Papa à Cúria Romana: "Na defesa da família está em jogo o ser humano"
Cidade do Vaticano (RV) - Família e diálogo foram os dois temas fundamentais
do denso e significativo discurso proferido, nesta sexta-feira, na Sala Clementina,
no Vaticano, por Bento XVI à Cúria Romana, por ocasião das felicitações natalinas.
Em
seu discurso, o Papa recordou os momentos salientes deste ano, como as viagens internacionais
ao México, Cuba e Líbano, o encontro Mundial das Famílias em Milão, o Sínodo dos Bispos
sobre a Nova Evangelização e o Ano da Fé, no 50° aniversário de abertura do Concílio
Vaticano II.
"Assim se tornou evidente que, na questão da família, não está
em jogo meramente uma determinada forma social, mas o próprio homem: está em questão
o que é o homem e o que é preciso fazer para ser justamente homem" - disse o Papa.
O
Santo Padre destacou que a Igreja não está sozinha em defender a família e chamou
a atenção para a nova filosofia da sexualidade, segunda a qual "o sexo não é um dado
originário da natureza, mas uma função social que cada qual decide autonomamente".
"Salta
aos olhos a profunda falsidade desta teoria e da revolução antropológica que lhe está
subjacente. O homem contesta o fato de possuir uma natureza pré-constituída pela sua
corporeidade, que caracteriza o ser humano. Nega a sua própria natureza, decidindo
que esta não lhe é dada como um fato pré-constituído, mas é ele próprio quem a cria.
De acordo com a narração bíblica da criação, pertence à essência da criatura humana
ter sido criada por Deus como homem ou como mulher" - sublinhou Bento XVI.
"Esta
dualidade é essencial para o ser humano, como Deus o fez. Se, porém, não há a dualidade
de homem e mulher como um dado da criação, então deixa de existir também a família
como realidade pré-estabelecida pela criação. Mas, em tal caso, também a prole perdeu
o lugar que até agora lhe competia, e a dignidade particular que lhe é própria; de
sujeito jurídico que era com direito próprio, passa agora necessariamente a objeto,
ao qual se tem direito e que, como objeto de um direito, se pode adquirir" - disse
ainda o pontífice.
"Onde a liberdade do fazer se torna liberdade de fazer-se
por si mesmo, chega-se necessariamente a negar o próprio Criador; e, consequentemente,
o próprio homem como criatura de Deus, como imagem de Deus, é degradado na essência
do seu ser. Na luta pela família, está em jogo o próprio homem. E torna-se evidente
que, onde Deus é negado, dissolve-se também a dignidade do homem. Quem defende Deus,
defende o homem" - ressaltou.
Em relação ao diálogo, o Papa frisou que ele
deve seguir três níveis: com os Estados, a sociedade e as religiões. "Nesses diálogos,
a Igreja fala a partir da luz da fé. Ao mesmo tempo encarna a memória da humanidade,
das experiências e sofrimentos da humanidade", disse o Santo Padre, acrescentando:
"A Igreja representa a memória do que é ser homem defronte a uma civilização do esquecimento
que já só se conhece a si mesma e só reconhece o próprio critério de medição. Mas,
assim como uma pessoa sem memória perdeu a sua identidade, assim também uma humanidade
sem memória perderia a própria identidade."
No diálogo com a sociedade, "naturalmente
a Igreja não tem soluções prontas para as diversas questões, mas unida às outras forças
sociais, lutará pelas respostas que melhor correspondam à justa medida do ser humano.
Aquilo que ela identificou como valores fundamentais, constitutivos e não negociáveis
da existência humana, deve defendê-lo com a máxima clareza. Deve fazer todo o possível
por criar uma convicção que possa depois traduzir-se em ação política" - destacou
o pontífice.
Falando sobre o diálogo com as religiões, sublinhou que esta "é
uma condição necessária para a paz no mundo. É um dever para os cristãos bem como
para as outras crenças religiosas. Para este fim, é necessário fazer da responsabilidade
comum pela justiça e a paz o critério basilar do diálogo. Sim, o diálogo não visa
à conversão, mas uma melhor compreensão recíproca. Contudo a busca de conhecimento
e compreensão sempre pretende ser também uma aproximação da verdade".
"Não
somos nós que possuímos a verdade, mas é ela que nos possui: Cristo, que é a Verdade,
tomou-nos pela mão e, no caminho da nossa busca apaixonada de conhecimento, sabemos
que a sua mão nos sustenta firmemente. O fato de sermos interiormente sustentados
pela mão de Cristo torna-nos simultaneamente livres e seguros" - ressaltou Bento XVI.
O
Papa concluiu seu discurso com uma oração e um desejo ligado ao Mistério do Natal.
"No final do ano, disse ele, peçamos ao Senhor para que a Igreja, não obstante suas
pobrezas, se torne cada vez mais reconhecível como a casa de Jesus." (MJ)