Bento XVI: defesa dos direitos, para ser autêntica, deve considerar o homem na sua
integridade pessoal e comunitária
Cidade do Vaticano (RV) - Paz, crise econômica, respeito pela vida: esses foram
os três pilares do aguardado discurso que Bento XVI dirigiu na manhã desta segunda-feira,
na Sala Regia, no Vaticano, ao Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé, por
ocasião das felicitações de início do ano.
O Papa renovou um veemente apelo
em favor da paz em todos aqueles Estados, da Síria à República Democrática do Congo,
onde as populações se encontram martirizadas pela guerra e pela violência.
Em
seguida, falando sobre a crise econômica, disse que não se deve resignar-se à "contração
(spread no original) do bem-estar social", ao tempo em que "se combate a contração
da finança".
Atualmente, 179 Estados mantêm relações diplomáticas plenas com
a Santa Sé. Acrescentam-se a esses a União Europeia, a Soberana Ordem Militar de Malta
e uma Missão de caráter especial: o Escritório da Organização para a Libertação da
Palestina.
Desde a sua origem – foi a premissa do Santo Padre –, a Igreja está
voltada para todos os povos: eis o motivo pelo qual seu empenho não é "uma ingerência"
na vida das sociedades, mas uma contribuição "para o progresso do gênero humano".
Bento
XVI partiu daí, da missão da Igreja para desenvolver a sua visão sobre os grandes
desafios que hoje o mundo tem diante de si, a partir da urgência da paz.
Em
primeiro lugar, o Pontífice recordou as suas viagens de 2012 ao México, Cuba e Líbano.
Visitas, disse, para "reafirmar o compromisso cívico dos cristãos daqueles países",
bem como "para promover a dignidade da pessoa humana e os fundamentos da paz". E justamente
à paz dedicou a parte mais consistente de seu articulado discurso:
"Hoje –
constatou –, por vezes se é induzido a pensar que a verdade, a justiça e a paz são
utopias e que elas se excluam mutuamente." Aliás, parece que os esforços para afirmar
a verdade acabem "muitas vezes na violência". Por outro lado, acrescentou, parece
que "o empenho em favor da paz se reduza à busca de compromissos".
Pelo contrário,
disse, "na ótica cristã existe uma íntima conexão entre a glorificação de Deus e a
paz entre os homens". Por isso, "é justamente o esquecer Deus" que "gera a violência"
– foi a sua advertência.
De fato, observou, "se se cessa de referir-se a uma
verdade objetiva transcendente, como é possível realizar um diálogo autêntico?"
Na
realidade, disse o Papa, "sem uma abertura ao transcendente, o homem cai facilmente
presa do relativismo" e, portanto, é depois difícil "agir segundo justiça e empenhar-se
em favor da paz".
Pode-se associar às manifestações do esquecimento de Deus,
prosseguiu, "o pernicioso fanatismo de matriz religiosa", que é na verdade "uma falsificação
da própria religião".
Bento XVI dirigiu assim o seu pensamento a todos os povos
que sofrem por causa da guerra, começando pela Síria:
"Renovo o meu apelo a
fim de que as armas sejam depostas e o quanto antes prevaleça um diálogo construtivo
para por fim a um conflito que, se perdurar, não terá vencedores, mas somente derrotados,
deixando para trás apenas uma extensão de ruínas." E pediu às autoridades políticas
que sejam sensíveis à "grave situação humanitária".
Em seguida, dirigiu seu
pensamento à Terra Santa. Recordando o recente reconhecimento da Palestina como Estado
Observador não Membro da ONU, renovou os votos de que israelenses e palestinos "se
empenhem em favor de uma convivência pacífica no âmbito dos dois Estados soberanos,
onde o respeito pela justiça e pelas legítimas aspirações dos dois povos seja tutelado
e garantido". Jerusalém se torne "Cidade da paz e não da divisão", foi a sua invocação.
O
Santo Padre fez votos de reconciliação e estabilidade para o Iraque, auspiciou para
o Líbano que os cristãos deem um testemunho eficaz "em favor da construção de um futuro
de paz com todos os homens de boa vontade":
"Também no Norte da África é prioritária
a colaboração de todos os componentes da sociedade e a cada um deve ser garantida
a plena cidadania, a liberdade de professar publicamente a sua religião e a possibilidade
de contribuir para o bem comum."
Em seguida, assegurou a sua oração aos egípcios,
"neste período em que se formam novas instituições". Bento XVI dirigiu seu olhar também
para a África subsaariana, onde muitos países são martirizados pela guerra.
O
Pontífice indicou particularmente o Chifre da África, o leste da República Democrática
do Congo, o Mali e a República Centro-Africana. Dedicou também um pensamento particular
à Nigéria, "teatro de atentados terroristas que fazem vítimas", sobretudo, entre os
"cristãos reunidos em oração", quase como se o ódio quisesse "transformar templos
de oração e de paz em iguais centros de medo e de divisão".
O Papa disse ter
sentido grande tristeza ao tomar conhecimento que também no Natal fiéis cristãos nigerianos
foram "barbaramente assassinados". Em seguida, reiterou que a "construção da paz passa
pela tutela do homem e dos seus direitos fundamentais". Dentre estes direitos, recordou,
figura em "primeiro plano o respeito pela vida humana em todas as suas fases".
A
esse propósito, o Pontífice disse alegrar-se "com a Resolução da Assembléia Parlamentar
do Conselho da Europa que, em janeiro do ano passado, pediu a proibição da eutanásia,
entendida como a morte voluntária, por ação ou omissão, de um ser humano em condições
de dependência".
Ao mesmo tempo, Bento XVI disse ver com tristeza que em vários
países, mesmo de tradição cristã, se procurou introduzir ou ampliar legislações que
despenalizam o aborto:
"O aborto direto, ou seja, querido como um fim ou como
um meio – disse –, é gravemente contrário à lei moral." Ao dizer isto, acrescentou,
a Igreja Católica "não pretende faltar de compreensão e benevolência nomeadamente
para com a mãe"; trata-se, antes, de "velar para que a lei não chegue a alterar, injustamente,
o equilíbrio entre o igual direito à vida que possuem tanto a mãe como o filho nascituro".
E
observou que, sobretudo no Ocidente, circulam "numerosos equívocos sobre o significado
dos direitos humanos e seus correlativos deveres. Não é raro o caso de se confundir
os direitos com manifestações exacerbadas de autonomia da pessoa, que se torna auto-referencial,
deixando de estar aberta ao encontro com Deus e com os outros para se fechar sobre
si mesma buscando satisfazer as suas próprias carências; ao passo que a defesa dos
direitos, para ser autêntica, deve ao invés considerar o homem na sua integridade
pessoal e comunitária".
O Santo Padre reservou a parte final de seu discurso
para tratar da crise econômica e financeira que atinge muitos países.
"Esta
desenvolveu-se porque, com muita frequência, foi absolutizado o lucro em detrimento
do trabalho, e se aventuraram desenfreadamente pelos trilhos da economia financeira
em vez da real."
"Por isso, é necessário recuperar o sentido do trabalho e
de um lucro que lhe seja proporcionado. Com esta finalidade, há que educar para resistir
à tentação dos interesses particulares e a curto prazo, orientando-se antes na direção
do bem comum. Além disso, é urgente formar os líderes que hão de guiar, no futuro,
as instituições públicas nacionais e internacionais."
A própria União Europeia
– continuou – "precisa de Representantes clarividentes e qualificados para realizar
as opções difíceis que são necessárias a fim de sanar a sua economia e colocar bases
sólidas para o seu progresso". E advertiu: "Sozinhos, alguns países talvez caminhassem
mais rápido; mas, juntos, todos chegarão certamente mais longe!".
"Se é uma
preocupação o índice diferencial entre as taxas financeiras, deveriam suscitar indignação
as crescentes diferenças entre poucos, cada vez mais ricos, e muitos, irremediavelmente
pobres. Em suma, trata-se de não se resignar com a «contração do bem-estar social»,
enquanto se combate a contração financeira."
Em seguida, Bento XVI exortou
a investir na educação dos países em desenvolvimento:
"Investir em educação
nos países em vias de desenvolvimento da África, Ásia e América Latina significa ajudá-los
a vencer a pobreza e as doenças, bem como a realizar sistemas legais equitativos e
respeitadores da dignidade humana. É claro que, para implementar a justiça, não bastam
bons modelos econômicos, embora sejam necessários. A justiça só se realiza, se houver
pessoas justas!"
Por isso – continuou –, "construir a paz significa educar
os indivíduos para combaterem a corrupção, a criminalidade, a produção e o tráfico
da droga, bem como para evitar divisões e tensões, que põem em risco o tecido da sociedade,
dificultando o seu desenvolvimento e a convivência pacífica".
O Papa acrescentou
que "a paz social é posta em perigo também por alguns atentados à liberdade religiosa:
trata-se, umas vezes, de marginalização da religião na vida social, outras, de intolerância
ou mesmo de violência contra pessoas, símbolos identificadores e instituições religiosas.
Acontece também que os crentes – e os cristãos em particular – se vejam impedidos
de contribuir para o bem comum com as suas instituições educativas e de assistência
social".
O Pontífice afirmou, ainda, que "num mundo de fronteiras cada vez
mais abertas, construir a paz através do diálogo não é uma opção, mas uma necessidade!".
(RL)