Exercícios espirituais: a Palavra de Deus indica os verdadeiros valores
Cidade do Vaticano (RV) - Bento XVI e a Cúria Romana encontram-se desde a noite
deste domingo em retiro espiritual. As outras atividades do Papa estão suspensas durante
toda esta semana.
Na manhã desta segunda-feira, na Capela Redemptoris Mater,
no Vaticano, prosseguiram as meditações propostas pelo presidente do Pontifício Conselho
para a Cultura, Cardeal Gianfranco Ravasi. Os Exercícios espirituais, que têm como
tema "Ars orandi, ars credendi. O rosto de Deus e o rosto do homem na oração sálmica",
se concluirão na manhã do próximo sábado, dia 23.
Palavra reveladora de Deus
e palavra criadora: a segunda meditação do Cardeal Ravasi foi articulada a partir
dessas duas diretrizes. O purpurado reiterou o primado da graça divina, de cuja fonte
nascem a oração e a fé; em princípio há a teofania, a revelação que é palavra:
"Qual
é o primeiro rosto com o qual Deus se apresenta? A primeira revelação de Deus encontra-se
na Palavra. A sua graça confia-se à Palavra. E é significativo notar que justamente
o próprio incipit absoluto do Antigo e do Novo Testamento é caracterizado pela Palavra.
Deus disse: 'Haja luz e houve luz'. Portanto, a criação é um evento sonoro, é uma
Palavra, a realidade paradoxalmente mais humana, aquela realidade que é extremamente
frágil – porque uma vez pronunciada se apaga –, mas ao mesmo tempo tem uma eficácia
particular, porque sem a palavra não existiria a comunicação."
A reflexão
desta manhã do Cardeal Ravasi foi inspirada pelo Salmo 119, no qual a Palavra é guia
em meio à escuridão, "lâmpada para os meus pés é a tua palavra". Uma luz que rompe
as trevas em particular na cultura de hoje que – afirmou o purpurado – se encontra
num horizonte fluido, incerto, onde se celebra a amoralidade, a absoluta indiferença
na qual "não há mais distinção entre doce e amargo" e onde tudo é genericamente sem
relevo.
Portanto, a abordagem com a Palavra é essencial, ela nos indica a verdadeira
escala dos valores, "muitas vezes calibrada somente sobre as coisas, sobre o dinheiro,
sobre o poder". Palavra que é também anúncio, bem como princípio de confiança.
Depois,
no Salmo 23 há a partilha do caminho – Deus é pastor que guia o rebanho e que é, ao
mesmo tempo, companheiro de viagem –, elementos que evidenciam o valor da graça: verdade
de um lado e amor do outro. A meta é única, ou seja, o Templo, a mesa suntuosa, o
sacrifício de comunhão, portanto – concluiu o cardeal –, a celebração da liturgia:
"A
Palavra como primeira grande epifania que é cantada no Saltério e que eu, rezando,
descubro. Sinto não somente as minhas palavras que ressoam, há também a Palavra de
Deus que ressoa em mim."
A teofania do Criador que opera justamente mediante
a sua primeira epifania, a Palavra, esteve no centro da terceira meditação, ainda
pela manhã. A criação – evidenciou o Cardeal Ravasi – é "uma palavra de Deus diferente",
"contém uma música teológica silenciosa", precisara o comentarista alemão do Saltério,
Gunkel, "uma mensagem que não tem palavras sonoras ou ecos e que, porém, percorre
todo o universo". E o Salmo 19 reitera que os espaços astrais são "narradores" da
obra criadora de Deus. Portanto, é preciso voltar a contemplar:
"A ausência
de estupor no homem contemporâneo é sinal de superficialidade. É propenso somente
às obras de suas mãos, é incapaz de elevar os olhos para o céu, de admirar profundamente
os dois extremos do universo e do microcosmo. E isso fez de modo que o homem, desprovido
de contemplação, deturpasse a terra, usando-a somente em função instrumental. Não
tem mais o sentido da terra como irmã."
Parte da meditação foi em seguida
dedicada ao diálogo entre fé e ciência – tema de particular importância para o teólogo
Ratzinger –, dois magistérios não sobrepostos, distintos, mas não totalmente separados.
A fé responde aos porquês; a ciência aos como.
Segundo o Cardeal Ravasi, é
o filósofo Blaise Pascal quem sintetiza os excessos que se devem evitar: "excluir
a razão, não admitir a não ser a razão"; e, ao mesmo tempo, é o próprio Pascal quem
nos indica um caminho: "é preciso entender as coisas humanas para poder amá-las, enquanto
é preciso amar as coisas divinas para poder compreendê-las".
"Deve primeiro
lançar-te no mar da fé – acrescentou o purpurado – e depois começar a navegar. Crer
e compreender entrelaçam-se necessariamente". Portanto, caminho da oração e caminho
da teologia que se colocam "em contraponto, não em oposição". A harmonia dos dois
caminhos é exaltada simbolicamente no Salmo 19 com o dúplice sol – astro que fulgura
no céu e a Palavra de Deus como sol:
"O sol flameja no céu e nos fala da
revelação cósmica. Mas depois há a Palavra de Deus que é o outro sol, que ilumina
plenamente. Portanto, palavra reveladora e palavra criadora." (RL)