"É a comunidade cristã que gera vida cristã, e cultura cristã: D. Manuel Clemente,
bispo do Porto, sobre o Sínodo
É um balanço francamente
positivo o que faz D. Manuel Clemente, bispo do Porto, Portugal, sobre os trabalhos
do Sínodo.
"São impressões muito positivas. Em primeiro lugar de muito
respeito pela contribuição dos elementos dos diversos continentes porque todos estes
bispos estão ali com muita seriedade, também não seria de esperar outra coisa. Mas,
com uma posição muito verificada por aquilo que é a sua vida, por aquilo que são os
seus trabalhos, por aquilo que são as suas preocupações ... é uma coisa a sério. Repito,
nãp seria de esperar outra coisa mas sobressai muito essa noção. Depois o ambiente
também é muito bom representantes de todo o episcopado mundial, com apresentações
de congregações, movimentos, leigos, tudo isso faz deste sínodo uma belíssima experiência
de eclesialidade no sentido mais comprometido e prático do termo. Isto como impressão
geral.
Depois como se dá a todos a oportunidade para falar,
embora sejam só cinco minutos ... nós vamos tendo dia após dia, pois os dias são muito
cheios, porque os trabalhos começam às nove da manhã e depois com pausa para o almoço
prolongam-se até às sete ou mais da tarde, dá oportunidade para que cada um se expresse
num sentido mais local e com visões mais largas acerca so tema da nova evangelização.
Há algumas coisas que são comuns,por exemplo no que diz respeito à globalização e
uma certa generalização de sentimentos, que por vezes aqui na Europa julgamos que
são mais nossos, mas que afinal também são sentidos na Ásia ou na África ou nas Américas,
uma conceção muito secularista da vida, uma falta de horizonte religioso no sentido
em que nós o entendemos, muito individualismo no salve-se quem puder ou apanho o que
puder apanhar. Enfim, essas coisas, estamos habituados a ouví-las sobretudo no Ocidente
mas aparecem um pouco por todo o lado.
Em termos prospectivos,
por onde possa andar a nova evangelização, tem sido acentuado, insistentemente mesmo,
a necessidade da experiência comunitária dos cristãos, ou seja, que para além das
paróquias e outras organizações mais vastas, que em alguns sítios envolvem dezenas
de milhares de pessoas, seja proporcionado aos cristãos terem meios mais pequenos
de partilha da palavra, de experiência da caridade, de ajuda mútua, de uma iniciação
concreta na vida cristã. E esse é um dos outros temas que tem aparecido, o da iniciação
cristã e da forma como ela se faz. E até tem surgido recorrentemente, é um ponto curioso,
a questão dos sacramentos da iniciação cristã e da legitimidade ou não legitimidade
ou da conveniência ou não de se manter um esquema, recentemente muito divulgado, de
se postergar o crisma para a juventude ou até já para a idade adulta. Isto tem sido
colocado em causa, com prós e contras, mas demonstra que a questão da iniciação cristã
está muito ao vivo e é tido como uma das alíneas principais do que possa ser uma nova
evengelização.
A minha intervenção situou-se na comunidade cristã.
Nós nitidamente a consciência, pelo menos na Europa, e no nosso caso Portugal e até
portuense de que as comunidades cristãs tradicionais que eram aquelas com famílias
estabilizadas até intergeracionais com avós etc, e depois a própria vida das comunidades
concretas, as paróquias em que as pessoas faziam a sua catequese e depois persistiam
na prática cristã, isto hoje não é bem assim. AInda subsiste em alguns casos, mas
há uma grande mobilidade, pelo êxodo do campo para a cidade mas também pelas questões
do trabalho, procura do trabalho e pela falta dele e, portanto, faz com que as pessoas
fiquem muito desintegradas comunitariamente. Nós sabemos que essa integração comunitária
era também cultural as pessoas sentiam-se ali em sua casa, como acontecia com os nossos
emigrantes que às vezes não tinham muitas ocasiões de praticar, nos países onde iam
trabalhar, mas quando vinham à terra tudo aquilo praticava e até queriam tudo por
atacado...tudo aquilo que não faziam durante o ano.. Mas hoje isto não é bem assim...
As pessoas já não sabem de que terra são porque já são de muitas ao mesmo tempo. Isso
faz com que a reconfiguração comunitária seja, na minha opinião, que não é só minha,
é a opinião de muita gente que tem aparecido aqui no sínodo, um problema fortíssimo
para a nova evangelização. Porque sem haver uma base como é que as pessoas têm um
contacto vivo com o Evangelho, com Cristo que está presente no seu corpo que é a Igreja,
como que isto acontece, para que isto não sejam frases bonitas mas experiências reais
em que as pessoas se sintam ligadas, em que as pessoas cresçam. O que é hoje a comunidade
cristã?
Aqui no sínodo não há a pretensão de se resolver tudo´,
mas só o facto de se falar já ajuda. Esta insistência que tem surgido em de, certa
maneira, repartir as nossas comunidades por outras pequenas comunidades, retomando
aliás uma ideia que vem do Sínodo de 85 em que se dizia que as paróquias se deveriam
tornar em comunidades de comunidades, com a prevalência das famílias, e até o papel
apostólico das famílias junto dos seus vizinhos, isso está aí a aparecer muito e já
é um princípio de resposta a este ponto. Porque, às vezes, quando se fala de nova
evangelização incide-se sobretudo no seu aspeto cultural e até de alta cultura, expressão
que já aqui apareceu também, ou seja, o diálogo com os intelectuais o chamado Átrio
dos Gentios agora. Isso está bem. Mas, o facto é que uma cultura cristã cultiva-se
numa comunidade cristã. Não aparece porque alguém isoladamente se põe a pensar. É
a comunidade cristã que gera vida cristã e que gera cultura cristã. Porque a cultura
nasce da convivência foi sempre assim, e eu na minha comunicação até tive ocasião
de lembrar que os grandes momentos de impacto cultural do cristianismo estão sempre
ligados a experiências comunitárias que foram inovadoras para a sua época. Nós falamos
muito dos padres da igreja, da patrística dos primeiros autores daqueles tempos, foram
efectivamente marcantes. Mas nós vamos reparar que os agostinhos, que os basílios,
que os crisóstomos, que os leãos magnos, toda essa gente está ligada a comunidades,
são bispos. O Agostinho durante praticamente mais de 30 anos todos os dias pregou
na sua Igreja de Santa Maria lá em Ippona e outras vezes em Cartago. A pregação e
as ideias surgem da vida comunitária e sem este humus comunitário...Os monges da Idade
Média dizemos sempre que eles é que transmitiram a cultura clássica, os mosteiros,
mas eram os mosteiros...As universidades nasceram nos claustros... Sem haver um suporte
comunitário é muito complicado haver uma cultura. E qual o nosso suporte comunitário
hoje? Não sabemos...O que foi já não funciona assim ... e o que vai ser andamos à
procura".