Belo Horizonte (RV) - A laicidade do Estado tem sido um tema recorrente nos
debates e abordagens. As necessárias evoluções no entendimento sobre o Estado e a
realidade religiosa justificam essas reflexões. No caso da sociedade brasileira, a
religiosidade é constitutiva, independentemente das singularidades confessionais.
Não se pode desconhecer e desconsiderar as raízes cristãs no nascedouro e nos desdobramentos
da história da nossa sociedade. Ignorar essa importância é uma postura preconceituosa,
que considera a religião como elemento descartável ou de pouca valia. Trata-se de
uma avaliação que revela estreitamentos da racionalidade.
Como antidoto para
essa distorcida visão, é preciso reconhecer a importância da fé cristã católica como
elemento que sustenta crescimentos, avanços e configurações culturais de muita importância
para o nosso país. Certamente, nesse horizonte de compreensão, é que se afirma como
um dito incontestável “que o Estado é laico, mas o povo é religioso”. E o povo constitui
a nação à qual o Estado está a serviço, com o compromisso de edificar e manter uma
sociedade justa e solidária.
Povo é mais do que Estado, que é uma configuração
sociopolítica a serviço do bem comum de uma nação, em respeito e obediência a princípios
advindos da justiça, da verdade, do amor e do bem de todos. Nessa direção, portanto,
não é inteligente confrontar como opostas e inconciliáveis as categorias Estado e
religiosidade. A distinção é benéfica e necessária para não incorrer em misturas indevidas.
Contudo, colocar essas dimensões como antagônicas é confrontar-se diretamente com
o povo, a partir de uma perspectiva preconceituosa.
Trata-se de uma grande
incoerência pensar o Estado como instância prestadora de serviço ao bem comum que,
ao mesmo tempo, deve discriminar a religiosidade, uma dimensão importante na inteireza
da vida cotidiana. Infelizmente, essa discriminação acontece de muitas maneiras. Um
claro exemplo ocorre quando o Estado, por compreensões equivocadas de gestores, propõe
restrições legais ao uso de espaços por instituições religiosas. É obvio que a normatização
é necessária para se evitar abusos ou mau uso de espaços públicos. Sem definições
regulatórias, uma sociedade plural, marcada pelo sentido de liberdade e autonomia,
não pode funcionar adequadamente. Contudo, não se pode chegar ao absurdo de considerar
a laicidade do Estado como uma oposição a tudo o que diz respeito à religiosidade.
É
verdade que há de se considerar a seriedade de cada confissão religiosa numa sociedade
plural. A própria legislação proporciona esse discernimento, com emissão de juízos
de valor a respeito de igrejas e grupos religiosos. Inaceitável é a compreensão da
laicidade do Estado que exclui completamente a religiosidade e sua vivência. Quem
perde, obviamente, é o povo e o próprio Estado, que não se permite intercambiar com
uma força que muito o ajuda na promoção do bem comum. Imagine se a Igreja Católica,
por exemplo, deixasse de prestar os serviços sociais que oferece. Incontáveis iniciativas,
muitas ainda desconhecidas, realizadas nas periferias, em áreas urbanas e rurais,
com grande impacto, sobretudo, na vida dos pobres. Certamente os reflexos seriam muito
negativos para um Estado que deve buscar o bem de todos.
A laicidade configura
o Estado não como oposição à religiosidade. É um parâmetro que deve ajudar na distinção
entre Estado e outras instituições, como os próprios partidos políticos, atualmente
tão questionados no núcleo central de sua significação, representatividade, competência
nas abordagens ideológicas e debates em vistas do bem comum. Nenhum partido pode se
considerar “dono do Estado”, impondo sua própria ideologia. Além disso, a máquina
de governo que um Estado precisa não pode ser “cabide de emprego”, “trampolim de promoção
pessoal” e mecanismo de favorecimentos. A laicidade, quando bem entendida, não deixa
que o Estado seja manipulado, permitindo, assim, um eficiente serviço ao seu povo.
Dom
Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte