2013-06-05 10:05:48

Papa Francisco recorda João XXIII, a 50 anos da sua morte - ouça aqui a rubrica Sal da Terra Luz do Mundo


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Fez ontem mesmo 50 anos que concluía os seus dias terrenos, no Vaticano, João XXIII, o “Papa bom” como as pessoas o chamavam. Como recordou Papa Francisco, grande foi a comoção que abalou todo o mundo nos últimos dias da agonia de Angelo Giuseppe Roncalli:
A praça de São Pedro tinha-se tornado num santuário ao ar livre, acolhendo dia e noite fiéis de todas as idades e condições sociais, rezando intensamente pela saúde do Papa. O mundo inteiro tinha reconhecido no Papa João um pastor e um pai. Pastor porque pai.
Papa Francisco falava ontem mesmo (muito aplaudido) na basílica de São Pedro, onde desceu ao fim da tarde para venerar os restos mortais do Beato João XXIII, juntamente com milhares de peregrinos da diocese de Bérgamo (de onde aquele era natural), na conclusão da missa presidida pelo bispo local.
Papa Francisco interrogou-se sobre a razão por que João XXIII tinha conseguido “chegar ao coração de pessoas tão diversas, incluindo muitos não cristãos”. E encontrou a resposta no lema episcopal de Mons. Roncalli: “Oboedientia et pax” (Obediência e paz). Antes de mais, a paz, que era o aspecto mais evidente, mais sentido pelas pessoas.
Angelo Roncalli era um homem capaz de transmitir paz; uma paz natural, serena, cordial. Uma paz que com a sua eleição ao pontificado manifestou-se ao mundo inteiro e recebeu o nome de bondade… É muito belo encontrar um padre bom. Isto faz-me pensar numa coisa que diz Santo Inácio (não faço publicidade… não!). Santo Inácio de Loyola dizia aos jesuítas, quando falava das qualidades que deve ter um superior – isto, aquilo, mais aquilo… uma longa lista de qualidades. Mas no fim acrescenta: “Mas se não tiver estas virtudes, pelo menos que tenha muita bondade. É o essencial. É um pai. Um pai com bondade…
Foi este sem dúvida uma marca distintiva da sua personalidade, que lhe permitiu construir por toda a parte sólidas amizades – prosseguiu ainda o Papa Francisco, recordando os quase 30 anos durante os quais o arcebispo Roncali serviu a Igreja como representante pontifício na Bulgária, Turquia, Grécia e França.
Nesses ambientes ele demonstrou-se um eficaz tecedor de relações e um válido promotor de unidade, dentro e fora da comunidade eclesial, aberto ao diálogo com cristãos de outras Igrejas, com expoentes do mundo judaico e muçulmano e com muitos outros homens de boa vontade.
“Na verdade, Papa João transmitia paz porque tinha um ânimo profundamente pacificado, fruto de um longo e árduo trabalho sobre si mesmo”. O que corresponde já à segunda palavra do lema episcopal: obediência. “Se a paz foi a característica exterior, a obediência constituiu para Roncalli a disposição interior: a obediência foi o instrumento para alcançar a paz. Ele aceitou sempre desenvolver na Igreja as tarefas que os superiores lhe propunham, mesmo quando isso significa deixar a própria terra, confrontar-se com mundos a ele desconhecidos, permanecer por muitos anos em lugares onde a presença dos católicos era muito reduzida. Foi “este deixar-se conduzir como uma criança que constituiu o seu percurso sacerdotal” – sublinhou o Papa Francisco.
Mediante este abandono quotidiano à vontade de Deus, o futuro Papa João viveu uma purificação que lhe permitiu desapegar-se completamente de si mesmo e de aderir a Cristo, deixando assim emergir aquela santidade que a Igreja depois reconheceu oficialmente.
Muitas as referências, nestes dias, nos meios de comunicação italianos, à figura de João XXIII, frequentemente posta em ligação com o Papa Francisco. André Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio (em artigo publicado nesta segunda-feira, no quotidiano “Corriere della Sera”), sublinha que o optimismo incarnado pelo Papa Roncali, em tempos aliás difíceis para o mundo e para a Igreja, constituiu uma mutação histórica, “distanciando-se do pessimismo que tinha acompanhado grande parte do catolicismo nos últimos dois séculos”. Um pessimismo que se alimentava de nostalgia em relação a uma suposta idade de ouro do cristianismo, posta em contraste com o declínio do presente. Papa João – observa Riccardi – na solene abertura do Concílio Vaticano II, não hesitou em discordar deste “profetas da desgraça”, conduzindo a barca da Igreja a tomar outra direcção. É que “o pessimismo por vezes representa um muro protectivo em relação a um mundo que temos dificuldade em abordar em toda a sua complexidade” e “torna-se num véu de antipatia”. Ora João XXIII – em plena “guerra fria” - olhava os homens e os povos com “simpatia”. Fê-lo em variadas formas, exprimindo a “misericórdia” como uma marca distintiva da Igreja. Um aspecto que aparece agora retomado, em palavras e em gestos, pelo Papa Francisco.
Também um conhecido jornalista italiano, especialista em questões religiosas, André Tornielli (escrevendo nesta segunda-feira no quotidiano “La Stampa”), considera esta atitude de “misericórdia” como uma característica comum a João XXIII e a Francisco, papa. “João XXIII insistia sobre o remédio da misericórdia e Francisco logo nos primeiros dias do seu pontificado recordou que a mensagem de Jesus é a misericórdia, é essa a mensagem mais forte do Senhor. Ambos apresentam uma imagem da Igreja próxima e amiga dos homens e que não se concebe como o tribunal do mundo. Por outro lado – considera ainda Tornielli – ambos aparecem solidamente alicerçados numa fé simples e popular, que em Roncalli tinha as suas raízes no catolicismo lombardo e em Bergoglio no catolicismo latino-americano. Tanto um como o outro estão distantes do intelectualismo de quem está habituado a forjar projectos e reformas à mesa de trabalho.
Na missa de beatificação do Papa Roncalli, a 3 de Setembro do ano 2000, afirmava João Paulo II, já com uma voz combalida:
Do Papa João permanece na recordação de todos a imagem de um rosto sorridente e de dois braços abertos num abraço ao mundo inteiro. Quantas pessoas ficaram conquistadas pela simplicidade do seu ânimo, ligada a uma ampla experiência dos homens e das coisas! O vento de novidade que ele trouxe consigo está claro que não dizia respeito à doutrina, mas sim ao modo de a expor: o que era novo era o estilo do falar e do agir, nova era também a carga de simpatia com que ele abordava as pessoas, tanto a gente comum como os potentes deste mundo”.
Exactamente a mesma impressão que têm, nestes dias, no contacto pessoal com o Papa Francisco, os peregrinos que acorrem em grande número a Roma e todos os que através do mundo seguem atentamente a sua voz e a sua imagem. (PG)







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