Rio de Janeiro (RV) - Iniciamos nossa caminhada para a Páscoa! Refazemos o
caminho do Êxodo em 40 dias de jejum, esmola, oração, penitência. Queremos renovar
nossa vida cristã passando novamente pelo mar vermelho das promessas batismais e da
nossa unidade com o Deus da aliança, tornando presente o acontecimento do Monte Sinai.
É
um tempo especial para nós, católicos, quando a liturgia, sóbria e simples, nos enfoca
o essencial de nossa vida cristã e nos conduz para uma sincera abertura para a graça
de Deus, chamando-nos à conversão visibilizada no sacramento da Penitência. As celebrações
penitenciais que se multiplicam pela Arquidiocese são para nós a oportunidade que
devemos aproveitar e acolher como um grande dom de Deus para a experiência de Sua
misericórdia e renovação de nossas vidas.
A Igreja nos convida a viver o tempo
da Quaresma! Infelizmente, a sociedade, com sua realidade plural, não se importa com
este tempo, muito mais preocupada está com os resultados dos desfiles carnavalescos
e a procura de vender mais chocolates por ocasião da Páscoa. Todos os anos, ao início
deste tempo, somos convidados ao jejum e à abstinência de carne. Assim, já na Quarta-feira
de Cinzas surge em meio aos cristãos acostumados às muitas celebrações a pergunta:
“qual o significado da Quaresma?”
Para responder a essa questão, devemos olhar
para o nosso dia-a-dia e perceber que todas as vezes que as pessoas estão diante de
algo importante para suas vidas lançam-se freneticamente numa preparação para conseguir
o objetivo desejado. Jovens enfrentam os muitos “cursinhos” para passar no vestibular;
outros se empenham nas aulas de direção para conseguir a tão sonhada carteira de motorista.
Aprender nova língua para conseguir um bom emprego; Esmerar-se nos estudos para conseguir
a vaga em entidades públicas ou uma grande empresa. Ou seja, para algo especial, preparação
radical.
A Páscoa é a celebração máxima da vida do cristianismo, expressão
mais profunda do nosso relacionamento com Deus; por isso, a Igreja como “Mãe e Mestra”
nos convida a uma preparação especial de quarenta dias – o tempo da Quaresma. Aqui
no Brasil, somos questionados a cada ano diante de assuntos importantes para a vida
cristã e para a nossa sociedade. Neste ano é sobre a juventude. É óbvio que no ano
em que o Brasil recebe aqui no Rio de Janeiro a Jornada Mundial da Juventude, o tema
também fosse o mesmo aprofundado do lado social e dos compromissos do protagonismo
juvenil na transformação da sociedade.
Neste tempo propício de oração, jejum
e caridade, devemos rever nossas atitudes diante de Deus, do próximo e de nós mesmos.
É um convite à oportunidade de estar plena e conscientemente diante de Deus, para
receber d’Ele a vida nova, trazida na Páscoa.
O espaço de tempo de quarenta
dias tem sua fundamentação na Sagrada Escritura. Os números têm um simbolismo muito
grande nos dois Testamentos. Vemos a duração da Quaresma baseada no símbolo deste
número na Bíblia. Quarenta dias e quarenta noites é o tempo de duração do dilúvio
(Gen. 7,12), aqui Deus dá uma nova oportunidade de vida e regeneração aos que se salvaram
seguindo os seus mandamentos; Quarenta anos foi o tempo da peregrinação do povo judeu
pelo deserto (Dt 1-3), errante, sofrido e ao mesmo tempo pleno de esperança, marca
definitiva de todo cristão. Quarenta dias Moisés e Elias estiveram na montanha (Ex.
24,18) e ainda quarenta dias que Jesus passou no deserto (Lc 4,2) antes de começar
a sua vida pública, fazendo jejum e ali sendo tentado por Satanás. Aliás, esse é o
episódio que abre a Quaresma no primeiro domingo, cada ano em uma das versões dos
evangelhos sinóticos.
Percebemos na história bíblica o tempo de quarenta dias
para uma preparação de algo que viria logo a seguir, sendo considerado como muito
importante. Somos ajudados também pelos acontecimentos do mundo atual, quando vemos
ao redor a violência, o egoísmo, a intolerância, o relativismo, a manipulação do ser
humano como “coisa”, a desunião da família e a contestação dos valores da vida e do
ser humano colocados diante de nós a cada instante pelas várias circunstâncias culturais
e sociais. Por outro lado, temos exemplos belíssimos de sinais de desapego, de amor
ao próximo, de serviço à Igreja, como nos deu o nosso beatíssimo padre o Papa Bento
XVI, que marcou a conclusão de seu pontificado para o próximo dia 28 de fevereiro,
demonstrando a grandeza de seu espírito. Ele continuará servindo à Igreja e à humanidade
com uma vida de oração e silêncio no Mosteiro situado no Vaticano.
Com todo
o sentido espiritual, litúrgico, social, cultural e dos acontecimentos atuais, a Quaresma
deste ano nos traz, portanto, a oportunidade magnifica de mudança. Mudança de rumo,
de perspectivas, enfim, de vida. Se todos os anos esse apelo é marcante, este ano
muito mais: agora é o tempo favorável que temos para empreender ainda mais como cristãos
o nosso empenho nessa abertura à ação da graça, vivenciando a beleza da escolha que
o Senhor fez de cada um de nós para sermos seu povo e seu rebanho.
O seu significado
mais profundo vai depender de cada coração. Como estamos acolhendo este tempo penitencial?
Tem ele nos trazido novas moções do Espírito? E nós as temos aceitado? Como se trata
de um tempo penitencial, ainda caberia uma pergunta ao nosso coração. Minha consciência
aprova tudo o que faço, ou às vezes deixo de fazer, correndo o risco de omitir-me
diante da verdade?
É o tempo da oportunidade que Deus mais uma vez se dispõe
a nos presentear para estarmos na sua presença. Que as atitudes externas deste tempo
correspondam a um coração contrito e arrependido, que busca configurar-se a Cristo
em suas atitudes concretas no relacionamento com Deus e com os irmãos. É a proposta
anual da Igreja que chama seus filhos a viverem com coerência a vida segundo o Evangelho
no seguimento de Cristo hoje.
O período quaresmal, em que a Liturgia da Igreja
apresenta à nossa reflexão os grandes mistérios da salvação, seja vivido por nós todos
em atitude de penitência e de sacrifício, para nos prepararmos dignamente para o encontro
pascal com Cristo. Vivei sempre animados pelo ideal altíssimo proclamado por Jesus:
O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei. Ninguém tem
maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos (Jo 15, 12-13).
Portanto,
a Quaresma vai significar para cada coração que crê a grande oportunidade da sua vida.
Estar na presença de Deus e d’Ele receber vida, e vida em abundância (Jo 10,10).
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Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio
de Janeiro, RJ