Francisco ao Celam: bispos não tenham psicologia de príncipe, mas sejam pobres e estejam
próximos do povo
Cidade do Vaticano (RV) - O bispo seja um pastor próximo do povo, não seja
prepotente nem tenha a psicologia de príncipe, mas ame a pobreza exterior e interior:
foi a exortação do Papa Francisco feita na tarde de domingo, no Rio de Janeiro, ao
Comitê de Coordenação do CELAM, o Conselho Episcopal Latino-Americano, que se encontra
reunido deste esta segunda-feira até a próxima sexta-feira, 2 de agosto, na "Cidade
Maravilhosa". O Santo Padre fez votos de uma "revolução da ternura" na Igreja.
Renovação
interna da Igreja e diálogo com o mundo atual. São os dois "desafios" que a Missão
Continental na América Latina e Caribe é chamada a acolher. O Pontífice os indicou
ao referido Comitê do Celam com o olhar voltado para a Conferência de Aparecida, inaugurada
em maio de 2007 por Bento XVI.
A premissa para uma renovação interna da Igreja
é a conversão dos pastores, âmbito no qual – ressalta o Santo Padre – "estamos um
pouco atrasados":
"Esta conversão implica crer na Boa Nova, crer em Jesus
Cristo portador do Reino de Deus, na sua irrupção no mundo, na sua presença vitoriosa
sobre o mal, crer na assistência e guia do Espírito Santo, crer na Igreja, corpo de
Cristo e prolongadora do dinamismo da Encarnação."
O Papa sugere aos pastores
um exame de consciência, pede-lhes que sejam não simples administradores, que conduzam
uma "pastoral da misericórdia" voltada a recuperar quem se distanciou, que envolvam
os fiéis leigos superando toda e qualquer tentação de manipulação ou indevida submissão.
Dialogar
com o mundo atual – segundo desafio para a Missão Continental – significa, segundo
Francisco, ouvir as perguntas existenciais do homem de hoje, conhecer a sua linguagem,
fazer uma "fecunda mudança" com a ajuda do Evangelho, do Magistério e da Doutrina
Social da Igreja.
"Os cenários e os areópagos são os mais variados, numa mesma
cidade existem vários imaginários coletivos que configuram 'cidades diferentes'" –
explica o Pontífice:
"Se permanecermos somente nos parâmetros da 'cultura
de sempre', na realidade uma cultura de base rural, o resultado será a anulação da
força do Espírito Santo. Deus está em todas as partes: é preciso saber descobri-lo
para poder anunciá-lo no idioma de cada cultura; e em toda realidade, toda língua,
há um ritmo diferente."
Ademais, o Papa Francisco sugere "lucidez e astúcia
evangélica" diante de algumas tentações às quais a missionariedade é submetida.
Entre
essas cita várias ideologizações do Evangelho: o reducionismo socializante, do liberalismo
de mercado às categorizações marxistas; ideologização psicológica que reduz o encontro
com Jesus a uma dinâmica de autoconhecimento; a proposta agnóstica – típica de grupos
de elites, os chamados "católicos iluminados", a proposta pelagiana – que diante
dos males da Igreja busca restaurar o passado perdido.
E ainda, outras tentações
das quais fugir na missão são o clericalismo, muito difuso na América Latina e causa
de falta de maturidade de boa parte do laicato latino-americano e, por fim, o funcionalismo
que reduz a Igreja a uma ONG:
"A Igreja é instituição, porém quando se eleva
ao 'centro' assume aspecto funcionalista e pouco a pouco se transforma numa ONG. De
'Instituição' se transforma em 'Obra'. Deixa de ser Esposa para acabar sendo Administradora;
de Serva se transforma em 'Supervisora'."
A missionariedade – acrescenta
o Papa – é o caminho que Deus quer para este "hoje", não para o futuro nem para o
passado:
"O 'hoje' é o mais parecido com a eternidade; ainda mais: o 'hoje'
é centelha de eternidade. No 'hoje' está em jogo a vida eterna."
O Pontífice
diz "não" a uma missionariedade estática, referenciada em si mesma, porque – explica
– o discípulo missionário está voltado para o encontro, inclinado à transcendência.
"Ou se refere a Jesus ou ao povo ao qual se deve anunciar", não ocupa uma posição
de centro, mas de periferia:
"Vive voltado para as periferias... inclusive
as da eternidade no encontro com Jesus Cristo." O discípulo missionário – acrescenta
– é um "descentrado": o centro é Jesus Cristo, que convoca e envia.
Proximidade
e encontro: são para o Santo Padre as categorias úteis para avaliar o discipulado
missionário. "Existem na América Latina e no Caribe – ressalta – pastorais "distantes",
sem proximidade, sem ternura, sem carícia.
"Ignora-se a revolução da ternura"
que provocou a Encarnação do Verbo: pastorais tão distantes que são incapazes de alcançar
o encontro. Ao invés, a proximidade cria comunhão: a pedra de toque para calibrá-la
é a homilia. "Como são as nossas homilias? – pergunta-se o Papa – Aproxima-nos do
exemplo de nosso Senhor, que falava com autoridade, ou são meramente exposição de
preceitos, distantes e abstratas?"
Por fim, o Papa Francisco indica no bispo
aquele que deve conduzir a Missão Continental, sem prepotência. E fez votos de que
os bispos estejam próximos do povo:
"Homens que amem a pobreza, seja a pobreza
interior como liberdade diante do Senhor, seja a pobreza exterior como simplicidade
e austeridade de vida. Homens que não tenham 'psicologia de príncipe'. Homens que
não sejam ambiciosos e que sejam esposos de uma Igreja sem estar esperando outra,
mais importante. É o fenômeno dos bispos polígamos, não? Estão casados com uma, porém
esperando quando vem a promoção, não? Homens capazes de estar velando sobre o rebanho
que lhe foi confiado e zelando por tudo aquilo que o mantém unido. Vigiar sobre seu
povo com atenção sobre os eventuais perigos que o ameacem. Porém, sobretudo, para
cuidar da esperança de seu povo. O bispo tem que cuidar da esperança de seu povo.
Que haja sol e luz nos corações." (RL)