2013-02-22 14:56:09

"Governação, Bem Comum e Transições Democráticas em África" - Carta Pastoral do SCEAM


RealAudioMP3 Publicada neste mês de Fevereiro, pelo SCEAM, uma Carta Pastoral, cuja síntese pode ler a seguir. Ouça também o comentário do P. Martinho Maulano, um dos secretários adjuntos do SCEAM. RealAudioMP3

Síntese da Carta:

A Igreja católica em África está preocupada com a situação que se vive actualmente no Continente. Por isso, através do seu máximo organismo, o Simpósio das Conferências Episcopais da África (SCEAM), que reúne todos os bispos do continente, emanou neste mês de Fevereiro uma Carta Pastoral centrada sobre “Governação, Bem Comum e Transições Democráticas”.

O SCEAM baseia-se, para isso, em diversos documentos da Igreja, especialmente nas exortações pós-sinodais Ecclesia in África e Africae Munus, enfim, no Evangelho, segundo o qual Deus quer um mundo de amor e harmonia e não de sacrifícios e holocaustos, um mundo em que todos tenham vida e a tenham em abundância.

Ora, não se pode falar de amor e harmonia, de vida em abundância – sublinha - quando existem órfãos e viúvas abandonados ao próprio destino, desempregados sem meios para a sobrevivência, direitos humanos violados… A Igreja não fica, contudo, alheia a este sofrimentos dos seu filhos. Antes pelo contrário: sente-se no “direito e no dever” de participar plenamente na edificação duma sociedade justa e pacífica.

Esta Carta Pastoral pretende, pois, ser um contributo da Igreja para a promoção da boa governação e das transições democráticas em África. Quer propor valores que conduzem à justiça, à liberdade e ao respeito da dignidade humana.

É que na última década, o SCEAM tem vindo a acompanhar, com atenção, diferentes situações políticas através das diversas eleições legislativas e presidenciais. Isto tem-no levado a constatar que, se por um lado há uma certa estabilidade e democratização no continente, por outro há situações em que as eleições degeneram e lançam sementes para potenciais ondas de violência.

Por isso, encorajada por acções anteriormente levadas a cabo com sucesso em contextos políticos africanos como, por exemplo, durante o Apartheid na África do Sul, ou através das Conferências Nacionais Soberanas, a Igreja em África quer manter viva essa chama, assumir as suas responsabilidades no domínio sócio-político a fim de defender o bem comum e transições democráticas que conduzam à paz.

No que concerne especificamente à boa governação, o SCEAM constata que se registam progressos em África no domínio da educação, do combate a algumas doenças, da transparência… Mas mostra-se preocupado com o facto de, 50 anos depois das independências, as economias de muitos países africanos continuarem fracas; de a África continuar a ser a cobaia de multinacionais estrangeiras que pilham os recursos do Continente, por vezes, sem mesmo pagar impostos. Tudo com a cumplicidade de alguns líderes que se preocupam apenas com o próprio conforto material em detrimento do bem comum. Mais ainda: o continente sofre duma violência sem fim, o mercado de trabalho é reduzido, obrigando muitos a tomar o caminho da emigração com todos os seus dramas; a situação da mulher também preocupa; o dialogo entre os Estados e as comunidade locais é ainda fraco…

Toda esta situação clama por uma mudança de comportamento na gestão dos recursos que podem permitir à África levantar-se; clama pelo respeito dos valores da caridade e da justiça; clama por uma boa governação entendida não só do ponto de vista técnico, mas também ético, isto é marcado por valores cristãos: honestidade, inclusão, tolerância, desejo de servir; valores que o Sínodo dos bispos para a África de 2009 exortou as comunidade locais africanas a levar para a arena política a fim de estabelecer uma parceria dinâmica e funcional entre os vários actores sociais para uma maior transparência, eficiência e eficácia da acção política e das decisões dos gerentes dos bens púbicos. Numa palavra, defender o bem comum, torná-lo acessível a todos - escreve o SCEAM nesta sua ampla Carta Pastoral, em que apela os líderes africanos a desenvolverem uma visão que oriente a África para o bem comum. Uma visão que passe pela abertura, dialogo, participação dos cidadãos, sem discriminação alguma, pelo reforço do combate à corrupção, esse cancro que – escrevem – hipoteca o desenvolvimento da África.

