João XXIII, modelo para a actividade "diplomática" da Santa Sé - a rubrica "Sal da
Terra, Luz do Mundo"
Evocámos aqui, na
semana passada, nesta rubrica “Sal da Terra / Luz do Mundo”, dedicada a “factos e
personagens da história da Igreja”, a figura de João XXIII, a 50 anos da sua morte.
E fizemo-lo através das palavras do Papa Francisco, dirigindo-se aos peregrinos de
Bérgamo vindos a Roma naquela ocasião. Voltamos hoje ao mesmo tema, recordando
o encontro que o actual Papa teve, quinta-feira passada, no Vaticano, com a comunidade
da “Academia Eclesiástica Pontifícia” – a instituição onde se prepara o pessoal “diplomático”
da Santa Sé, ou seja, os futuros Núncios Apostólicos e outros colaboradores das representações
pontifícias através do mundo. Como é sabido, boa parte do actividade apostólica do
futuro Papa Roncali decorreu no âmbito do serviço diplomático, nove anos como Delegado
Apostólico na Bulgária (1925-1934), outros tantos como Delegado na Turquia (1935-44)
e finalmente oito anos (1945-53) Núncio Apostólico na França do após guerra. Falando
na semana passada aos padres destinados a este tipo de actividade pontifícia, Papa
Francisco pensava porventura no exemplo de Angelo Giuseppe Roncali quando sublinhou
que se trata de um verdadeiro “ministério” sacerdotal, que requer “grande liberdade
interior”. O que significa – explicou – estarem “livres de projectos pessoais”, renunciando
a programar o futuro, desapegados da mentalidade do lugar de onde provêm, para “se
abrirem, na caridade, à compreensão de culturas diferentes, indo ao encontro de pessoas
que pertencem a mundos muito distantes” do próprio. Para manter esta “liberdade interior”,
este desapego, há que pôr de lado ambições pessoais e fugir do carreirismo: “Há
que velar para permanecer livres de ambições ou perspectivas pessoais que tanto mal
podem causar à Igreja, tendo o cuidado de colocar no primeiro lugar não a vossa realização,
ou o reconhecimento que poderíeis receber dentro e fora da comunidade eclesial, mas
sim o bem superior da causa do Evangelho e o cumprimento da missão que vos será confiada”. Advertência
que sugeriu ao Papa um parêntesis para sublinhar a importância deste aspecto: “Isto
de estar livre de ambições ou perspectivas pessoais, para mim é importante. O carreirismo
é uma lepra, uma lepra. Por favor, nada de carreirismo!” Fonte, manancial da liberdade
interior é a vida espiritual e a oração, como mostra Mons. Roncali na sua actividade
de Representante pontifício. Impressiona ler os seus escritos pessoais, que mostram
como se sentia chamado a “reduzir tudo… ao máximo de simplicidade e de calma; dando
atenção a podar sempre na minha vida tudo o que é parra inútil… e visar directamente
aquilo que é verdade, justiça, caridade, sobretudo caridade”. Escrevia ainda, nas
notas do retiro anual, em 1948, em Paris: “Qualquer outro modo de proceder seria
busca de afirmação pessoal, que bem depressa se revela e se torna incómodo e ridículo”.
Ele queria podar a sua vinha, limpar e deitar fora as folhas secas, podar.” Anos
depois, quando era patriarca de Veneza, “em pleno ministério directo das almas”. “Na
verdade sempre considerei que para um eclesiástico a chamada diplomacia deve ser sempre
permeada de espírito pastoral; caso contrário, não vale nada, e acaba por tornar ridícula
uma missão santa”.
Também aqui Papa Francisco abriu um parêntesis para comentar
a afirmação de Roncali: “Isto é importante. Prestai atenção: quando na Nunciatura
há um Secretário, ou um Núncio, que não segue o caminho da santidade e se deixa envolver
nas muitas modalidades de mundanidade espiritual, torna-se ridículo, e toda a gente
ri dele. Por favor, não vos torneis ridículos: ou santos ou se não, voltai às vossas
dioceses a paroquiar; mas não sejais ridículos na vida diplomática, onde para um padre
há tanto perigo de se tornar mundano”.
Outro intenso momento da actividade
do Papa Francisco na semana passada foi o encontro com as escolas dos jesuítas em
Itália e na Albânia: milhares de jovens e crianças, juntamente com pais, antigos alunos,
professores e outros colaboradores escolares. Pondo de lado as cinco páginas do discurso
preparado, Francisco limitou-se a resumir o essencial do que estava para dizer, colocando-se
à disposição dos presentes para responder a perguntas que quisessem fazer. Um
adolescente, por exemplo, expôs as suas dificuldades e dúvidas, em parte fruto da
idade, pedindo uma palavra de apoio e encorajamento para si e para os companheiros.
Papa Francisco convidou a caminhar, sem se atrapalhar com as quedas que possam acontecer:
levantando-se de cada vez para seguir em frente, mas não só, com os outros. “Caminhar
é uma arte. Se caminharmos sempre com pressa, cansamo-nos e não conseguimos chegar
ao fim. Mas se paramos a meio, também não chegamos a lado nenhum. Caminhar é a arte
de olhar ao longe, para o horizonte, pensar aonde é que se quer chegar, e aguentar
a fatiga do percurso. E tantas vezes o caminho é difícil… Há momentos de cansaço,
falhas, quedas.” Não há que desanimar por causa das quedas, o importante é levantar-se,
de cada vez, e continuar em frente: “Pensai sempre nisto: não ter medo dos desaires,
não ter medo das quedas. Na arte de caminhar, o importante não é não cair, mas sim
não ficar caído. Levantar-se logo, e continuar a andar. Isto é belo: trabalhar todos
os dias, caminhar humanamente” Em todo o caso, concluiu Papa Francisco nesta sua
resposta, não caminhar sozinhos – seria triste, aborrecido. Caminhar, isso sim, em
comunidade, com os amigos. E sem medo do caminho…