Papa Francisco no Teatro Municipal: "entre a indiferença egoísta e o protesto violento
existe uma opção sempre possível: o diálogo"
Cidade do Vaticano (RV) – Após a Missa celebrada
na Catedral do Rio de Janeiro, Papa Francisco dirigiu-se no Papamóvel ao Teatro Municipal
do Rio de Janeiro, onde encontrou expoentes da sociedade civil, como intelectuais,
artistas, políticos, esportistas, membros do Corpo Diplomático e representantes das
maiores comunidades religiosas. Francisco foi saudado pelo Arcebispo do Rio de Janeiro,
Dom Orani João Tempesta, que também agradeceu a presença de todos, desejando que o
encontro “ajude a olhar para a mesma direção, mesmo com interesses diversos”, para
construir um mundo melhor “para nós e para a nova geração”. Após, um jovem do Rio
de Janeiro deu seu testemunho, abraçando calorosamente o Santo Padre.
Antes
de iniciar seu denso discurso, o Papa Francisco disse aos presentes: "Eu queria vos
falar na bela língua portuguesa, mas para poder me expressar melhor, manifestar o
que trago no coração, prefiro falar em castelhano. Peço-vos a cortesia de me perdoar!"
Ao
começar seu discurso, Francisco fez diversas referências à cultura brasileira, dizendo
que via nos presentes “a memória e a esperança: a memória do caminho e da consciência
da Pátria e a esperança que esta, sempre à luz que irradia do Evangelho de Jesus Cristo,
possa continuar a desenvolver-se no pleno respeito dos princípios éticos fundados
na dignidade transcendente da pessoa”.
Ao destacar que todos aqueles que possuem
um papel de responsabilidade em uma nação, “são chamados a enfrentar o futuro com
os olhos calmos de quem sabe ver a verdade”, o Papa considerou três aspectos deste
olhar: a originalidade de uma tradição cultural, a responsabilidade solidária para
construir o futuro e o diálogo construtivo para encarar o presente.
Francisco
salientou a necessidade de “valorizar a originalidade dinâmica que caracteriza a cultura
brasileira, com sua extraordinária capacidade para integrar elementos diversos”, e
que esta visão integral do homem e da vida em que está baseada a cultura brasileira
“muito recebeu da seiva do Evangelho através da Igreja Católica: primeiramente a fé
em Jesus Cristo, no amor de Deus e a fraternidade com o próximo. Mas a riqueza desta
seiva deve ser plenamente valorizada! Ela pode fecundar um processo cultural fiel
à identidade brasileira e construtor de um futuro melhor para todos”. E acrescentou:
“Um
processo que faz crescer a humanização integral e a cultura do encontro e do relacionamento
cresçam é o modo cristão de promover o bem comum, a felicidade de viver. E aqui convergem
a fé e a razão, a dimensão religiosa com os diversos aspectos da cultura humana: arte,
ciência, trabalho, literatura...O cristianismo une transcendência e encarnação; sempre
revitaliza o pensamento e a vida, frente a desilusão e o desencanto que invadem os
corações e saltam para a rua”.
Após, Francisco refletiu sobre a responsabilidade
social, que exige “um certo tipo de paradigma cultural e, consequentemente, de política”:
“Somos responsáveis pela formação de novas gerações, capacitadas na economia e
na política e firmes nos valores éticos. O futuro exige de nós uma visão humanista
da economia e uma política que realize cada vez mais e melhor a participação das pessoas,
evitando elitismos e erradicando a pobreza. Que ninguém fique privado do necessário,
e que a todos sejam asseguradas dignidade, fraternidade e solidariedade: esta é a
via a seguir”.
“Quem detém uma função de guia – observou o Papa - deve
ter objetivos muito concretos, e buscar os meios específicos para consegui-los. Pode
haver, porém, o perigo da desilusão, da amargura, da indiferença, quando as aspirações
não se cumprem”, advertiu.
E destacou que partindo da própria responsabilidade
e do interesse pelo bem comum, “a liderança sabe escolher a mais justa entre as opções,
sendo esta a forma para chegar ao centro dos males de uma sociedade e vencê-los com
a ousadia de ações corajosas e livres”:
“Esta compreensão da totalidade
da realidade, observando, medindo, avaliando, para tomar decisões na hora presente,
mas estendendo o olhar para o futuro, refletindo sobre as consequências de tais decisões.
Quem atua responsavelmente, submete a própria ação aos direitos dos outros e ao juízo
de Deus. Este sentido ético aparece, nos nossos dias, como um desafio histórico sem
precedentes. Além da racionalidade científica e técnica, na atual situação, impõe-se
o vínculo moral com uma responsabilidade social e profundamente solidária”.
O
Papa completou sua reflexão com o terceiro ponto, indicando como fundamental para
enfrentar o presente, “o diálogo construtivo”:
“Entre a indiferença egoísta
e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo. O diálogo entre as
gerações, o diálogo com o povo, a capacidade de dar e receber, permanecendo abertos
à verdade. Um país cresce, quando dialogam de modo construtivo as suas diversas riquezas
culturais: cultura popular, cultura universitária, cultura juvenil, cultura artística
e tecnológica, cultura econômica e cultura familiar e cultura da mídia. É impossível
imaginar um futuro para a sociedade, sem uma vigorosa contribuição das energias morais
numa democracia que evite o risco de ficar fechada na pura lógica da representação
dos interesses constituídos”.
Neste ponto, o Santo Padre destaca que é
fundamental a contribuição das grandes tradições religiosas, “que desempenham um papel
fecundo de fermento da vida social e de animação da democracia. Favorável à pacífica
convivência entre religiões diversas é a laicidade do Estado que, sem assumir como
própria qualquer posição confessional, respeita e valoriza a presença do fator religioso
na sociedade, favorecendo as suas expressões concretas”.
E ressaltou uma vez
mais a necessidade do diálogo:
“Quando os líderes dos diferentes setores
me pedem um conselho, a minha resposta é sempre a mesma: diálogo, diálogo, diálogo.
A única maneira para uma pessoa, uma família, uma sociedade crescer, a única maneira
para fazer avançar a vida dos povos é a cultura do encontro; uma cultura segundo a
qual todos têm algo de bom para dar, e todos podem receber em troca algo de bom. O
outro tem sempre algo para nos dar, desde que saibamos nos aproximar dele com uma
atitude aberta e disponível, sem preconceitos. Só assim pode crescer o bom entendimento
entre as culturas e as religiões, a estima de umas pelas outras livre de suposições
gratuitas e no respeito pelos direitos de cada uma. Hoje, ou se aposta na cultura
do encontro, ou todos perdem; percorrer a estrada justa torna o caminho fecundo e
seguro”.
Após seu pronunciamento muito aplaudido, o Papa foi envolvido
por um grupo de jovens da Corpo de Baile do Teatro Municipal. O Papa recebeu flores
de uma criança e retribuiu as manifestações de afeto de todos com muito carinho. Após,
foi saudado por diversas personalidades e recebeu um cocar de um grupo de indígenas,
representando a cultura brasileira.(JE)