Na Via Sacra, Papa Francisco fala dos jovens que perderam a fé na Igreja pela incoerêcia
de seus filhos e recorda das vítimas do incêndio em Santa Maria
Rio de Janeiro (RV) – Na noite desta sexta-feira,
o Papa Francisco participou, com os mais de um milhão de jovens reunidos na Praia
de Copacabana, da Via Sacra, sempre um dos momentos mais intensos das Jornadas Mundiais
da Juventude. 280 artistas e voluntários do Brasil, Porto Rico, México, Argentina,
Alemanha e Estados Unidos representaram as treze das estações distribuídas ao longo
de 900 metros da Av. Atlântica, sendo que a última foi representada no palco central,
onde encontrava-se o Santo Padre.
O Papa Francisco foi de helicóptero até
o Forte de Copacabana onde embarcou no Papamóvel, sendo uma vez mais, saudado por
milhares de pessoas ao longo de todo o trajeto na Av. Atlântica. O Santo Padre, como
de costume, fez algumas paradas ao longo do percurso. Numa delas, desceu do Papamóvel
e abençoou uma imagem de Nossa Senhora de Luján, nas mãos de um sacerdote, e uma imagem
de São Francisco. Uma senhora tinha uma pomba de gesso nas mãos que também foi abençoada
por Francisco. Também beijou diversas crianças, saudou e abençoou populares e doentes.
O Papa Francisco subiu ao palco às 17hs56min, saudando os Cardeais e Bispos
presentes e os 35 ‘trabalhadores excluídos’ ou ‘cartoneros’ (catadores de papel) que
pediu que fossem buscados na Argentina e colocados no palco principal, próximo a ele.
Por volta das 18 horas, Francisco fez a Oração de Abertura da Via Sacra. A cruz percorreu
as Estações, passando pela Pedra do Arpoador e a Escadaria Selarón, na Lapa, além
de outras ruas da cidade carioca, envolvendo 280 voluntários, durante mais de uma
hora, ao som de uma orquestra, um coral, tudo aliado a um espetáculo de luzes e coreografias.
Os
textos das meditações das 14 estações foram escritos pelos padres Zezinho e Joãozinho,
sacerdotes dehonianos, e evocaram o sofrimento de Jesus, expresso nos problemas dos
jovens de hoje. Assim, missionaridade, conversão, comunidade, jovens mães, seminaristas,
a religião em defesa da vida, casais, mulheres sofridas, estudantes, redes sociais,
jovens detentos e a pastoral carcerária, doenças terminais, morte dos jovens e a juventude
de todo o mundo foram temas lembrados nas Estações.
Após a Via Sacra, o
Papa Francisco dirigiu sua mensagem aos jovens, recordando que João Paulo II havia
confiado a eles a cruz, dizendo: «Levai-a pelo mundo, como sinal do amor de Jesus
pela humanidade e anunciai a todos que só em Cristo morto e ressuscitado há salvação
e redenção»”. E observou que “a Cruz percorreu todos os continentes e atravessou os
mais variados mundos da existência humana, ficando quase que impregnada com as situações
de vida de tantos jovens que a viram e carregaram”. E acrescentou:
“Ninguém
pode tocar a Cruz de Jesus sem deixar algo de si mesmo nela e sem trazer algo da Cruz
de Jesus para sua própria vida. Nesta tarde, acompanhando o Senhor, queria que ressoassem
três perguntas nos seus corações: O que vocês terão deixado na Cruz, queridos jovens
brasileiros, nestes dois anos em que ela atravessou seu imenso País? E o que terá
deixado a Cruz de Jesus em cada um de vocês? E, finalmente, o que esta Cruz ensina
para a nossa vida?
Após, o Papa falou sobre uma antiga tradição da Igreja
de Roma que relata uma situação vivida por Pedro com Jesus, que o fez entender, que
“ele devia seguir o Senhor com coragem até o fim, e que aquele Jesus - que o amara
até o ponto de morrer na Cruz - estava sempre com ele”. E acrescentou que “Jesus com
a sua cruz atravessa os nossos caminhos para carregar os nossos medos, os nossos problemas,
os nossos sofrimentos, mesmo os mais profundos”:
“Com a Cruz, Jesus se
une ao silêncio das vítimas da violência, que já não podem clamar, sobretudo os inocentes
e indefesos; com a Cruz Jesus se une às famílias que passam por dificuldades pela
trágica perda de seus filhos, como no caso dos 242 jovens vítimas do incêndio em Santa
Maria no início do ano. Rezemos por eles! Com a Cruz, Jesus se une a todas as pessoas
que passam fome, num mundo que, por outro lado, se dá ao luxo de todos os dias jogar
fora toneladas de comida; pela cruz Jesus se une aos pais que vêem seus filhos presos
nos paraísos artificiais da droga; nela Jesus se une a quem é perseguido pela religião,
pelas ideias, ou simplesmente pela cor da pele; nela Jesus se une a tantos jovens
que perderam a confiança nas instituições políticas, por verem egoísmo e corrupção,
ou que perderam a fé na Igreja, e até mesmo em Deus, pela incoerência de cristãos
e de ministros do Evangelho. Na Cruz de Cristo, está o sofrimento, o pecado do homem,
o nosso também, e Ele acolhe tudo com seus braços abertos, carrega nas suas costas
as nossas cruzes e nos diz: Coragem! Você não está sozinho a levá-la! Eu a levo com
você. Eu venci a morte e vim para lhe dar esperança, dar-lhe vida”.
“E
assim – diz o Papa - podemos responder à segunda pergunta: o que foi que a Cruz deixou
naqueles que a viram, naqueles que a tocaram? O que deixa em cada um de nós?”.
“Ela
deixa um bem que ninguém mais pode nos dar: a certeza do amor inabalável de Deus por
nós. Um amor tão grande que entra no nosso pecado e o perdoa, entra no nosso sofrimento
e nos dá a força para poder levá-lo, entra também na morte para derrotá-la e nos salvar.
Na Cruz de Cristo, está todo o amor de Deus, a sua imensa misericórdia”. E diz aos
jovens:
“Queridos jovens, confiemos em Jesus, abandonemo-nos totalmente
a Ele! Só em Cristo morto e ressuscitado encontramos salvação e redenção. Com Ele,
o mal, o sofrimento e a morte não têm a última palavra, porque Ele nos dá a esperança
e a vida: transformou a Cruz, de instrumento de ódio, de derrota, de morte, em sinal
de amor, de vitória e de vida”.
Francisco observou então, que o primeiro
nome dado ao Brasil foi justamente o de ‘Terra de Santa Cruz’. “A Cruz de Cristo foi
plantada não só na praia, há mais de cinco séculos, mas também na história, no coração
e na vida do povo brasileiro e não só: o Cristo sofredor, sentimo-lo próximo, como
um de nós que compartilha o nosso caminho até o final. Não há cruz, pequena ou grande,
da nossa vida que o Senhor não venha compartilhar conosco”. E acrescentou:
“Mas
a Cruz de Cristo também nos convida a deixar-nos contagiar por este amor; ensina-nos,
pois, a olhar sempre para o outro com misericórdia e amor, sobretudo quem sofre, quem
tem necessidade de ajuda, quem espera uma palavra, um gesto; ensina-nos a sair de
nós mesmos para ir ao encontro destas pessoas e lhes estender a mão. Tantos rostos
acompanharam Jesus no seu caminho até a Cruz: Pilatos, o Cireneu, Maria, as mulheres...
Também nós diante dos demais podemos ser como Pilatos que não teve a coragem de ir
contra a corrente para salvar a vida de Jesus, lavando-se as mãos”.
“Queridos
amigos – disse o Papa – a Cruz de Cristo nos ensina a ser como o Cireneu, que ajuda
Jesus levar aquele madeiro pesado, como Maria e as outras mulheres, que não tiveram
medo de acompanhar Jesus até o final, com amor, com ternura. E você como é? Como Pilatos,
como o Cireneu, como Maria?”, perguntou.
E conclui, dizendo que devemos levar
as nossas alegrias, os nossos sofrimentos, os nossos fracassos para a Cruz de Cristo,
pois alí “encontraremos um Coração aberto que nos compreende, perdoa, ama e pede para
levar este mesmo amor para a nossa vida, para amar cada irmão e irmã com este mesmo
amor.”
Na conclusão do encontro, foi rezado um Pai Nosso e o Santo Padre concedeu
a sua bênção a todos, transferindo-se a seguir para a residência em Sumaré.
Eis
uma síntese das meditações em cada Estação:
Na 1ª estação, rezou-se pelos jovens
inocentes que “todos os dias são condenados à morte pela pobreza, pela violência e
por todo tipo de consequências do pecado”.
O “jovem convertido” que quer ser
“instrumento” do amor de Deus esteve presente na 2ª estação, e na 3ª foram evocadas
as preces do “voluntário de uma comunidade de recuperação” que quer ser o Bom Samaritano
que “para além dos discursos, tem coragem de levantar quem está caído à beira do caminho
e cuidar de suas feridas”.
A quarta estação – “Jesus encontra a sua mãe aflita”
– recordou as dores das mães que sentem o sofrimento dos seus filhos: “É uma comunhão
redentora”.
Na 5ª estação, os “seminaristas” chamados ao sacerdócio, também
estiveram presentes com as suas orações e preocupações em serem “um bom pastor”.
Na
6ª estação, a consagrada ao “serviço do irmão” pediu forças, pois encontra “nas vias-sacras
da vida tantas vítimas de uma «cultura de morte»”.
Os casais de namorados,
que pretendem “construir uma família pelos fundamentos e não pelo telhado”, foram
recordados na 7ª estação.
O sofrimento das mulheres, cuja “vocação” é “do berço
até à cruz” está presente na oitava estação e os “estudantes” são recordados na estação
onde “Jesus cai pela terceira vez”: “O conhecimento e a ciência encantam-me, mas muitas
vezes seduzem-me e até induzem-me a imaginar que não preciso de ti”.
A Via
Sacra não esqueceu das redes sociais e da ‘geração que nasceu conectada por meio da
internet”. Na 10ª Estação, é pedido “que a tua graça nos ensine os caminhos para evangelizar
o «continente digital» e nos deixe atentos à possível dependência ou confusão entre
o real e o virtual”, é o pedido da 10ª estação.
Na 11ª estação são lembrados
os “milhões” de jovens presidiários, na 12ª os jovens com doenças terminais e na 13ª
os jovens “deficientes auditivos”: “Existem momentos em que o silêncio e a contemplação
falam muito mais”.
Na 14ª e última estação, foram recordados os jovens de todas
as regiões do globo. (JE)