Citando textos do Evangelho que mostram que a justiça é uma das prioridades de Deus e que é feita de acções concretas que asseguram a protecção dos fracos contra os abusos, o SCEAM encoraja os líderes africanos e a população em geral a manter a integridade, a honestidade e a sinceridade em todos seus empreendimentos.

Detendo-se depois sobre as transições pacíficas e democráticas, os bispos católicos da África alegram-se por ver que a era das ditaduras dos mono-partidarismos estão a dar lugar à democracia, que há uma certa acalmia nalgumas regiões, mas continuam preocupados e a rezar por situações como a dos Grandes Lagos, da África Central, da Nigéria, do Mali, da África do Norte… Situações em que a falta de espaços democráticos e o desprezo dos direitos humanos tornam o terreno fértil para crises e manifestações políticas.

Chegou talvez o momento – prossegue o SCEAM na sua Carta –para a África inventar um modelo de governação que responda realmente às suas necessidades e se inspire em formas tradicionais de governar, enfim, de reflectir sobre uma visão holística que sirva melhor a transição e a consolidação democrática, partindo do significado original de democracia, isto é uma forma de governo que tenha o povo como soberano.

Recordando que o destino do Continente depende do compromisso de todos em fazer com que a governação económica e politica promova o bem comum, o SCEAM convida a sociedade civil, os líderes africanos, os parceiros e amigos do Continente a unirem esforços para um novo começo.

A Sociedade civil é chamada ser mais proactiva em impedir conflitos e violências, a escolher o dialogo em vez de confrontos; aos líderes políticos e governantes é recordado o dever de fazer da erradicação da pobreza uma prioridade, assim como de combater o cancro da corrupção, de fazer do bem comum a prioridade das prioridades em todo o tempo e lugar.

O SCEAM recorda também a todos que a unidade do Continente africano é hoje um imperativo, pois que, como diz o provérbio “uma mão sozinha não amarra um pacote”. E declara-se disponível a oferecer os seus conselhos e serviços no sentido de ajudar as instituições do Continente a enfrentar os desafios do desenvolvimento integral de todos os povos africanos, os quais são, por sua vez, convidados a ter um olhar novo sobre o estrangeiro independentemente das fronteiras dos Estados, das etnias e religiões.

Um apelo vai também para as Universidades, Institutos católicos, teólogos e investigadores de forma geral para que reflictam sobre as causas das injustiças e da violência, tanto a nível local como internacional.

Quanto a ela própria, a Igreja compromete-se a intensificar a pastoral para os actores sócio-políticos através de programas de formação espiritual e ética, capelanias especializadas para instituições e grupos de reflexão; a reforçar a capacidade dos cidadãos, a difundir de forma capilar a Doutrina Social da Igreja.

Pedindo finalmente aos líderes políticos para implementarem na totalidade os Tratados e Convenções regionais como a Carta Africana sobre a Democracia, Eleições e Boa Governação, o SCEAM mostra-se convicto de que Deus ama a África e há-de salvá-la, mas deixa de sublinhar que não se pode esperar que Deus abençoe a África e os seus filhos enquanto a integridade não for considerada um valor fundamental em todas as nações africanas.

Nesta importante Carta Pastoral assinada pelo Cardeal Polycarp Pengo, arcebispo de Dar-es-Salaam e Presidente do SCEAM, o Simpósio das Conferências Episcopais da África concluem apelando mais uma vez a uma maior tomada de consciência da responsabilidade e a uma acção eficaz e exemplar de todos na definição dum modelo para avançar na fé, pois é tempo de a África se levantar e trabalhar seriamente para o seu melhor futuro e para que possa caminhar com outros continentes.
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Veja a versão integral da Carta na secção "Mensagens, Homilias, Documentos" da nossa página web.







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