Cardeal Ruini: não se deve confundir atualidade com conformismo, a Igreja indica o
caminho do futuro
Cidade do Vaticano (RV) - Uma tentativa "de tornar acessível a muitos, àqueles
que creem e que não creem, a questão de Deus no contexto da cultura de hoje", para
"indicar os motivos pelo quais acreditar que Deus existe e que se interessa por nós,
nos ama e nos salva".
Com essas palavras, o vigário emérito do Papa para a
Diocese de Roma, Cardeal Camilo Ruini, define a sua "Entrevista sobre Deus", livro
escrito com o jornalista Andrea Galli – de Avvenire, jornal da Conferência
Episcopal Italiana –, publicado nestes dias pela editora Mondadori. No volume fala-se
também sobre o crer na Igreja.
A Rádio Vaticano ouviu o purpurado pedindo-lhe
uma reflexão sobre a Igreja tomando como ponto de partida a última entrevista concedida
pelo Cardeal Carlo Maria Martini, na qual o saudoso arcebispo emérito de Milão fala
de uma Igreja nitidamente atrasada no tempo. Eis a resposta do Cardeal Ruini:
Cardeal
Camilo Ruini:- "Creio que haja uma parte de verdade nesta afirmação sobre o atraso
da Igreja. Parte de verdade que foi evidenciada pelo Concílio Vaticano II, que quis
remediar – e a meu ver, substancialmente, remediou – esse atraso e que podemos interpretar
assim. No final do Renascimento, com o nascimento das ciências modernas e também com
a fratura religiosa na Europa entre católicos e protestantes, por várias razões a
Igreja teve dificuldade em manter o passo com os tempos que mudavam e se criou uma
atitude antimoderna na Igreja, segundo a qual aquilo que era moderno era visto como
negativo. O Concílio Vaticano II, não por acaso, mas após toda a preparação que tinha
sido feita, mudou radicalmente esse juízo, dizendo: "Não, a Igreja é envida em todos
os tempos e a Igreja deve responder às perguntas e às exigências de todos os tempos",
e num certo sentido indicava o caminho do futuro. Recordo-me bem do discurso de João
Paulo II em Loreto, em 1985, quando dizia que o cristianismo deve recomeçar e continuar
indicando o caminho do futuro. E esse é um desafio também hoje. Não sou tão pessimista
sobre o atraso da Igreja, são desafios e são difíceis mesmo porque o tempo de hoje
é o tempo da mutação em que tudo se transforma, e nós não podemos simplesmente adequar-nos
à mudança."
RV: Devemos construí-la, possivelmente...
Cardeal
Camilo Ruini:- "Não somente, temos algo que vai além da mudança, que é Deus, que
é Jesus Cristo, que deve inspirar-nos também no âmbito da mudança. Ademais, existe
outra "desatualização" da Igreja, que diz respeito também a Pedro e Paulo, e até mesmo
a Jesus Cristo. Como se sabe, Jesus Cristo morreu na cruz, isso significa que não
era considerado tão atual, tão na moda, tão bem visto, e como se sabe, o cristianismo,
para afirmar-se, precisou de três séculos, nos quais foi perseguido, e no Séc. XX
e também agora, infelizmente, no início do nosso século, por vários razões, o cristianismo
é novamente muito perseguido em muitas partes do mundo. Antes o foi pelo comunismo,
agora por outras tendências. Ora, essa "desatualização" é perene no cristianismo.
Por quê? Porque o cristianismo jamais foi adequação ao tempo. Dou um exemplo. Quando
do mundo judaico o cristianismo entrou no mundo greco-romano pretendeu uma mudança
radical dos costumes. O cristianismo disse basta a muitas coisas, a começar do divórcio,
do aborto – dos quais se fala também hoje, que no mundo greco-romano eram muito praticados,
como a infidelidade conjugal – e precisou de séculos para convencer as pessoas que
– mesmo o homem permanecendo pecador – ao menos em linha de princípio era melhor mudar
de vida. E deve fazer isso sempre. Assim fez com os povos bárbaros: quando os povos
bárbaros se converteram ao cristianismo, não disse "muito bem, continuem como antes",
mas "mudem os seus costumes". E deve fazer isso também hoje. Portanto, há, de um lado,
a necessidade de ser atuais, de responder às perguntas de hoje; por outro lado, não
se deve confundir a atualidade com o conformismo: conformar-se às questões de hoje,
às modas de hoje." (RL)