Cardeal Comastri: uma grande lição do Papa num mundo cheio de pessoas por demais apegadas
ao poder
Cidade do Vaticano (RV) - A Igreja está vivendo com trepidação estes últimos
dias de Pontificado de Bento XVI: muitos fiéis ficaram tristes e impressionados. Como
ler este momento tão particular da nossa história? Foi o que a Rádio Vaticano perguntou
ao vigário-geral do Papa para o Estado da Cidade do Vaticano e arcipreste da Basílica
de São Pedro, Cardeal Angelo Comastri. Eis o que disse:
Cardeal Angelo Comastri:-
"Quando recebi a notícia da inesperada renúncia do Santo Padre Bento XVI, senti a
intensa dor que se sente no momento em que se percebe que uma pessoa querida está
inesperadamente saindo do nosso horizonte. Porém, logo em seguida, pareceu-me sentir
uma brisa suave que vinha de longe e me trazia o perfume inconfundível da palha de
Belém. Sim, o perfume da humildade de Deus. Senti nitidamente as palavras de Jesus,
palavras não envelhecidas por 2000 anos de história, mas ainda vivas nas veias da
Igreja. Elas nos dizem de modo extraordinário: aprendei de mim que sou manso e humilde
de coração. Como foi para mim bonito e confortador descobrir que essas palavras frescas
e jovens saiam do gesto da renúncia de Bento XVI e davam a todos uma grande lição!
Num mundo cheio de pessoas entrincheiradas no poder, incapazes de abrir mão do cetro,
ávidas de ascensão, de subir cada vez mais, como é evangélico e contracorrente o gesto
daquele que diz honestamente: perdoem-me, não tenho mais forças, Jesus chame outro
ao timão da Igreja! Obrigado, Papa Bento! Destes um belo exemplo ao orgulho de todos!
O mundo está surpreso, sim, a Igreja edificada, todos chamados a nos dar conta e Deus
do céu sorri porque um raio da sua luz conseguiu dissipar o nevoeiro da soberba humana.
E a Igreja continua o seu caminho, confortada pela certeza de que Jesus permanece
sempre no timão da barca, sem interrupção, e isso basta para fazer-nos otimistas."
RV:
O que estes quase oito anos de Pontificado deixam para nós?
Cardeal
Angelo Comastri:- "Deixam-nos uma grande herança. Papa Bento é um homem que nos
ensinou a ler a história da Igreja com o critério da continuidade. Dois mil anos de
história são dois mil anos de história de uma comunidade que é viva e que é coerente
com a água que brota da fonte, que brota de Jesus. Não somente. Papa Bento chamou-nos
à fonte do Evangelho porque a Igreja rejuvenesce, não seguindo as modas do momento,
mas reencontrando o frescor das origens, reencontrando a fidelidade ao Evangelho e,
portanto, purificando a si mesma, livrando-se do pó que os séculos podem ter depositado
em seu rosto. A juventude da Igreja é livrar-se deste pó e reencontrar o rosto jovem
do Pentecostes."
RV: Que imagem permanece de seus encontros pessoais com
o Papa?
Cardeal Angelo Comastri:- "A grande bondade, a grande simplicidade
e também a capacidade de fazer com que as pessoas se sintam à vontade. Toda vez que
conversei com o Papa o senti verdadeiramente como um pai, como um pai bondoso, desejoso
de transmitir a seus filhos o fogo do Evangelho que traz no coração e creio que esta
é uma recordação que trarei sempre comigo." (RL)