Cidade do Vaticano (RV) – “A comida
que jogamos fora é roubada da mesa de quem é pobre, de quem tem fome”: palavras do
Papa Francisco na última quarta-feira durante a Audiência geral na Praça São Pedro,
no Vaticano. Palavras duras que acertam de cheio a nossa consciência e fazem tremer,
por assim dizer, as nossas convicções de que “eu não sou culpado pela fome no mundo”.
Diante de uma multidão de mais de 70 mil fiéis provenientes de todas as partes do
mundo, Papa Francisco aproveitando a comemoração do Dia Mundial do Meio Ambiente celebrado
pelas Nações Unidas no mesmo dia, 5 de junho, voltou a pedir que jamais nos esqueçamos
de que o valor da vida deve estar sempre acima dos interesses econômicos. O Papa tocou
em vários aspectos do respeito pelo meio ambiente, ou seja pela criação, dom de Deus
ao homem e à mulher, mas também da essência do valor da pessoa humana; de fato, recordou
que “quem morre de frio, sem um abrigo, no meio da rua não faz notícia. Já, ao contrário,
quando temos uma queda de 10 pontos na bolsa de valores é uma tragédia”. O valor da
vida deveria estar sempre acima dos interesses econômicos, da visão do lucro, que
a nossa sociedade atual muitas vezes impõe como normalidade. Nesta ótica, Francisco
chama a atenção para aquilo que vemos todos os dias nas ruas de nossas cidades, e
não temos a coragem de enfrentar, de nos indignar, como se não fosse de nossa competência,
como se não fosse nossa responsabilidade. O homem faminto foi descartado, as pessoas
são descartadas como se fossem desperdício. São homens e mulheres, disse o Papa, “sacrificados
aos ídolos do lucro e do consumo”. É a cultura do descartável. Vivemos sem profundidade,
sem dar importância, tudo passageiro, nos tornamos insensíveis diante de realidades
que deveriam nos indignar. Morre-se de fome quando temos mesas abastadas e lixos ainda
mais abastados. Lamentável quando em muitas partes do nosso mundo pessoas, principalmente
crianças, sofrem de fome e subnutrição. Nos dias passados as Nações Unidas alertaram
para o fato de que todos os anos 1 bilhão e 300 milhões de toneladas de alimentos
são desperdiçados, ou seja, um terço da comida produzida no mundo vai parar nas lixeiras.
Esse desperdício seria suficiente para alimentar 870 milhões de pessoas que passam
fome.
O consumismo levou as pessoas a habituarem-se ao supérfluo e ao desperdício
diário de alimento. Diante dessa situação que vê o ser humano espezinhado e sacrificado
no altar da indiferença, o alerta do Papa Francisco de que a pessoa humana hoje “está
em perigo”, por isso é urgente uma “economia humana”: “O perigo é grave porque a causa
do problema não é superficial, mas profunda: não é só uma questão de economia, mas
de ética e de antropologia”. A Igreja já o sublinhou muitas vezes. Mas o sistema continua
igual: o que comanda hoje não é o homem, é o dinheiro.
O homem se modernizou,
foi ao espaço, encurtou distâncias, ficou mais veloz, criou bem-estar, mas não aprendeu
a partilhar recursos que poderiam salvar vidas e dar dignidade às pessoas. Criou ídolos
que o tornam não pessoas livres, mas amarradas, amordaçadas sem a verdadeira liberdade,
que somente a solidariedade, filha da caridade pode dar. Tornamo-nos escravos da busca
do bem-estar sem levar em consideração a essência de nossas vidas, das nossas esperanças,
ou seja, o amor, e a comunhão com Deus e o nosso próximo.
É possível mudar
essa situação, é possível erradicar a pobreza, mudando nossas atitudes, nossos comportamentos
consumistas e indiferentes. Temos que retomar a cultura da solidariedade – pede o
Papa – do encontro, do importa-se com o outro. Temos que retomar a paixão pelo ser
humano. Não podemos ser uma “sociedade descartável”, que despreza a vida humana. A
pergunta martela na cabeça, somos ladrões do futuro do nosso irmão? É o momento para
responder com ações e não somente com palavras, com uma cultura da solidariedade e
do encontro. É o momento da “sociedade da partilha”, de saber partilhar o pouco que
somos e temos e não nos fecharmos nunca em nós mesmos. (Silvonei José)