2013-07-10 15:37:32

À luz da fé


Rio de Janeiro (RV) - Na solenidade da celebração do martírio de Pedro e Paulo, Sua Santidade, o Papa Francisco, vem nos reafirmar a fé pela qual aquelas “Colunas da Igreja” derramaram o seu sangue, testemunhando que em Cristo se realiza a promessa de Deus para a humanidade, publicando a carta encíclica Lumen Fidei, uma reflexão profunda sobre a Luz: "Eu vim ao mundo como luz, para que todo o que crê em Mim não fique nas trevas" (Jo 12, 46), e a misericórdia do Pai para conosco: "Porque o Deus que disse: 'das trevas brilhe a luz', foi quem brilhou nos nossos corações” (2 Cor 4, 6).

Nos dias atuais, aliás, como sempre, a “Luz brilhou nas trevas e as trevas não a compreenderam” (Jo 1). “Seria a fé uma luz ilusória?”, questiona a Carta Apostólica. Serviria para os novos tempos, da superioridade da razão e da ciência, quando o homem já desvenda os mistérios da natureza?

Insiste o Papa: “urge recuperar o caráter de luz que é próprio da fé, pois, quando a sua chama se apaga, todas as outras luzes acabam também por perder o seu vigor.”

Toda a primeira parte da Encíclica nos apresenta o dom da fé como um ato do amor do Pai. E nos exorta a acreditarmos no Amor (1 Jo 4, 16).

O Deus de Abraão, Isaac e Jacó falava e interagia com Israel. Um Deus Pastor, que cuida do seu povo, o conduz a pastagens verdejantes, dispersa os lobos que rondam os apriscos. Com eles dialoga no louvor e na correção. Penso que nesta reflexão poderíamos enquadrar a primeira parte da Encíclica, que trata da fé de Israel desde Abraão até a plenitude da fé cristã e sua amplitude comunitária, a Igreja. “O amor divino possui os traços de um pai que conduz seu filho pelo caminho (cf. Dt 1, 31). Deste modo aprendemos que a luz trazida pela fé está ligada com a narração concreta da vida, com a grata lembrança dos benefícios de Deus e com o progressivo cumprimento das suas promessas”, expressa o Papa.

Neste caminho, há a traição de Israel a este amor, a idolatria, a adoração dos ídolos, como ainda hoje, quando trocamos a visão da Verdade, da Luz de Deus pelos reflexos de criaturas que criamos, que têm ouvidos mas não ouvem, que têm boca mas não falam. Deixamos de ouvir a Deus para nos perdemos no marasmo de nossas confusões.

“A fé consiste na disponibilidade a deixar-se incessantemente transformar pela chamada de Deus. Paradoxalmente, neste voltar-se continuamente para o Senhor, o homem encontra uma estrada segura que o liberta do movimento dispersivo a que o sujeitam os ídolos”, ensina o Pontífice.

E ainda: “A nossa cultura perdeu a noção dessa presença concreta de Deus, da sua ação no mundo; pensamos que Deus se encontra só no além, noutro nível de realidade, separado das nossas relações concretas. Mas, se fosse assim, isto é, se Deus fosse incapaz de agir no mundo, o seu amor não seria verdadeiramente poderoso”.

A luz da fé não pode ficar escondida, nem se fechar num tempo e num povo. Ela é prospectiva, vive a intensidade de uma promessa. Une, num só ato, o passado, o presente e o futuro. "Sai da tua terra e vai” na certeza da realização da esperança na plenitude de Cristo morto e ressuscitado, ontem, hoje e sempre. Ensina o Santo Padre que: “A fé não é um fato privado, uma concepção individualista, uma opinião subjetiva, mas nasce de uma escuta e destina-se a ser pronunciada e a tornar-se anúncio. Com efeito, como hão de acreditar n’Aquele de quem não ouviram falar? E como hão de ouvir falar sem alguém que O anuncie? (Rm 10, 14). Concluindo, a fé torna-se operativa no cristão a partir do dom recebido, a partir do Amor que o atrai para Cristo (cf. Gl 5, 6) e torna participante do caminho da Igreja, peregrina na história rumo à perfeição. Para quem foi assim transformado, abre-se um novo modo de ver, a fé torna-se luz para os seus olhos.”

A segunda parte da Encíclica tem por título as palavras de Isaías: “Se não acreditardes, não compreendereis” (Cf. Is 7, 9). O profeta exorta a compreender os caminhos do Senhor, o Deus fiel que governa os séculos. É o Deus verdadeiro, onde não há mentira, pois a fé e a verdade se abraçam.

Nos cinco capítulos desta segunda parte da Encíclica, o Papa discorre sobre a fé, a verdade, e o amor. “O conhecimento da fé, pelo fato de nascer do amor de Deus que estabelece a Aliança, é conhecimento que ilumina um caminho na história. É por isso também que, na Bíblia, verdade e fidelidade caminham juntas: o Deus verdadeiro é o Deus fiel, Aquele que mantém as suas promessas e permite, com o decorrer do tempo, compreender o seu desígnio.”

É um Deus que nos mostra a sua face amorosa e que nos dirige a sua Palavra, pela qual podemos com Ele estabelecer um diálogo, um interlóquio entre a razão e a fé que nos vislumbra os espaços infinitos, onde a razão não alcança pela sua limitação e pela qual buscamos a visão da face divina.

“Quem se abriu ao amor de Deus, acolheu a sua voz e recebeu a sua luz, não pode guardar este dom para si mesmo”. Por isso, a Igreja é missão. É a Mãe de nossa fé. Assim, a terceira parte do documento pontifício tem por título o texto paulino: ”Transmito-vos aquilo que recebi (cf. 1 cor 15, 3)”.

Pelos sacramentos, ela mesmo sacramento de Deus neste mundo, proclama a fé na realização da promessa em Cristo Jesus a um mundo ansioso pela Palavra. Busca a Deus pela oração, pela abertura do decálogo na amplitude das bem-aventuranças do Sermão da Montanha.

A chama não se extingue entre as vicissitudes do mundo presente. A missão descobre aos homens a realização plena do projeto divino de um mundo novo no Amor. Nele crê, por ele espera.

Assim conclui a quarta parte da Encíclica, apontando-nos para a cidade que Deus nos prepara. Por ora vivemos na fé, na certeza dos bens futuros. Esta fé norteia a ação em busca de uma ordem social fundamentada na Verdade, que se transmite da família para toda a sociedade. Força consoladora no sofrimento, que se integra na paixão de Cristo, no aguardo de sua ressurreição cósmica.

Filho devoto de Maria, o Papa finaliza sua Carta na invocação de Maria: “Feliz aquela que acreditou.” E pede-lhe:
“Ajudai, ó Mãe, a nossa fé.
Abri o nosso ouvido à Palavra, para reconhecermos a voz de Deus e a sua chamada.
Despertai em nós o desejo de seguir os seus passos, saindo da nossa terra e acolhendo a sua promessa.
Ajudai-nos a deixar-nos tocar pelo seu amor, para podermos tocá-lo com a fé".


† Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ











All the contents on this site are copyrighted ©.