Meditação teológica: o livro de Bento XVI sobre a infância de Jesus
Rio de Janeiro (RV*) - Ao começar o Advento, a Igreja e a sociedade recebem
o livro escrito por Bento XVI sobre a infância de Jesus. Trata-se de uma meditação
teológica. Ninguém poderá lê-lo sem entrar no ritmo de oração que o atravessa do início
ao fim e que convida a contemplar o Mistério de Jesus de Nazaré, filho de Maria e
filho de Deus, salvador e redentor do mundo.
A intenção do autor não é tanto
comentar, com erudição e estilo refinado, os fatos do passado, mas sim conduzir o
leitor em direção a uma atualização da mensagem de salvação que os Evangelhos da infância
de Cristo trazem e revelam. Alguns pontos são extremamente significativos no texto.
O
tema da origem de Jesus aparece como inseparável da revelação feita a Israel, da
qual Jesus é a culminância. Deste modo, o Papa demonstra com clareza a importância
da Bíblia judaica e do povo de Israel, no seio do qual nasceu o Salvador. Todo o desenvolvimento
do mistério da encarnação, vida, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré acontecerá
em continuidade com a revelação feita ao povo de Deus através da boca dos profetas
e que se exprime na espera do Messias. De outro lado, o texto demonstra que a genealogia
de Jesus apresenta um novo início, em Maria, com a qual termina e é relativizada toda
a genealogia.
A humilde moça de Nazaré, Maria, prometida a um homem justo
de nome José, é portanto aquela na qual advém um novo início para a humanidade. Nova
Eva, é nela que o fato de ser uma pessoa humana recomeça de modo novo. A raiz última
e definitiva daquilo que encarna a presença de Deus no mundo se encontra “no alto”,
em Deus que está na origem de todo ser. E também no corpo fecundo de Maria de Nazaré.
O
livro abre diante do leitor a afirmação, bela e surpreendente ao mesmo tempo, de que
em Jesus a humanidade recomeça. A genealogia descrita nos Evangelhos exprime, de
fato, uma promessa que não diz respeito somente à família ou ao povo no qual Jesus
nascerá, mas à humanidade inteira. Jesus assume em si toda a humanidade, toda a história
da humanidade, e “lhe dá um novo giro, decisivo, em direção a um novo ser pessoa humana”.
A
origem de Jesus se torna, então, a origem de todo homem e toda mulher que vem ao mundo.
Sua origem é nossa origem. E Bento XVI o reafirma: nossa verdadeira “genealogia”
é a fé em Jesus, que nos faz nascer “de Deus”.
Maria aparece ressaltando
em sua pessoa as atitudes próprias do crente frente ao fato único da presença de Deus
que se aproxima e se propõe. É à sua liberdade de pessoa, de mulher, de crente, que
se dirige a saudação do anjo, que a chama “cheia de graça” e a convida a alegrar-se.
Maria
dá uma resposta livre e confiante, mas não irracional. Interpelada pelo anúncio do
anjo, Maria procura compreender e permanece senhora de si. E esta escuta honesta
e obediente leva ao “sim” incondicionado daquela que se declara “a serva do Senhor”.
Maria não conhece o futuro, mas conhece o seu Deus e não tem medo, crendo na palavra
do anjo que lhe disse: “Não temas”.
Parece-me extremamente importante que
Bento XVI, após haver apresentado o anúncio a Maria, dê grande relevo também ao
anúncio feito a José justo, fiel, crente, que “na lei do Senhor encontra sua alegria”,
para o qual a lei “se torna espontaneamente ´evangelho´, boa notícia”, e que recebe
também o anúncio do anjo, mas em sonho.
A Maria e a José o anjo diz não
ter medo. O anúncio é dom e também tarefa. Acolhendo-o, José se fará cargo do menino
que nascerá da mulher que ama e que não lhe pertence. Ele o amará e o protegerá e
o chamará Jesus.
Graças à obediência livre de Maria, sustentada pela de José,
tem então lugar na história a nova criação. Evento universal, que, no entanto, se
dá, muito concretamente como diz o Autor, em “um tempo exatamente datável” e em “um
ambiente geográfico exatamente indicado: o universal e o concreto se tocam de perto.“
Chegando
ao capítulo no qual propõe a reflexão sobre o nascimento de Jesus, o Papa chama a
atenção sobre o fato de que Jesus nasce em um espaço “outro”, porque não havia espaço
para ele. Por este motivo, sua mãe o acomoda em uma manjedoura. Bento XVI, com grande
sensibilidade, faz notar: “Para o Salvador do mundo, para Aquele em vista do qual
todas as coisas foram criadas (cf. Col 1,16), não há lugar”. Deste modo, o Papa sublinha
o mistério da pessoa de Jesus, portador de uma certa contradição: é o impotente, o
sem lugar, e no entanto é Ele o verdadeiro poderoso; apresenta-se como um menino indefeso,
mas neste menino repousa a salvação do mundo inteiro.
Os capítulos seguintes
mostram o menino crescendo em sabedoria e graça. É obediente a seus pais, mas não
hesita em colocar em primeiro lugar a obediência a Deus, a quem chama de Pai. Sua
liberdade não é “a liberdade do liberal” mas a do Filho. Em sua pessoa se conciliam
liberdade e obediência.
O Santo Padre termina seu livro sublinhando a verdadeira
humanidade de Jesus: “Enquanto homem, Ele não vive em uma abstrata onisciência, mas
se radica em uma história concreta, em um lugar e um tempo, nas várias fases da vida
humana, e daí recebe a forma concreta do seu saber. Assim aparece aqui, de um modo
muito claro, que Ele pensou e aprendeu de maneira humana.
Àquele que é
verdadeiro homem e verdadeiro Deus, o Papa nos convida então, através de seu livro,
a abrir um espaço. Preparando-nos para celebrar a grande festa do Natal, este livro
pode ajudar em modo muito profundo a abrir em nós um espaço, a fim de que o Salvador
possa nascer e manifestar-se em um mundo como o nosso, que tanto necessita de seu
Evangelho. *Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia
da PUC-Rio