Belo Horizonte (RV) - As manifestações populares destes últimos dias configuram
um fenômeno que merece análises e especial atenção da pátria Brasil. Oportunidade
para um debruçar-se lúcido sobre todos os aspectos envolvendo o movimento, além das
indicações novas daí advindas. À complexidade do fenômeno juntam-se também características
incomuns e com largas diferenças em relação a fatos já ocorridos, desta mesma ordem,
no âmbito de manifestações populares. Considerável é, particularmente, o grande número
de pessoas movidas por uma demanda de protesto, que desafia a interpretação por não
tratar-se de uma única questão, uma única razão. Como se diz, uma única bandeira,
bem definida e conceitualmente dominável.
Em questão, há uma série de razões
que afeta o conjunto do funcionamento da sociedade brasileira. Certamente, não é um
fenômeno que explode como resultado de algumas situações provocadas num último curto
período de tempo. Ainda que alguns elementos tenham levado à eclosão das manifestações.
O que se tem presenciado é um estouro de algo que obviamente vem sendo formatado,
por isso ou por aquilo, e agora se configura nas manifestações populares, protagonizadas
especialmente pelos jovens. Esta complexidade na análise das manifestações parece
se apartar claramente do que se enquadra nos repugnáveis atos de vandalismo e no uso
de violência - aproveitamento imoral da ocasião.
A análise deve ajudar na explicitação
de causas e configurar o necessário em medidas e posturas cidadãs para o momento novo
que precisa nascer deste contexto. O que se vê nas atitudes de protesto pacífico não
pode ser confundido ou misturar-se com a nebulosidade de vandalismos que desrespeitam
as pessoas e o patrimônio público. Ao contrário, o ser humano e o patrimônio devem
ser prezados e defendidos por todos, em qualquer circunstância.
Inevitáveis
são ações disciplinares preventivas e a força que está no entendimento adequado das
manifestações para impedir tudo o que poderá desmerecer, ao menos em parte, a importância
deste momento para a sociedade brasileira. É, sobremaneira, lamentável ver pessoas
feridas e as depredações do patrimônio público gerando prejuízos como sombras emoldurando
os que, pacificamente, movidos por paixões e lúcidos por razões justas, expressam
exigências e demandas urgentes da sociedade.
Análises e opiniões a respeito
da explicitação e do entendimento do fenômeno destas manifestações já estão em crescente
oferta. De qualquer modo, especialistas são desafiados a compreender as raízes destes
acontecimentos que devem ir além, por exemplo, apenas da modificação das tarifas de
ônibus. É preciso alcançar o cerne do que está, de fato, se passando na consciência
dos cidadãos. Há muito trabalho de análise socioantropológica, política
e cidadã a ser feito. É plausível pensar, particularmente, na necessidade de mudanças
e práticas no horizonte de uma sociedade democrática, com vistas à cultura da solidariedade
e da paz. Não é difícil concluir, mesmo fruto de uma análise não aprofundada, que
as manifestações, distanciadas de aspectos violentos, expressam o anseio por mudanças,
como questão central.
Essa aspiração popular aponta na direção da qualificação
do processo decisório no sentido de valorizar a participação cidadã, o que exige diálogo
com a sociedade. Consequentemente, investir na “escuta” evitaria um processo de funcionamentos
e encaminhamentos que ignora necessidades e urgências na vida de todos, particularmente
dos mais pobres. Certamente, está em questão o repúdio à cristalização e burocratização
de mecanismos governamentais e também nos âmbitos mais comuns da vida da sociedade.
A
lista das questões consideradas na grande bandeira, que é o anseio por mudanças, inclui
desde a tarifa de ônibus ao justo questionamento, por exemplo, da PEC 37, abrangendo
o exercício da política na sociedade brasileira, particularmente, a partidária. Por
isso, também, as manifestações não são motivadas e empurradas pela força que propriamente
poderia vir dos partidos políticos ou de outras instâncias institucionais.
As
mudanças que parecem ser pretendidas tocam o conjunto da sociedade brasileira. Claramente
está se exigindo mais adequação participativa nas decisões e na escolha de prioridades,
nos modos de operacionalizar tudo o que é essencial para uma vida digna. Providências
urgentes e medidas cabíveis são esperadas por parte dos responsáveis primeiros, incluindo
a participação singular de cada cidadão.
Permanecerá pedindo resposta a exigência
do diálogo necessário com a sociedade para que sejam sempre ouvidos seus clamores.
É hora propícia, à luz do que ainda vai brotar como indicativos pela interpretação
de peritos e do povo, para uma grande conversão no Brasil.
Dom Walmor Oliveira
de Azevedo Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte