Entrevista dos jornalistas ao Papa, no vôo de volta do Brasil
Cidade do Vaticano (RV) – Depois de uma verdadeira maratona, repleta de atividades
no Rio de Janeiro, por ocasião da JMJ, Papa Francisco se encontra no Vaticano.
Durante
a viagem de retorno a Roma, Papa Francisco concedeu uma longa entrevista aos jornalistas,
que viajavam com ele no mesmo avião. Em cerca de quase uma hora e meia, o Pontífice
fez um balanço da sua viagem ao Brasil, falando, em italiano, aos jornalistas, com
total liberdade:
Vamos apresentar a vocês, amigos ouvintes, parte desta longa
entrevista que o Papa Francisco concedeu aos jornalistas acreditados junto à Santa
Sé.
Sob a direção do Padre Federico Lombardi, diretor da Sala de Imprensa de
Santa Sé, 21 jornalistas, doze homens e 9 mulheres, fizeram suas perguntas ao Papa,
em seis línguas: português, espanhol, italiano, francês e inglês.
O jornalista
Juan de Lara, da agência de notícias EFE, perguntou em espanhol: “Que tipo de reforma
o senhor pretende fazer, no que se refere ao IOR, o Banco do Vaticano?
“Os
passos, que comecei a dar nestes quatro meses e meio de Pontificado, provêm de duas
vertentes: a primeira é das reuniões gerais dos Cardeais, sobre as muitas coisas que
o novo Papa deveria fazer, como a de criar uma Comissão de Cardeais para uma consulta
outsider. Estes oito Cardeais favorecem o aspecto sinodal, ou seja, são interlocutores
dos episcopados do mundo no governo da Igreja. Além da reforma do IOR, são muitas
as propostas de reforma dos Organismos Vaticanos, como por exemplo: a metodologia
da Secretaria do Sínodo dos Bispos; o caráter permanente da consulta da Comissão pós-sinodal;
as temáticas dos Consistórios, que não devem ser tão formais etc. A segunda vertente
refere-se à oportunidade. Por enquanto, constitui uma Comissão de oito Cardeais, mas
queria tratar da parte econômica no próximo ano, porque não era tão importante no
momento. Mas, devido às circunstâncias, como todos sabem, tivemos que enfrentar alguns
problemas concernentes ao IOR: como dirigi-lo, delineá-lo, reformulá-lo. Por isso,
constituímos uma Comissão de Referência, com um quirógrafo e seus membros integrantes.
Enfim, tivemos a reunião de quinze Cardeais, de diversos Países, encarregados dos
aspectos econômicos da Santa Sé”.
Em nome do grupo de jornalistas de língua
inglesa, um representante da Reuters perguntou ao Santo Padre: “Em algumas das suas
afirmações, o senhor tem dito que no Vaticano trabalham muitas pessoas santas, mas
também algumas menos santas, que colocam resistência ao seu desejo de renovar e mudar
o Vaticano. Por exemplo o fato de permanecer residindo na Casa Santa Marta, ao invés
do Palácio Apostólico. O senhor gostaria que seus colaboradores, inclusive os Cadeais,
seguissem seu exemplo de austeridade ou é uma escolha apenas pessoal?
“As
mudanças também provêm de duas vertentes: as que os Cardeais pedem e as que eu gostaria
de fazer, pessoalmente. Eu quis ficar na Casa de Santa Marta, porque não conseguiria
viver sozinho no Palácio Apostólico: embora ele seja espaçoso e não tão luxuoso, eu
não posso viver sozinho com um pequeno grupo de colaboradores. Preciso estar no meio
da gente, encontrar a gente, falar com a gente... Não é por austeridade ou pobreza,
mas simplesmente por questões psicológicas. Cada um tem seu estilo de vida e de ação...
Os Cardeais que conheço, moram em apartamentos simples e austeros no Vaticano... É
justo que cada um deve viver como o Senhor quer... a austeridade é exigida, sobretudo,
para aqueles que vivem a serviço da Igreja... existem tantos aspectos da austeridade,
mas cada um deve seguir o caminho que é mais oportuno... Em relação às pessoas santas
é verdade: existem tantos cardeais, bispos, sacerdotes, religiosos, leigos que são
realmente santos! Trata-se de gente que reza, que trabalha muito e que se dedicada
aos pobres, mesmo no escondimento. Sei de alguns que, no tempo livre, vão dar de comer
aos famintos, mas, depois, voltam a exercer seu ministério na igreja ou em outros
lugares... Também na Cúria há pessoas santas, mas há alguns menos santos, que fazem
mais barulho, causam escândalo, praticam o mal. Vocês sabem que “faz mais barulho
uma árvore que cai do que uma floresta que cresce”! Pessoalmente, acho que a Cúria
Romana decaiu um pouco, em relação aos antigos curiais, que trabalhavam seriamente
Precisamos de gente assim! Na verdade, até agora encontrei mais ajuda que resistência!
Eu gosto de pessoas que dizem “que não concordam”. Isto não quer dizer fazer resistência!
Este sim pode ser um bom colaborador, ao invés daquele que sempre diz “que bom, que
bonito” e depois age ao contrário!
Uma representante da Rádio Renascença,
de Portugal, Aura Miguel, perguntou ao Papa: “Por que o senhor pede tanto orações
aos fiéis para a sua pessoa... a gente não está acostumada a ouvir um Papa que pede
tantas orações para si...”.
“Eu sempre fiz este pedido, mesmo quando era
sacerdote, embora de maneira não muito frequente... comecei a pedir, de modo mais
insistente, quando exercia a missão de bispo, porque, se o Senhor não ajudar no trabalho
com o Povo de Deus, a pessoa não consegue ir adiante. Eu tenho tantas limitações,
tantos problemas, mesmo como pecador... eis porque tenho que pedir orações aos fiéis.
