Restauração em afrescos vaticanos poderá revelar figuras de nativos sul-americanos
Cidade do Vaticano (RV) – As obras de restauração dos afrescos no apartamento
do Papa Alexandre VI, no Vaticano, trouxeram à luz o que alguns especialistas apontam
como a primeira representação figurativa dos nativos americanos, com quem se deparou
Cristóvão Colombo em outubro de 1492. Foi o que explicou num artigo publicado no L'Osservatore
Romano, o Diretor dos Museus Vaticanos Prof. Antonio Paolucci.
A cena com os
indígenas está nos afrescos do Apartamento Borgia, mais concretamente na parede dedicada
à “Ressurreição de Cristo”, na Sala dos Mistérios. No fundo da sala, entre uma natureza
exótica e atemporal, podem ser vistos homens nús, com o corpo em tonalidade vermelha,
dançando atrás de um sepulcro aberto e de um Cristo ressuscitado, a cujos pés, rezando,
encontra-se o mecenas, Papa Alexandre VI (1492-1503).
O Papa espanhol ‘Rodrigo
de Borja’ (1431-1503) encarregou o artista Pinturicchio de decorar as paredes e o
teto do apartamento papal, uma tarefa levada a cabo entre 1492 e 1495, algo que situaria
os enigmáticos personagens como a primeira representação de indígenas americanos.
O
Cardeal Rodrigo de Borja (Borgia, italianizado), após eleito, ficou Papa Alejandro
VI em agosto de 1492, enquanto Cristóvão Colombo pisava no Novo Continente em 12 de
outubro do mesmo ano. Durante a viagem, Colombo relatou num diário o que havia encontrado
nas novas terras. Quando do seu regresso, entregou os escritos aos Reis católicos
no Mosteiro de São Jerônimo de Murta, em Barcelona, O diário de Colombo foi mantido
em segredo pela Coroa espanhola por motivos econômicos e estratégicos.
“Os
índios vinham até os navios nadando, e nos traziam papagaios e fios de algodão (...)
Eles andam nús como sua mãe os pariu, os cabelos caem sobre as sobrancelhas (…) e
eles são da cor dos canários, nem negros, nem brancos e se pintam de branco e vermelho”,
escreveu Colombo em seu diário.
Os afrescos do quarto papal, segundo Paolucci,
tiveram de ser concluídos antes de 1º de janeiro de 1495, data em que o apartamento
acolheu o Rei Carlos VIII da França. Portanto, neste período de tempo, entre o início
do pontificado do Papa Borgia, em 1492 e a chegada do monarca francês em 1495, o autor
pintou, segundo Paolucci, os supostos nativos americanos, enquanto o diário de Colombo,
onde é relatado tudo o que foi encontrado no Novo Mundo até a data, permanecia oculto
pelos Reis católicos.
Da emissão das ‘Bulas alexandrinas’ ou ‘Bulas de Doação’
assinadas pelo Pontífice em 1493 e que concedia o “direito a colonizar e a obrigação
de evangelizar os novos territórios”, se extrai que a notícia do descobrimento das
Índias chegou rápido aos ouvidos do Vaticano.
O Professor espanhol e doutor
em História das Américas, Jesús Varela, explicou que em 22 de fevereiro de 1493, Martín
Alonso Pinzón regressou das Índias e desembarcou no porto de Bayona. Uma semana mais
tarde estava na Corte de Barcelona relatando a viagem à Fernando, o Católico.
Fernando,
ao inteirar-se das notícias, relatou rapidamente ao Papa Borgia tudo o que as embarcações
traziam do outro lado do mundo, buscando assegurar à Espanha a propriedade das novas
terras.
Em função disto, o professor acredita que, a partir de maio de 1493,
o Papa poderia, perfeitamente, ter a notícia daquilo que os espanhóis haviam visto
na América e encarregar Pinturicchio sobre a representação.
O Diretor dos trabalhos
de restauração do Vaticano até 2010, Maurizio de Luca, recordou que esta afirmação
não pode ser tratada como uma certeza. Ele enfatizou que no artigo publicado no L’Osservatore,
Paolucci lança uma pergunta e afirma que é necessário tempo para esclarecer se, realmente,
estas pinturas do apartamento Borgia são tão excepcionais como se espera. (JE)