Belo Horizonte (RV) - No próximo dia 4 de maio, em Baependi, Minas Gerais,
a Igreja Católica celebra a beatificação de Nhá Chica, uma filha de escravos, mulher
negra e pobre. Uma conquista que não se alcança pela posse de títulos, nem simplesmente
por conhecimentos técnicos, menos ainda pela garantia de alguma classe social ou política.
Fundamenta-se em estatura admirável e medidas incomuns que só cabem no coração dos
santos.
Estatura e medidas que só podem ser alcançadas no caminho da fé, pela
singularidade de ultrapassar a lógica da razão e por possuir uma luminosidade além
da própria inteligência. A grandeza da fé, cultivada no coração de Nhá Chica, emoldurada
por singular devoção a Nossa Senhora da Conceição, fez da analfabeta uma admirável
sábia e conselheira. Uma sabedoria que perpetua a sua memória e comprova sua especial
intimidade com Deus, ganhando uma perene e especial força de quem pode ocupar o lugar
próprio de intercessora.
Nhá Chica está em Deus e o caminho para este lugar
- oferta de Deus, o Pai, a todos os seus filhos e filhas - é trilhado pelos que vivem
verdadeiramente a experiência da fé, único meio que possibilita ao frágil se tornar
forte, corrige os descompassos do humano e constitui um canal direto de diálogo com
Deus. A experiência autêntica da fé levou Nhá Chica a superar sofrimentos e a tornar-se
irmã de todos, protetora dos pobres e referência para muitos. Primeira bem-aventurada
nascida nesta terra tricentenária, cujas raízes mais profundas geram cultura admirável
por seus valores singulares e expressão da fé do povo mineiro, um tesouro católico
no coração do Brasil.
A leitura e meditação da Carta aos Hebreus, no capítulo
onze, permitem compreender melhor a alma de Nhá Chica, a bem-aventurada, reconhecendo-a
no conjunto que reúne outros tantos santos e bem-aventurados. Uma genealogia que abrange
figuras primárias da fé bíblica como Abraão, Moisés, Jacó, Sara, Débora, muitos homens
e mulheres de grande e exemplar estatura. Todos, com suas vidas, mostram que só a
fé garante o percurso com vitória certa e produz a estatura de quem se perpetua na
história e no coração de muitos. A festa da “Santa de Baependi”, ultrapassando qualquer
grande sentido da importância de uma devoção ou de crença, é a consolidação de uma
lição a ser permanentemente praticada para fazer a diferença e ajudar na edificação
da vida sobre os pilares do amor.
A celebração dessa festa enriquece e perpetua
o tesouro de nossa fé católica, convidando cada um a inspirar-se neste exercício de
fé. É o mesmo percurso seguido pelos que ganharam a condição de patriarcas, profetas,
mártires, santos, amigos de Deus, cidadãos e cidadãs com as marcas da eternidade,
comprometidos com a vida e com a justiça. Esse exercício é o que, pela fé, possibilita
uma importante certeza: as coisas visíveis provêm daquilo que não se vê.
Nhá
Chica ofereceu seus sacrifícios sem lamúrias e os converteu em oferendas agradáveis
que se transformam em frutos de bem. Sua simplicidade é transformada em sabedoria
porque, como registra o referido capítulo da Carta aos Hebreus, permite a compreensão
de que sem a fé é impossível agradar a Deus. Quem Dele se aproxima deve crer que Ele
existe e recompensa os que o procuram. Na estatura simples de Nhá Chica, sua experiência
de fé tracejou como em Noé “o levar a sério” a promessa divina, a obediência amorosa
que impulsionou Abraão fazendo-o partir confiante para uma terra que deveria receber
como herança. Nela, pobre sem letras e sem poder, como em Sara, a estéril, é manifestada
a força do amor de Deus por uma admirável capacidade de fazer o bem em vida e depois
da morte. Pela fé, Jacó se prostrou em adoração e Nhá Chica viveu adorando, especialmente
às sextas-feiras, tocada pelos sofrimentos redentores de seu Senhor. Pela fé, José
relembrou, já no fim da vida, do êxodo dos filhos de Israel e Nhá Chica continua lembrando-se
de todos nós. Também pelo caminho da fé, Moisés preferiu ser maltratado com o povo
de Deus e Nhá Chica escolheu ser conselheira e protetora daqueles que são desafiados
pelos sofrimentos. Sua beatificação ensina a todos nós que a fé é o tesouro maior.
Dom
Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte