Rio de Janeiro (RV) - *A cada domingo, a Palavra de Deus nos ilumina para que
possamos entrar numa séria vida de conversão para que, acolhendo a graça de Deus,
sermos sinais da vitória do Ressuscitado. Também neste XXV Domingo do Tempo Comum.
“A sabedoria que vem do alto é, antes de tudo, pura, depois pacifica, é modesta, conciliadora,
cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade e sem fingimento” (Tg 3,
16). Quem ouve e reza a Palavra de Deus sabe reconhecer em Jesus Cristo o verdadeiro
servidor dos mais necessitados. Este ensinamento Ele nos deixa como legado, ou seja:
servir. E nós temos a missão de proclamar que a Igreja é serviço em todos os âmbitos.
O cristão não deve ficar disputando lugares ou honrarias. O fiel batizado deve ser
o último e não atropelar pessoas e/ou etapas para ser o primeiro. A competição deve
ser convertida em doação total de si – serviço: “Se alguém quiser ser o primeiro,
que seja o último de todos e aquele que serve a todos”. (Mc 9, 35) Na Primeira
Leitura deste domingo, o livro da Sabedoria, (Sb 2, 12.17-20) dá uma resposta aos
“materialistas” da época e de hoje, que podemos encontrar em Isaías 22, 13: “comamos
e bebamos, porque amanhã morreremos!” Esta expressão continua sendo repetida desde
o tempo de Isaías até os nossos dias. Trata-se da cultura do materialismo, que prega
em seus pseudo-dogmas a negação da religião, de Deus e da vida futura. Pelo fato de
os israelitas serem fiéis à própria lei, eram perseguidos e zombados por não compactuarem
com o estilo materialista daquela região. Os materialistas consideram um absurdo
acreditar em religião, em Deus e na vida futura. Para eles isso é algo ultrapassado.
Para eles, o fato de existir um grupo de israelitas fiéis à própria lei, os incomodava.
Portanto, perseguiam seus próprios irmãos. Os “ímpios” não conseguem se adaptar
na convivência com o “justo”. Daí decidem: “Armemos ciladas contra o justo... provemo-lo
por ultrajes e torturas... condenemo-lo a uma morte infame”. São palavras dirigidas
aos israelitas que viviam em Alexandria, no Egito. Por isso, um olhar hermenêutico
já nos mostra no horizonte o que acontecerá com Jesus Cristo. Ele também sofreu perseguição
pelos próprios irmãos na fé. O que aconteceu naquela época se repete ainda hoje com
todos que são transparentes em sua justiça e bondade. Já a Segunda Leitura deste
domingo (Tg 3, 16 - 4,3) nos convida a um olhar clarividente e meditativo sobre a
“sabedoria que vem do alto”, diferente da dos homens, muitas vezes sustentada pela
inveja, calúnia e desejo de alimentar as próprias vaidades. A sabedoria divina se
manifesta no homem que ama, acolhe, é misericordioso, se compadece, que compreende
e constrói a paz. São Tiago, na segunda parte desta perícope, apresenta os motivos,
as causas que trazem tantas discórdias tanto entre pessoas como entre as comunidades.
Ele denuncia a ganância, o acúmulo dos bens materiais, que leva à divisão e amargura.
Daí nasce a cultura da dominação e competição, causando uma corrida como que uma maratona
para conquistar os primeiros lugares. Mas os que seguem a “sabedoria que vem do alto”
conseguem eliminar pela raiz a causa de tantas disputas e guerras mesquinhas. O
final do texto mostra a vaidade humana. O homem pede a Deus para que capriche nos
seus interesses particulares: isto é egoísmo. Devemos pedir a Deus a sabedoria e o
discernimento para perceber que nossa maior riqueza é o serviço aos irmãos. O Evangelho
que a liturgia nos convida a refletir neste XXV domingo (Mc 9, 30-37) traz uma continuidade
com o que refletimos no domingo passado: a identidade de Jesus. Jesus sabia que seus
próprios discípulos tinham dificuldade em compreendê-lo. Portanto, ele insiste por
três vezes em tratar de sua verdadeira identidade. É algo sério esta repetição. A
de hoje é a segunda vez. Ele anuncia seu sofrimento, perseguição e morte, porém anuncia
também sua ressurreição. Ao mesmo tempo tenta fazer com que os discípulos se sintam
inseridos neste roteiro, a fim de dar suas próprias vidas. Os discípulos “não entendiam
estas palavras e tinham medo de pedir-lhe explicações” (vv. 30-32). Isso porque talvez
eles imaginassem um Messias com poder temporal. Como, então, aceitar o que Jesus diz:
perseguição e morte! Isto é uma derrota! Eles nem sequer tinham coragem de questionar
Jesus sobre os fatos futuros. Por isso, a segunda parte do Evangelho mostra a pequenez
do pensamento dos discípulos que ficam presos a discussões mesquinhas, disputando
qual deles seria o primeiro. Jesus sabe muito bem o que se passa na mente deles e
declara a posição de cada um: “Se alguém quer ser o primeiro, seja o último de todos
e o servo de todos” (v. 35) Na nossa cultura hodierna, também vemos o culto aos
privilégios, títulos honoríficos, a existência de diferentes classes, a disputa pelas
honrarias e primeiros lugares. Para adquirir uma verdadeira identidade cristã é necessário
despojar-se e viver na simplicidade como uma criança. A comunidade cristã é o “campo”
do amor, da acolhida, da solidariedade e da paz! Jesus sempre demonstrou muita
ternura pelas crianças. “Quem acolhe um destes pequeninos em meu nome, a mim acolhe”
(vv. 36-37). Naquele tempo as mães apresentavam seus filhos para que Jesus os acariciasse:
“Deixai que as crianças venham a mim e não queirais impedi-las, porque o reino do
céu pertence a quem for semelhante a elas”. Com isso Jesus mostra que as crianças
são como que um símbolo dos valores do Reino. Todos, portanto, devem se abrir à cultura
da “leveza”, compreendendo a fragilidade que cerca o ser humano. Com este gesto significativo
de Jesus, Ele ensina aos discípulos a cultura da acolhida aos mais frágeis e marginalizados
e também os sentimentos de simplicidade com que devemos estar revestidos. Sabemos
que uma criança é alguém que depende completamente dos outros, sejam os pais, irmãos
ou quem guarda custódia sobre ela. Daí a ideia de simplicidade. Ser simples para
que, seguindo Jesus saibamos nos colocar sempre como servidores, tendo um coração
de paz que a semeie por onde passa. Isso nos faz sábios e testemunhas do Cristo. Perseguições
sempre tivemos e teremos, o que demonstra estarmos no caminho do Senhor. Eis os
tempos que supõem de nós o aprofundamento da fé para uma nova evangelização de nossa
sociedade em mudança. *† Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo Metropolitano
de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