Bispos de Moçambique convidam a "Salvaguardar a Vida Humana”
A Conferência Episcopal de Moçambique (CEM) publicou recentemente uma Carta Pastoral
sob o título “Salvaguardar a Vida Humana”. O documento, com data de 14 de Setembro
de 2012, Festa da Exaltação da Santa Cruz, é dirigido às comunidades cristãs e aos
homens e mulheres de boa vontade, com o premente convite de “não se deixarem guiar
por doutrinas incertas e estranhas”. Os Bispos Católicos de Moçambique escrevem a
Carta para responder a uma solicitação explícita da Comissão Parlamentar dos Assuntos
Constitucionais, Direitos Humanos e Legalidade à Igreja, pedindo o seu parecer nas
matérias em discussão na Assembleia da República para a revisão do Código Penal, nomeadamente
a despenalização e legalização do aborto, o consumo das chamadas “drogas ligeiras”,
a legalização da bigamia, a penalização da mendicidade, da vadiagem e do alcoolismo.
Como pastores e no intuito de preservar a vida humana, os Bispos se sentem
no dever de esclarecer os fiéis através desta exortação pastoral.
O documento
distribui-se por cinco partes, correspondentes aos principais temas abordados: despenalização
e legalização do aborto, consumo das chamadas “drogas ligeiras”, a questão da bigamia,
medidas penais para os crimes considerados hediondos e a penalização da recomendações
e apelos explícitos aos destinatários da carta: moçambicanos em geral, o governo
de Moçambique, os cristãos e os homens e mulheres de boa vontade.
Quanto à
despenalização e legalização do aborto os Bispos observam que o aborto provocado é
um atentado contra a preciosidade da vida, e sublinham que a Igreja católica considera
a despenalização e legalização do aborto uma aberração ética destinada a promover
a prática do desrespeito pela vida alheia. Por tal razão de nenhuma forma a lei deve
permitir a assunção de normas adversas ao bem comum e à integridade do ser humano,
mas sim, desde a sua concepção, o ser humano deve ser respeitado e tratado como pessoa.
Os Bispos sublinham ainda que a vida concebida é um dom de Deus, que não é nem do
pai nem da mãe, mas de um novo ser humano. O documento afirma ainda que a despenalização
do aborto constitui uma aniquilação do património do povo moçambicano que desde sempre
defendeu o precioso tesouro da vida. Além de causar graves prejuízos de saúde e
desequilibro psicológico à mãe e à família, observam os Bispos, a prática directa
do aborto não é só um atentado à vida, mas também um caminho aberto a outras formas
de violência e de homicídio. A luta contra o drama social dos abortos clandestinos
(que justificaria, para alguns, a despenalização do aborto) deve, pelo contrário,
empenhar a todos, e tal luta passa por um planeamento equilibrado da fecundidade,
um apoio decisivo às mulheres para quem a maternidade é difícil, a dissuasão de todos
os que intervêm lateralmente, muitas vezes com meros fins lucrativos. O Estado deve,
pois, salvaguardar e proteger a vida, nascida ou ainda por nascer.
No que diz
respeito ao consumo das “drogas “ligeiras os Bispos esclarecem antes de tudo que a
Igreja condena, em princípio, todo uso de drogas, por causa dos efeitos catastróficos
que produz no indivíduo. Porém, se recomenda certo diálogo aberto com a sociedade
para auscultar a sensibilidade popular. Antes de qualquer despenalização, advertem
os Bispos, a Assembleia da República, através da Comissão dos Assuntos Constitucionais,
deveria identificar, clarificar e catalogar as ditas drogas ligeiras, identificar
e inventariar os tipos de usos e costumes ligados com as drogas ligeiras, e indicar
quais as consequências médicas a longo prazo. E, citando a Exortação Apostólica Africae
Munus, os Bispos confirmam a necessidade de “deplorar as devastações da droga e os
abusos do álcool, que destroem o potencial humano do Continente, penalizando sobretudo
os jovens”.
Para os Bispos Católicos de Moçambique a bigamia - acto pelo qual
um homem ou uma mulher contrai um segundo ou ulterior matrimónio sem que se ache legitimamente
dissolvido o anterior - envolve logicamente a poligamia e a poliandria e uma sua adopção
daria, por conseguinte, a possibilidade de cada um, homem ou mulher, ter segundas
núpcias oficiais, formando uma convivência familiar, o que criaria, diz o documento,
famílias depravadas, incongruentes, absurdas e doentias, algo de sociologicamente
inconsistente. Também se observa que a bigamia é uma realidade estranha na sociedade
moçambicana. Por tudo isso, a Igreja é definitivamente contra a bigamia, dizem os
Bispos. Cada um tem o dever de trabalhar no sentido de criar condições favoráveis
à manutenção da unidade e da estabilidade conjugal e familiar e que eliminem tudo
o que possibilita situações de infidelidade, separação, divórcio, poligamia, promiscuidade
e até mesmo a bigamia. Portanto, dada a negatividade moral que a despenalização da
bigamia poderia criar, os bispos acham conveniente que ela continue a ser penalizada.
Deve-se promover a família como núcleo e base fundamental de toda a sociedade.
Sobre
os crimes considerados hediondos, os Bispos estão conscientes do crescente fenómeno
da criminalidade que se regista no país e consideram, portanto, urgente estabelecer
sistemas judiciários e prisionais independentes, para restabelecer a justiça e educar
os culpados, e ao mesmo tempo banir os casos de erro da justiça e os maus tratos dos
prisioneiros, as numerosas ocasiões de não aplicação da lei e as detenções que só
tardiamente ou nunca chegam a um processo. Por hediondos, explicam os Bispos, se entendem
todos aqueles crimes que ofendem a sociedade de forma grave e que a colocam em risco
(p. ex. matar, decepação e tráfico de órgãos humanos, homicídios voluntários, etc.).
As medidas de saneamento propostas são, na opinião dos Bispos, razoáveis, mas maior
preocupação deve estar na regeneração da pessoa humana e na reinserção das vítimas
e transgressores nas respectivas comunidades. Os Bispos recomendam que sejam igualmente
penalizadas as novas modalidades de crimes hediondos, tais como o tráfico de seres
humanos, a pedofilia, os estupros e sequestros.
No quinto e último ponto, os
Bispos enfrentam a questão da penalização da mendicidade, da vadiagem e do alcoolismo.
Neste ponto se sublinha sobretudo o valor do trabalho, indispensável para o crescimento
do homem e para ele dominar a terra. Mendicidade, vadiagem e alcoolismo são considerados,
no documento, um mal social, frequente sobretudo nos centros urbanos, e são, não raras
vezes, também fruto da falta de ocupação. Para eliminá-los deve-se, portanto, lutar
contra o desemprego.
Quanto à mendicidade os Bispos apelam para que o Estado
não abdique do seu papel educativo directo ou indirecto, com o apoio da sociedade
civil, para que os mendigos sejam colocados em actividades produtivas, e ao mesmo
tempo se criem condições de sobrevivência para os que são verdadeiramente pobres.
No
tocante à vadiagem, os Bispos notam uma certa fuga da responsabilidade por parte do
Estado na re-socialização e reeducação dos vadios e mendigos. Deve-se, pelo contrário,
criar condições para que eles sejam úteis à sociedade mediante alguns trabalhos, em
vez da simples privação da liberdade.
E quanto, enfim, ao alcoolismo, os Bispos
sublinham que a Igreja o condena claramente mas o Estado deve estabelecer locais adequados
para a venda de bebidas alcoólicas. As medidas a tomar neste campo devem ser sérias,
optando-se sempre por trabalhos de rendimento público em vez das prisões. Em todo
caso, concluem os Bispos, o álcool deveria ser regulado por lei: idade legal dos consumidores
e vendedores, proibição do álcool nos locais de serviço e lugares públicos não recreativos,
proibição da presença de indivíduos embriagados nos lugares públicos.
Na conclusão
do documento os Bispos louvam, antes de tudo, a Assembleia da República por ter decidido
rever o Código Penal e o Código do Processo Penal, para actualizar a lei em conformidade
com a realidade de hoje.
E a Carta termina com apelos e recomendações aos
destinatários em vista: antes de tudo a todos os moçambicanos, para que se empenhem
na construção de uma nação cada vez mais justa, honesta e harmoniosa, e que paute
pelo civismo e respeito pela vida e dignidade da pessoa humana; em seguida, um apelo
ao governo para que não assuma nem implemente soluções promovidas por pessoas alheias
à cultura moçambicana, soluções impostas de fora e contrárias à lei moral e que, sobretudo,
evite soluções técnicas que trazem, sim, ao homem vantagens materiais mas que são
opostas à sua natureza espiritual e verdadeiro progresso; outro apelo é dirigido directamente
aos cristãos, para que não participem na campanha por uma lei contrária ao bem comum
nem dêem seu voto para a sua aplicação, mas que evitem sempre pactuar com a cultura
da morte. Os cristãos devem sempre pautar pela transparência e honestidade de vida,
iluminados pelos valores evangélicos; e por último, vai também um apelo aos homens
e mulheres de boa vontade para que dêem a sua incansável e afável colaboração na edificação
duma sociedade cada vez mais humana, onde reinam o respeito, a igualdade de direitos
e deveres, a harmonia e a justiça.