Rio de Janeiro (RV) - O tempo da Quaresma, que vivemos junto com a Campanha
da Fraternidade da Juventude, está sendo muito especial! Acontecimentos inéditos como
a renúncia do Papa Bento XVI comoveu o mundo. Nós, porém, não podemos perder a ocasião
para nossa conversão. Se já temos essa caminhada quaresmal de conversão em toda a
Quaresma, agora temos ainda mais sinais que nos chamam a renovar a vida. Uma das práticas
quaresmais é o jejum.
A Quaresma nos leva a renovar o nosso batismo e nos conduz
à Páscoa. É um itinerário que prepara para a Noite Santa da Vigília Pascal, na qual
celebramos a ressurreição de Cristo. Os exercícios quaresmais não visam um desprezo
pelo corpo. Mas antes querem ser uma reflexão sobre a vida humana, suas vontades e
orientações. Para onde estou direcionando minha vida?
Uma das propostas da
Igreja para este rico tempo da espiritualidade litúrgica é o jejum. Embora o jejum
seja uma prática muito antiga (faz parte da cultura religiosa de vários povos), porém
o jejum praticado pelos cristãos tem suas raízes na experiência do povo de Deus. Ainda
existem muitas pessoas que têm dúvidas em relação a esta prática cristã.
O
primeiro ponto a ser refletido refere-se à natureza humana. Pelo pecado o homem se
torna um ser ‘ferido’ que necessita de cura. Sua natureza criada por Deus com graça
original, com o pecado torna-o um ser que tende para não vivenciar a graça. Os gestos
e o próprio ser do homem trazem a marca do pecado, da quebra da comunhão com Deus,
com os outros e consigo mesmo. Mas sabemos que a graça superabunda no homem. Devido
à tendência da natureza humana “decaída”, tal intento não se concretizará se o homem
não tiver aprendido, através da força da graça redentora de Cristo, a vencer-se a
si mesmo. Ora, um desses meios de mortificação é precisamente o jejum. Ele não pode
ser fim em si mesmo e nem se esgotar nos exercícios, como abstinência de alimentos.
São Leão Magno nos recorda que, “aquilo que cada cristão deve praticar em todo o tempo,
deve pratica-lo agora com maior zelo e piedade, para cumprir a prescrição, que remonta
aos apóstolos, de jejuar quarenta dias, não somente reduzindo os alimentos, mas, sobretudo
abstendo-se do pecado”. O Jejum é meio para a pessoa se libertar do domínio da carne
e aceitar sobre si o domínio de Cristo. Espaço para a ascese, que nos ajuda a dominar
as desordens das paixões e estimula o compromisso concreto com Deus e com o próximo.
Além de que, a Igreja não recomenda somente o jejum neste tempo quaresmal; fazem parte
também da vida de mortificação e penitência dos cristãos a oração e a esmola, que
traduzimos por caridade feita ao outro. O tema da caridade foi justamente o da quaresma
deste ano aprofundando a fé no Deus amor que nos conduz para amar os irmãos e irmãs
com todas as consequências. Em síntese, esses sinais exprimem a conversão com relação
a si mesmo, a Deus e aos outros.
O jejum é em sua essência um antídoto que
a Igreja nos oferece para combater em nós toda inclinação de satisfação de nossas
vontades, sejam corporais ou não. Não nos esqueçamos de que pelo pecado o homem está
como que ‘ferido’, ou seja, necessitado da cura – que não é o jejum, mas Cristo. O
jejum nos ajuda a buscar nossa configuração maior a Cristo. Portanto, a Quaresma,
com suas práticas e exigências para uma autêntica vida cristã, irradia a força da
graça divina, encorajando a todos, homens e mulheres, crianças e jovens a uma caminhada
na fé, peregrinando sob a tutela da Igreja, a qual Cristo, seu Esposo, ornou com dons
os mais diversos, para que todos possam encontrar nela o Senhor de suas vidas.
Aproveitemos
este tempo de conversão que o Ano Litúrgico nos apresenta e abramo-nos à graça redentora
de Cristo para chegarmos alegremente às comemorações de sua Páscoa. Assim ensina-nos
o grande teólogo, Santo Agostinho: “Com efeito, nossa vida, enquanto somos peregrinos
neste mundo, não se pode estar livre de tentações, pois é através delas que se realiza
o nosso progresso, e ninguém pode conhecer-se a si mesmo sem ter sido tentado. Ninguém
pode vencer sem ter combatido, nem pode combater se não tiver inimigos e tentações”.
Por isso neste tempo propício somos ajudados no combate com os meios que nos dispõe
a Santa Igreja: o jejum, a oração e a esmola.
Tudo isso deve nos conduzir
a uma celebração penitencial que nos faz experimentar a misericórdia de Deus e renova
a nossa vida cristã. Essa prática não pode faltar na Quaresma, e é um dom para todos
nós. As práticas quaresmais devem nos renovar, e só se concretizarão ao recebermos
a absolvição de nossos pecados.
Que tenhamos uma santa Quaresma e caminhemos
pressurosos para celebrar, com corações renovados, a Páscoa do Senhor!
† Orani
João Tempesta, O. Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro,
RJ