para sempre”
(Sl 125,1). Quem assim age pode ser comparado a uma casa construída sobre a rocha.
Cai a chuva, vem a tempestade, sopra o vento e a casa não cai, pois está firmemente
alicerçada (cf. Mt 7,24). Ele precisa apenas do nosso pedido: “permanece conosco,
Senhor” (Lc 24,29). Diante dos desafios, das dificuldades, dos embates e dos combates
que a Vida Consagrada enfrenta hoje, como de resto, a própria Igreja, somos tentados
a pensar que ela esteja em mar bravio, com seu barco a deriva, sem timoneiro, sem
horizonte, confusa, na noite escura, sem perspectiva de um amanhecer banhado de sol.
Quantas vezes nos sentimos perdidos, como Alice no País das Maravilhas, à espera de
alguém que nos indique uma direção certa e segura. No entanto, não nos esqueçamos:
somos discípulos e discípulas de Jesus! Em meio às tormentas da vida, jamais podemos
nos sentir perdidos como Alice! Cristo é nosso Amigo e nosso Guia, nossa Força e nossa
Rocha, nossa Esperança e nossa Alegria e nossa certeza de Vitória. As dificuldades
e as perseguições fazem parte de quem se faz discípulo de Cristo. Elas são sinais
que purificam o nosso sim a Jesus. A Vida Religiosa Consagrada é uma caminhada
bela e edificante. E, nesta caminhada, haverá de cruzar e atravessar os umbrais do
ponto focal, do ponto de partida e do ponto de chegada. A Vida Religiosa Consagrada
tem seus segredos, seus encantos e suas paixões. O segredo da vocação à Vida Religiosa
Consagrada está no encantamento por Jesus, por sua Igreja e pelo seu povo. Ninguém
segue fielmente, por muito tempo, a alguém por quem não tenha encantamento. O segredo
da fidelidade na Vida Religiosa Consagrada está no encantamento por Jesus, por sua
pessoa, seu evangelho e seu projeto de vida.O segredo do seguimento missionário do
consagrado e da consagrada está no encantamento pelo estilo e pelo modelo de vida
missionária de Jesus. O segredo da vida espiritual do consagrado e da consagrada está
na capacidade de se encantar ou se reencantar cada dia, de começar sempre de novo,
e partir, sem olhar para trás. O segredo da Vida Consagrada está na fidelidade e na
perseverança. Quem assim não vive, a chama da vocação se apaga e a vida perde o seu
sentido e vira fadiga e rotina. Neste estado de ânimo, dificilmente uma vocação se
manterá fiel e perseverante à obra e à missão. O papa Francisco, falando, recentemente,
aos seminaristas, aos noviços e às noviças, chamou-nos a atenção para quatro pontos
que consideramos fundamentais e inegociáveis para a vida e missão da pessoa consagrada
a Deus: 1. Fujam do perigo da cultura do provisório:"eu não culpo vocês. Reprovo
esta cultura do provisório que não nos faz bem, pois, uma escolha definitiva hoje
é muito difícil. Na minha época era mais fácil, porque a cultura favorecia uma escolha
definitiva tanto para a vida matrimonial, quanto para a vida consagrada ou sacerdotal,
mas nesta época não é fácil uma escolha definitiva. Nós somos vítimas desta cultura
do provisório". 2. Sintam-se alegres por serem amados e chamados por Deus:“ao
nos chamar, Deus nos diz: “você é importante para mim, eu te quero bem, conto contigo”.
Entender isso é o segredo de nossa alegria. Sentir-se amados por Deus, sentir que
para Ele não somos números, mas pessoas. Sentir que é Ele quem nos chama. Tornar-se
sacerdote, religioso e religiosa não é, antes de tudo, uma escolha nossa, mas a resposta
a um chamado e um chamado de amor". 3. Sigam o caminho do amadurecimento, na
paternidade e maternidade pastorais:"vocês, seminaristas e religiosas, consagrem o
seu amor a Jesus, um grande amor; o coração é para Jesus. E isso nos leva a fazer
o voto de castidade, o voto de celibato. Mas os votos de castidade e do celibato não
terminam no momento dos votos, continuam. Quando um sacerdote não é pai de sua comunidade,
quando uma religiosa não é mãe de todos aqueles com os quais trabalha, se tornam tristes.
Este é o problema. A raiz da tristeza na vida pastoral é a falta de paternidade e
maternidade que vem da maneira de viver mal esta consagração, que nos deve levar à
fertilidade. Não se pode pensar num sacerdote ou numa religiosa que não são fecundos.
Isso não é católico! Esta é a beleza da consagração: é a alegria, a alegria". 4.
Sintam-se chamados a uma Igreja missionária:"Deem sua contribuição em favor de uma
Igreja assim: fiel ao caminho que Jesus quer. Não aprendem conosco, que não somos
mais jovens; não aprendam conosco aquele esporte que nós, os velhos, muitas vezes
fazemos: o esporte da reclamação. Não aprendam conosco o culto da reclamação. É uma
deusa que se lamenta sempre. Sejam positivos, cultivem a vida espiritual e, ao mesmo
tempo, sejam capazes de encontrar as pessoas, especialmente as desprezadas e desfavorecidas.
Não tenham medo de sair e caminhar contracorrente. Sejam contemplativos e missionários...” Caríssimo
e caríssima, independente do que vocês fazem, somente pelo modo de vocês viverem a
especial consagração a Deus e aos irmãos e irmãs, mais necessitados, vocês sempre
me provocaram admiração, encanto, fascínio, paixão e vontade de imitá-los. Dentre
tantos elementos que me fascinam, gostaria de destacar alguns: 1. Nas congregações,
nos conventos, nos mosteiros, nas abadias, nas clausuras, nas casas de serviços e
de inserções, surgiram os maiores e os mais queridos santos e santas da Igreja católica. 2.
Nas universidades e faculdades, nos colégios e nas escolas católicas, vocês formam
os maiores e os melhores teológos e teólogas, mestres e doutores que alimentam a vida
com o sabor e o saber do evangelho de Jesus Cristo. 3. Vocês vivem os mais ricos
e os mais bonitos estados de vida cristã: ativa, apostólica, mística, ascética, monástica,
contemplativa. Tudo isso através das duas mãos da evangelização: a diaconia fraterna
do serviço (Marta) e a diaconia da oração e da contemplação (Maria). 4. Nos hospitais,
nas creches, nos orfanatos, nos pensionatos e nas outras modalidades das redes do
amor social, vocês geram ou transformam vidas, mentes e corações, curando feridas,
enxugando lágrimas, amenizando dores e cuidando dos sofrimentos de muitos irmãos e
irmãs que batem às portas das beneméritas instituições de caridade cristã e de promoção
social. Vocês vivem, em primeira pessoa, o que muito bem disse Madre Teresa de Calcutá:“Aqueles
que ninguém quer, nós, cristãos, os queremos”. 5. Vocês, na Igreja católica, possuem
os melhores e mais bonitos modelos de vida fraterna: tudo em comum, num só coração
e numa só alma. A exemplo das primeiras comunidades cristãs, entre vocês ninguém passa
necessidade (cf. At 4,32s). 6. Vocês preparam os melhores mestres em espiritualidade,
os maiores místicos, missionários e mártires, que derramam seu sangue e dão suas vidas
em resgate de muitos, como fez Jesus. 7. Vocês vivem, com corações indivisos, os
maiores conselhos evangélicos: a obediência, a pobreza e a castidade. 8. Vocês
vivem a forma multifacetária da vida cristã: homem e mulher; vocações laical, missionária,
religiosa, especial consagração; papa, bispos, padres, diáconos, irmãos, irmãs, leigos
e leigas... Mas, como disse Jesus, a quem muito é dado, muito será exigido. Vocês
estão pagando preço muito alto, por causa das ousadias e das audácias missionária,
evangelizadora e apostólica (cf. DAp 273,549, 552). No momento atual vocês estão atravessando
mares bravios. Entre estes, destacamos apenas dois que estão na origem dos demais
desafios: a diminuição das vocações à Vida Religiosa Consagrada tradicional e o aumento
das vocações às novas formas de vida consagrada. Por fim, caro amigo, cara amiga,
aceitem, de bom grado, o convite de Aparecida (551): “levemos nossos navios mar adentro,
com o poderoso sopro do Espírito Santo, sem medo das tormentas, seguros de que a Providência
de Deus nos proporcionará grandes surpresas”. Amém!
“Amo a todos vocês no
Cristo Jesus” (1Cor 16,24). Deus os/as abençoem! Brasília, 19 de julho de 2013
Encerramento da AG da CRB.
Dom Pedro Brito Guimarães, Arcebispo de Palmas
e Presidente da Comissão para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada