Prior da Comunidade monástica de Bose, Enzo Bianchi: Deus jamais decepciona
Cidade do Vaticano (RV) - Foi apresentado nesta quinta-feira em Turim, noroeste
da Itália, na presença do diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Pe. Federico Lombardi,
e do filósofo Massimo Cacciari, o livro "A sabedoria do coração", volume com o qual
a prestigiosa casa editora Einaudi festeja os 70 anos do prior da Comunidade monástica
de Bose, Enzo Bianchi. Trata-se de uma vida, desde a juventude, marcada por escolhas
radicais, como nos ressalta o próprio Enzo Bianchi, entrevistado pela Rádio Vaticano:
Enzo
Bianchi:- "Após ter feito uma experiência junto a Abbé Pierre, em Rouen, na França,
com maltrapilhos, ex-legionários, alcoólatras com os quais vivia e cuidava deles,
entendi que o cristianismo – ao menos para mim – não deveria ser tanto uma questão
de se fazer grandes coisas na política ou na universidade, para qual estava me endereçando,
mas que poderia ser algo de muito mais simples, inclusive anônimo. Pensei na vida
monástica e com todas as forças segui esse caminho."
RV: Outra decisão que
marcou a sua vida foi justamente a de permanecer monge, sem tornar-se sacerdote...
Enzo
Bianchi:- "Eu sentia dentro de mim que deveria permanecer um simples fiel. Creio
que precisamos mostrar que também alguém que não faz parte da ordem clerical pode
tentar levar uma vida evangélica, uma vida cristã. Eu quis seguir esse caminho contracorrente
porque o monaquismo se encontra totalmente "clericalizado" e hoje permanece essencialmente
formado por monges-sacerdotes. Mas eu queria voltar às origens, às origens de Pacômio,
de Basílio, de Bento, quando eram simples leigos que ofereciam esse serviço no coração
da Igreja e para toda a Igreja, sem com isso fazer parte da hierarquia."
RV:
E seguindo essa direção, em 1965, ao término do Concílio Vaticano II, começou a experiência
da Comunidade de Bose, que hoje é um afresco orante, encastoado na vida da Igreja.
Qual modelo de Igreja se pode desejar, partindo dos ensinamentos do Papa Francisco?
Enzo
Bianchi:- "Creio que o Papa Francisco esteja dizendo coisas que são o essencial
do cristianismo: uma Igreja mais pobre, uma Igreja na qual os pobres tenham lugar,
uma Igreja na qual os pecadores se sintam acolhidos; as periferias do mundo se vejam
olhadas e amadas... Nós precisamos deste cristianismo simples, que é o cristianismo
que nos ensinou Jesus em sua forma de viver, encontrando todos pelas estradas da Galileia,
exposto, sem seguranças, sem proteções, anunciando a boa notícia e em todos os lugares
espalhando a confiança, a fé, a esperança na vida eterna em Deus. Precisamos disso,
e creio que o Papa Francisco esteja nos dando a todos estes sinais e isso nos alegra
o coração."
RV: Podemos dizer que após a "primavera" do Concílio se esteja
abrindo outra primavera na Igreja?
Enzo Bianchi:- "Sim, eu digo
o seguinte: sou um cristão particularmente de sorte, porque no início eu tinha 20
anos quando o Papa João XXIII e o Concílio abriram uma primavera na Igreja. Depois
veio o momento significativo da travessia do deserto, atormentado, cansativo, em que
certas coisas foram aprofundadas. Também isso foi uma graça do Senhor. Depois, porém,
ver no fim da minha vida, quando já ancião, outra primavera, me faz cantar ao Senhor
um "Magnificat". Digo que morro com menos tristeza do que teria em não ver uma primavera.
Ver uma primavera que desponta me faz morrer com menos tristeza, com menos dor."
RV:
Estamos celebrando seus 70 anos: de fato, considerada uma idade da sabedoria. Qual
patrimônio podemos descobrir acrescentando aos anos que passam essa sabedoria do coração?
Enzo
Bianchi:- "Descobre-se que Deus é fiel, que Deus é fiel e jamais decepciona, que
devemos colocar n'Ele toda a nossa confiança. Somente d'Ele podemos realmente esperar
ir além da morte. Esta é a minha esperança agora: para além da morte estará Ele que
me abraça e abraçará todos aqueles que estiveram comigo, que passaram pela minha vida.
Espero isso e por isso rezo." (RL)