"Governação, Bem Comum e Transições Democráticas em África" - Carta Pastoral do SCEAM
Publicada neste mês
de Fevereiro, pelo SCEAM, uma Carta Pastoral, cuja síntese pode ler a seguir. Ouça
também o comentário do P. Martinho Maulano, um dos secretários adjuntos do SCEAM.
Síntese da
Carta:
A Igreja católica em África está preocupada com a situação que se
vive actualmente no Continente. Por isso, através do seu máximo organismo, o Simpósio
das Conferências Episcopais da África (SCEAM), que reúne todos os bispos do continente,
emanou neste mês de Fevereiro uma Carta Pastoral centrada sobre “Governação, Bem Comum
e Transições Democráticas”.
O SCEAM baseia-se, para isso, em diversos
documentos da Igreja, especialmente nas exortações pós-sinodais Ecclesia in África
e Africae Munus, enfim, no Evangelho, segundo o qual Deus quer um mundo de amor e
harmonia e não de sacrifícios e holocaustos, um mundo em que todos tenham vida e a
tenham em abundância.
Ora, não se pode falar de amor e harmonia, de
vida em abundância – sublinha - quando existem órfãos e viúvas abandonados ao próprio
destino, desempregados sem meios para a sobrevivência, direitos humanos violados…
A Igreja não fica, contudo, alheia a este sofrimentos dos seu filhos. Antes pelo contrário:
sente-se no “direito e no dever” de participar plenamente na edificação duma sociedade
justa e pacífica.
Esta Carta Pastoral pretende, pois, ser um contributo
da Igreja para a promoção da boa governação e das transições democráticas em África.
Quer propor valores que conduzem à justiça, à liberdade e ao respeito da dignidade
humana.
É que na última década, o SCEAM tem vindo a acompanhar, com
atenção, diferentes situações políticas através das diversas eleições legislativas
e presidenciais. Isto tem-no levado a constatar que, se por um lado há uma certa estabilidade
e democratização no continente, por outro há situações em que as eleições degeneram
e lançam sementes para potenciais ondas de violência.
Por isso, encorajada
por acções anteriormente levadas a cabo com sucesso em contextos políticos africanos
como, por exemplo, durante o Apartheid na África do Sul, ou através das Conferências
Nacionais Soberanas, a Igreja em África quer manter viva essa chama, assumir as suas
responsabilidades no domínio sócio-político a fim de defender o bem comum e transições
democráticas que conduzam à paz.
No que concerne especificamente à
boa governação, o SCEAM constata que se registam progressos em África no domínio da
educação, do combate a algumas doenças, da transparência… Mas mostra-se preocupado
com o facto de, 50 anos depois das independências, as economias de muitos países africanos
continuarem fracas; de a África continuar a ser a cobaia de multinacionais estrangeiras
que pilham os recursos do Continente, por vezes, sem mesmo pagar impostos. Tudo com
a cumplicidade de alguns líderes que se preocupam apenas com o próprio conforto material
em detrimento do bem comum. Mais ainda: o continente sofre duma violência sem fim,
o mercado de trabalho é reduzido, obrigando muitos a tomar o caminho da emigração
com todos os seus dramas; a situação da mulher também preocupa; o dialogo entre os
Estados e as comunidade locais é ainda fraco…
Toda esta situação clama
por uma mudança de comportamento na gestão dos recursos que podem permitir à África
levantar-se; clama pelo respeito dos valores da caridade e da justiça; clama por uma
boa governação entendida não só do ponto de vista técnico, mas também ético, isto
é marcado por valores cristãos: honestidade, inclusão, tolerância, desejo de servir;
valores que o Sínodo dos bispos para a África de 2009 exortou as comunidade locais
africanas a levar para a arena política a fim de estabelecer uma parceria dinâmica
e funcional entre os vários actores sociais para uma maior transparência, eficiência
e eficácia da acção política e das decisões dos gerentes dos bens púbicos. Numa palavra,
defender o bem comum, torná-lo acessível a todos - escreve o SCEAM nesta sua ampla
Carta Pastoral, em que apela os líderes africanos a desenvolverem uma visão que oriente
a África para o bem comum. Uma visão que passe pela abertura, dialogo, participação
dos cidadãos, sem discriminação alguma, pelo reforço do combate à corrupção, esse
cancro que – escrevem – hipoteca o desenvolvimento da África.
Citando
textos do Evangelho que mostram que a justiça é uma das prioridades de Deus e que
é feita de acções concretas que asseguram a protecção dos fracos contra os abusos,
o SCEAM encoraja os líderes africanos e a população em geral a manter a integridade,
a honestidade e a sinceridade em todos seus empreendimentos.
Detendo-se
depois sobre as transições pacíficas e democráticas, os bispos católicos da África
alegram-se por ver que a era das ditaduras dos mono-partidarismos estão a dar lugar
à democracia, que há uma certa acalmia nalgumas regiões, mas continuam preocupados
e a rezar por situações como a dos Grandes Lagos, da África Central, da Nigéria, do
Mali, da África do Norte… Situações em que a falta de espaços democráticos e o desprezo
dos direitos humanos tornam o terreno fértil para crises e manifestações políticas.
Chegou talvez o momento – prossegue o SCEAM na sua Carta –para a África
inventar um modelo de governação que responda realmente às suas necessidades e se
inspire em formas tradicionais de governar, enfim, de reflectir sobre uma visão holística
que sirva melhor a transição e a consolidação democrática, partindo do significado
original de democracia, isto é uma forma de governo que tenha o povo como soberano.
Recordando que o destino do Continente depende do compromisso de todos
em fazer com que a governação económica e politica promova o bem comum, o SCEAM convida
a sociedade civil, os líderes africanos, os parceiros e amigos do Continente a unirem
esforços para um novo começo.
A Sociedade civil é chamada ser mais
proactiva em impedir conflitos e violências, a escolher o dialogo em vez de confrontos;
aos líderes políticos e governantes é recordado o dever de fazer da erradicação da
pobreza uma prioridade, assim como de combater o cancro da corrupção, de fazer do
bem comum a prioridade das prioridades em todo o tempo e lugar.
O SCEAM
recorda também a todos que a unidade do Continente africano é hoje um imperativo,
pois que, como diz o provérbio “uma mão sozinha não amarra um pacote”. E declara-se
disponível a oferecer os seus conselhos e serviços no sentido de ajudar as instituições
do Continente a enfrentar os desafios do desenvolvimento integral de todos os povos
africanos, os quais são, por sua vez, convidados a ter um olhar novo sobre o estrangeiro
independentemente das fronteiras dos Estados, das etnias e religiões.
Um
apelo vai também para as Universidades, Institutos católicos, teólogos e investigadores
de forma geral para que reflictam sobre as causas das injustiças e da violência, tanto
a nível local como internacional.
Quanto a ela própria, a Igreja compromete-se
a intensificar a pastoral para os actores sócio-políticos através de programas de
formação espiritual e ética, capelanias especializadas para instituições e grupos
de reflexão; a reforçar a capacidade dos cidadãos, a difundir de forma capilar a Doutrina
Social da Igreja.
Pedindo finalmente aos líderes políticos para implementarem
na totalidade os Tratados e Convenções regionais como a Carta Africana sobre a Democracia,
Eleições e Boa Governação, o SCEAM mostra-se convicto de que Deus ama a África e há-de
salvá-la, mas deixa de sublinhar que não se pode esperar que Deus abençoe a África
e os seus filhos enquanto a integridade não for considerada um valor fundamental em
todas as nações africanas.
Nesta importante Carta Pastoral assinada
pelo Cardeal Polycarp Pengo, arcebispo de Dar-es-Salaam e Presidente do SCEAM, o Simpósio
das Conferências Episcopais da África concluem apelando mais uma vez a uma maior tomada
de consciência da responsabilidade e a uma acção eficaz e exemplar de todos na definição
dum modelo para avançar na fé, pois é tempo de a África se levantar e trabalhar seriamente
para o seu melhor futuro e para que possa caminhar com outros continentes. *** Veja
a versão integral da Carta na secção "Mensagens, Homilias, Documentos" da nossa página
web.