Esta é uma coisa que nasce espontaneamente dentro de mim... Eu também peço a Nossa
Senhora, pra que interceda por mim junto a Deus”.
Depois, uma jornalista
brasileira, Patrícia Zorzan, tomou a palavra, em nome dos jornalistas brasileiros,
dizendo: “A sociedade mudou e os jovens também, mesmo no Brasil. Mas, durante a JMJ
o senhor não falou sobre o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Por que?
“A
Igreja já se expressou perfeitamente a este respeito. Por isso, não era necessário
voltar sobre este assunto, como também não falei sobre corrupção e outras coisas,
sobre as quais a Doutrina da Igreja é muito clara! Sei que isto interessa aos jovens,
mas achei que deveria falar mais de coisas positivas, que pudessem ajudar os jovens
em seu caminho de fé. Eles sabem muito bem qual é a posição da Igreja sobre tais temas.
Eu sou filho da Igreja e, por isso, a minha posição é a mesma da Igreja”.
Em
nome dos nove jornalistas de língua francesa, Antoine-Marie Izoard perguntou ao Santo
Padre: “Desde o início do seu Pontificado, 13 de março, o senhor insiste em afirmar
que é Bispo de Roma. Isto significa colegialidade, ecumenismo?
“Sim, de
fato, mas não devemos ir além do que se diz, pois o Papa é Bispo; é Bispo de Roma
por ser o Sucessor de Pedro, Vigário de Cristo... há outros títulos, mas o principal
é este: “Bispo de Roma”. Daí vêm os demais títulos, que podem favorecer o que você
diz sobre ecumenismo etc... Ser Bispo é belo! O problema nasce quando alguém pretende
ser Bispo, para ser superior aos outros, não como os outros... querendo ser Príncipe...
Assim, pode-se correr o risco de cair em pecado. Mas a missão do Bispo é maravilhosa,
pois confirma os fiéis na fé, os ajuda a trilhar na fé. O Bispo deve viver em comunhão
com o seu rebanho. Eu gosto muito de ser Bispo. Em Buenos Aires eu era muito feliz
como sacerdote e depois como Bispo. E agora, faço a vontade de Deus como Papa, Bispo
de Roma”.
Uma jornalista norte-americana da CNN, Ada Messia, perguntou
ao Papa: “No encontro com os argentinos, na Catedral de Rio de Janeiro, o senhor falou,
brincando ou seriamente, que, às vezes, se sente “enjaulado”. O que queria dizer,
exatamente?
“Você sabe quantas vezes eu gostaria de sair pelas ruas de Roma,
como fazia em Buenos Aires? Lá eu era chamado de “padre ruador” porque gostava de
sair... É neste sentido que eu me sinto um pouco enjaulado... Quanto são bons os gendarmes
do Vaticano, que me permitem sair um pouco dos esquemas protocolares... me deixam
fazer um pouco mais do que eu deveria... Claro, entendo que o dever deles é cuidar
da minha segurança. Por isso, eu lhes agradeço e entendo que não é possível sair sozinho
pelas ruas de Roma”.
Entre os jornalistas brasileiros, Márcio Campos, que
representa os demais colegas do Diário, do Estado, da Globo, perguntou ao Papa Bergoglio:
“A Igreja católica no Brasil perdeu muitos fiéis nestes últimos anos. O senhor acha
que o Movimento da Renovação Carismática poderia ser um meio para evitar este êxodo
para as Igrejas pentecostais?
“È verdade o que você diz sobre a queda dos
fiéis, mas, sobre estas estatísticas, conversei com os Bispos do Brasil... Para dizer
a verdade, no fim dos anos Sessenta, eu não podia ver e nem falar do Movimento da
Renovação Carismática. Uma vez, comentando sobre seus membros, eu até disse: “Eles
confundem a celebração litúrgica com uma escola de samba”. Eu disse, mas me arrependi,
depois que os conheci. Eles percorreram tanta estrada e fizeram também muito bem à
Igreja, em geral. Hoje, acho que os Movimentos na Igreja são muito necessários: são
uma graça do Espírito Santo; eles podem ajudar a manter os fiéis na Igreja, mas devem
servir à Igreja. Cada um se insere no Movimento eclesial segundo o próprio carisma,
segundo a inspiração do Espírito“.
A jornalista francesa, Guénois, representante
dos jornais Le Figaro e Le Croix, perguntou ao Papa: “O senhor fala
sobre a importância da mulher na Igreja. Quais as medidas concretas o senhor vai tomar:
criar um diaconato feminino ou colocar alguma mulher como chefe de Organismos vaticanos?
“Uma
Igreja sem mulheres é como um Colégio apostólico sem Maria. A função da mulher na
Igreja não é somente a de maternidade, de mãe de família, de doméstica, mas é bem
maior. Ela deve ser como o ícone de Nossa Senhora: aquela que ajuda a Igreja a crescer!
Vocês não acham que Maria era maior que os Apóstolos? De fato, ela era mais importante
que eles! O papel das mulheres na Igreja não deve ser limitado. Os Papas falaram sobre
a sua função e carisma em âmbito eclesial. Não se pode conceber uma Igreja sem as
mulheres, sem a sua atividade! Na Igreja, deve-se pensar à mulher na perspectiva de
escolhas mais ousadas. Seria preciso uma profunda teologia sobre a mulher na Igreja!
Mas, a respeito de uma eventual ordenação de mulheres, a Igreja se declara contrária.
No entanto, repito: Maria era mais importante que os Apóstolos, bispos, diáconos e
sacerdotes. Eis porque acho que deve haver uma teologia sobre as mulheres, para dar
uma maior explicação teológica sobre a sua presença e função na Igreja!”. (MT)