Bento XVI e a "Spe salvi", a segunda das três encíclicas de seu Pontificado
Cidade do
Vaticano (RV) - Prosseguindo nossa série de especiais destes dias dedicada ao
Pontificado de Bento XVI, voltamos ao espaço reservado a uma das expressões mais significativas
do alto Magistério de um Papa, ou seja, suas Cartas encíclicas.
Com seus quase
oito anos de Pontificado, Bento XVI deixa-nos três encíclicas: Deus caritas est, Spe
salvi e Caritas in veritate.
Na edição passada nos dedicamos à primeira delas
– Deus caritas est (Deus é amor). Nesta edição nos ocupamos da Spe salvi (Salvos na
esperança). Considerando o tempo de que dispomos, trata-se apenas de lançar um olhar
buscando colher suas linhas gerais – a título de uma primeira abordagem.
A
Carta encíclica, de cerca de 80 páginas, foi assinada por Bento XVI em 30 de novembro
do ano 2007, terceiro de Pontificado.
Começa com uma passagem da Carta de São
Paulo apóstolo aos Romanos "é na esperança que fomos salvos" (8, 24), e ressalta como
"elemento distintivo dos cristãos o fato de estes terem um futuro": sabem que a sua
vida não acaba no vazio (n.2).
A Carta encíclica do Pontífice defende que só
Deus é a "verdadeira esperança" e aborda por diversas vezes a questão da "vida eterna",
frisando que "ninguém se salva sozinho".
O documento começa por apresentar
um enquadramento teológico da esperança cristã, a partir dos textos bíblicos e dos
testemunhos das primeiras comunidades eclesiais. O Papa apresenta ainda os ensinamentos
de vários Santos da Igreja a respeito do tema da encíclica e escreve que "conhecer
Deus" significa "receber esperança".
Depois de negar que Jesus tenha trazido
uma mensagem "sócio-revolucionária", Bento XVI aborda a questão da evolução para afirmar
que "a vida não é um simples produto das leis e da casualidade da matéria, mas em
tudo e, contemporaneamente, acima de tudo há uma vontade pessoal, há um Espírito que
em Jesus se revelou como amor".
O Papa cita, entre outros, Platão, Lutero,
Kant, Bacon, Dostoievski, Engels e Marx para falar de esperança e de esperanças, de
razão e liberdade, da construção de um mundo sem Deus que pretende responder aos anseios
do ser humano. "Nenhuma estruturação positiva do mundo é possível nos lugares onde
as almas se brutalizam", declara.
Para além das reflexões teológicas e filosóficas,
o texto aborda sistemas e ideologias. "O homem não é só o produto de condições econômicas
nem se pode curar apenas desde o exterior, criando condições econômicas favoráveis",
indica o texto pontifício, ao criticar o "materialismo" marxista.
Bento XVI
diz que "não existirá jamais neste mundo o reino do bem definitivamente consolidado"
e que mesmo as melhores estruturas "só funcionam se numa comunidade subsistem convicções
que sejam capazes de motivar os homens para uma livre adesão ao ordenamento comunitário".
Quanto
ao progresso científico, a encíclica alerta para as "possibilidades abissais de mal"
que se têm aberto e pede uma "formação ética do homem" para que este progresso não
se transforme numa "ameaça para o homem e para o mundo".
"Não é a ciência que
redime o homem. O homem é redimido pelo amor", assinala, numa crítica às pretensões
do pensamento moderno.
Numa linha de continuidade com a sua primeira encíclica,
Bento XVI sublinha a dimensão comunitária da esperança e refuta as críticas de que
a salvação proposta pela fé cristã seja "fuga da responsabilidade geral". "O amor
de Deus revela-se na responsabilidade pelo outro", destaca.
A segunda parte
da encíclica apresenta uma série de lições, considerações mais práticas sobre a vivência
da esperança.
O Papa indica que rezar "não é retirar-se para o canto da própria
felicidade e que "o nosso agir não é indiferente diante de Deus" nem para "o desenrolar
da história". "A capacidade de sofrer por amor da verdade é medida de humanidade",
sentencia.
Neste ponto, Bento XVI adverte quem optou pela indiferença perante
o amor, a verdade ou o bem, assinalando que "não é a fuga diante da dor" que cura
o homem.
A encíclica acaba por fazer referência ao ateísmo e a quantos querem
"um mundo que deve criar a justiça por sua conta", esquecendo que "Deus sabe criar
a justiça".
O chamado "juízo final" surge, assim, como um "apelo à responsabilidade
e como um resposta "à impossibilidade de a injustiça da história ter a última palavra".
Por isso afasta a ideia de uma restauração universal e fala de inferno e purgatório,
porque "com a morte a opção de vida feita pelo homem torna-se definitiva".
"Como
cristãos, não basta perguntarmo-nos como posso salvar-me, devemos antes perguntar:
o que posso fazer para que os outros sejam salvos e nasça, também para eles a estrela
da esperança? Então, terei feito também o máximo pela minha salvação pessoal". Bento
XVI conclui a segunda encíclica de seu Pontificado apresentado Maria como "estrela
da esperança". (Eclesia/RL)