Ameaçado, Dom Pedro Casaldáliga está sob proteção policial
Barcelona (RV) – A sobrinha do bispo espanhol Pedro Casaldáliga Plá - que foi
obrigado a deixar São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, por causa das ameaças relacionadas
ao seu trabalho a favor dos índios xavantes -, afirmou neste domingo que seu tio passa
"bem, mas segue preocupado com a situação".
Em entrevista à Rádio "Catalunha",
Glória Casaldáliga, declarou que o bispo, de 84 anos e que sofre de Parkinson, decidiu
deixar sua casa no Brasil "não só por causa de sua segurança, mas também pela das
pessoas que viviam na mesma".
Glória Casaldáliga falou com seu tio na tarde
de ontem por telefone e assinalou que, apesar das circunstâncias que o forçaram a
deixar sua residência, o encontrou "bem e tranquilo". A sobrinha do bispo acrescentou
que seu tio deseja que "esta situação acabe o quanto antes" e que também tem "muitas
vontade de voltar a sua casa de São Felix com 'os seus'". Pedro Casaldáliga deixou
a aldeia de São Félix do Araguaia devido a um recrudescimento das ameaças que recebe
há anos por seu trabalho a favor dos índios xavantes, disseram à Agência Efe fontes
de uma organização indigenista.
"Dom Pedro tem certeza", resumiu um porta-voz
do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que se recusou a dizer para onde Casaldáliga
foi levado. Segundo ele, o bispo espanhol está em um lugar protegido pela Polícia
Federal. O Cimi denunciou que as ameaças se redobraram nas últimas semanas, aparentemente
devido à iminente decisão de um tribunal que, segundo fontes judiciais, tende a se
mostrar a favor dos índios xavantes em um processo de propriedade de terras, situadas
próximas a São Félix do Araguaia.
Dom Casaldáliga, que chegou a esse remoto
município de Mato Grosso em 1968, sempre esteve ao lado dos xavantes. Nascido em Balsareny,
em Barcelona, Casadáliga chegou à Amazônia após ter passado sete anos como missionário
na Guiné Equatorial.
Reproduzimos abaixo nota de solidariedade publicada
pela Comissão Pastoral da Terra:
Ao se aproximar a desintrusão da Terra Indígena
Marãiwatsèdè, uma das pessoas mais visadas pelos invasores é o bispo emérito de São
Félix do Araguaia, a quem estão querendo imputar a responsabilidade pela demarcação
da área Xavante
Ao se aproximar a desintrusão da Terra Indígena Marãiwatsèdè,
após mais de 20 anos de invasão, quando os não-indígenas estão para ser retirados
desta área, multiplicam-se as manifestações de fazendeiros, políticos e dos próprios
meios de comunicação contra a ação da justiça.
Neste momento de desespero,
uma das pessoas mais visadas pelos invasores e pelos que os defendem é Dom Pedro Casaldáliga,
bispo emérito de São Félix do Araguaia, a quem estão querendo, irresponsável e inescrupulosamente,
imputar a responsabilidade pela demarcação da área Xavante nas terras do Posto da
Mata.
As entidades que assinam esta nota querem externar sua mais irrestrita
solidariedade a Dom Pedro. Desde o momento em que pisou este chão do Araguaia e mais
precisamente, desde a hora em que foi sagrado bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia,
sua ação sempre se pautou na defesa dos interesses dos mais pobres, os povos indígenas,
os posseiros e os peões. Todos sabem que Dom Pedro e a Prelazia sempre deram apoio
a todas as ocupações de terra pelos posseiros e sem terra e como estas ocupações foram
o suporte que possibilitou a criação da maior parte dos municípios da região.
Em
relação à terra indígena Marãiwatsèdè, dos Xavante, os primeiros moradores da região
nas décadas de 1930, 40 e 50 são testemunhas da presença dos indígenas na região e
como eles perambulavam por toda ela. Foi com a chegada das empresas agropecuárias,
na década de 1960, com apoio do governo militar, que a Suiá Missu se estabeleceu nas
proximidades de uma das aldeias e até mesmo conseguiu o apoio do Serviço de Proteção
ao Indio para se ver livre da presença dos indígenas. A imprensa nacional noticiou
a retirada de 289 xavante da região os quais foram transportados em aviões da FAB,
em 1966, para a aldeia de São Marcos, no município de Barra do Garças.
Em 1992,
a AGIP, empresa italiana que tinha comprado a Suiá Missu das mãos da família Ometto,
quis se desfazer destas terras. Por ocasião da ECO-92, sob pressão inclusive internacional,
a empresa destinou 165.000 hectares para os Xavante que, durante todo este tempo,
sonhavam em voltar à terra de onde tinham sido arrancados. Imediatamente fazendeiros
e políticos da região fizeram uma grande campanha para ocupar a área que fora reservada
aos Xavantes, precisamente para impedir que os mesmos retornassem. Já no dia 20 de
junho de 1992, algumas áreas tinham sido ocupadas e foi feita uma reunião no Posto
da Mata, da qual participaram políticos de São Félix do Araguaia e de Alto Boa Vista
e também havia repórteres. A reunião foi toda gravada. As falas deixam mais do que
claro que a invasão da área era exatamente para impedir a volta dos Xavantes. “Se
a população achou por bem tomar conta dessa terra em vez de dá-la para os índios,
nós temos que dar esse respaldo para o povo” (José Antônio de Almeida – Bau, prefeito
de São Félix do Araguaia). “A finalidade dessa reunião é tentarmos organizar mais
os posseiros que estão dentro da área… Se for colocar índio no seu habitat natural,
tem que mandar índio lá para Jacareacanga, ou Amazonas, ou Pará…” (Osmar Kalil – Mazim,
candidato a prefeito do Alto Boa Vista). “Nós ajudamos até todos os posseiros daqui
serem localizados… Chegou a um ponto, ou nós ou eles (os Xavante) porque nós temos
o direito… Dizer que aqui tem muito índio? Aqueles que estão preocupados com os índios
que tem que assentar. Tem um monte de país que não tem índio. Pode levar a metade…
Na Itália tem índio? Não, não tem! Leva! Leva pra lá! Carrega pra lá! Agora, não vem
jogar em nós, não… (Filemon Costa Limoeiro, à época funcionário do Fórum de São Félix
do Araguaia)
A área reservada aos Xavantes foi toda ocupada por fazendeiros,
políticos e comerciantes. Muitos pequenos foram incentivados e apoiados a ocupar algumas
pequenas áreas para dar cobertura aos grandes. O governo da República, porém estava
agindo e logo, em 1993, declarou a área como Terra Indígena que foi demarcada e,
em 1998 homologada pelo presidente FHC. Só agora é que a justiça está reconhecendo
de maneira definitiva o direito maior dos índios. O que D. Pedro sempre pediu, em
relação a esta terra, foi que os pequenos que entraram enganados, fossem assentados
em outras terras da Reforma Agrária. Mas o que se vê é que, ontem como hoje, os pequenos
continuam sendo massa de manobra nas mãos dos grandes e dos políticos na tentativa
de não se garantir aos povos indígenas um direito que lhes é reconhecido pela Constituição
Brasileira.
Mais uma vez, queremos manifestar nossa solidariedade a Dom Pedro
e denunciar mais esta mentira de parte daqueles que tentam eximir-se da sua responsabilidade
sobre a situação de sofrimento, tensão e ameaça de violência que eles mesmos criaram,
jogando esta responsabilidade sobre os ombros de nosso bispo emérito.