Estamos chegando ao dia e hora marcados para a renúncia
de Bento 16. Na quinta-feira desta próxima semana, no dia 28 de fevereiro, às vinte
horas de Roma, Bento XVI deixará a cátedra de Pedro, que ficará vacante, até que os
cardeais elejam um novo papa. Mesmo com a insistente divulgação do acontecimento,
parece que a notícia ainda estaria esperando confirmação, dada a inusitada situação
que dela decorreu. Mas aos poucos a inexorabilidade se impõe: é verdade, Bento XVI
decidiu renunciar! A surpresa maior, porém, não é produzida pelo inusitado da ocorrência.
Mas pelas circunstâncias pessoais do Papa, o verdadeiro protagonista deste acontecimento
de tantas repercussões. Ele revelou um grande desprendimento, não se prendendo às
vantagens pessoais que o cargo lhe garantia. Foi sereno, demonstrou pela consciência
das repercussões do seu ato, e fez questão de asseverar que agia livremente, depois
de obtida a certeza pessoal da conveniência da decisão que tinha amadurecido no confronto
de sua consciência com as responsabilidades assumidas ao ser eleito Papa.
Ele demonstrou, sobretudo, muita responsabilidade. Estabeleceu um prazo, conveniente
para a Igreja assimilar a nova situação, e ele próprio levar a bom termo todas as
decorrências do seu ato. Dando um prazo de 17 dias, desde o anúncio até a efetivação
da renúncia, com a autoridade adquirida com seu gesto, sinalizou o ritmo razoável
a ser observado em todas as providências a serem tomadas. Em síntese, a renúncia
do Papa se constituiu num precioso testemunho de coerência pessoal, e um exemplo carregado
de ensinamentos prudenciais, tão importantes no momento em que a humanidade vê crescer,
exponencialmente, o número de idosos, que precisam descobrir o bom senso, com a sabedoria
de perceber o momento oportuno, a hora conveniente, a decisão acertada para sair de
campo, e deixar o lugar para que outros o ocupem com mais capacidade e eficiência.
Numa população que prolonga a vida, e que ocupa as vagas, é urgente a escola da renúncia!
Ela não está fora de propósito. Mas diante desta renúncia paradigmática do
Papa, vale a pena perguntar-nos quando e como uma renúncia se constitui em decisão
acertada, a ser efetivada com determinação. Ficando no contexto próximo à renúncia
do Papa, não é fora de propósito perguntar por que tantas renúncias de bispos produzem
tão pouco impacto, quase nenhum efeito. Fica posta a questão: quando é que uma renúncia
é boa? No exemplo do Papa encontramos logo algumas respostas: a renúncia
precisa ser livre, não condicionada por determinações externas, serena, e ser realizada
em momento oportuno, tanto para o renunciante como para os outros ligados a ele de
alguma forma. Não seria fora de propósito garantir um espaço maior para
um bispo renunciar, deixando-o com a possibilidade de efetivar sua renúncia num contexto
mais amplo e mais livre. Não impondo uma data obrigatória de referência, de 75 anos.
Poderia se deixar o espaço de cinco anos para que ao longo deles o Bispo faça pessoalmente
o discernimento do momento adequado para a sua renúncia. Sempre lembrando que não
é preciso esperar os 75 anos para renunciar. Pois dependendo das circunstâncias,
o testemunho do bispo que renuncia publicamente pode ser muito mais eficaz e produzir
inesperados frutos, que costumam brotar de ânimos generosos, como mostrou Bento XVI.
Em todo o caso, a renúncia sempre deveria comportar a possibilidade de viver
com intensidade o que Jesus afirmou: “Ninguém tira a minha vida, eu a dou livremente”.