Homilia do Santo Padre na missa celebrada em Beirute
Beirute (RV) - Segue, na íntegra, a homilia proferida por Bento XVI, neste
domingo, na missa celebrada no City Center Waterfront de Beirute, no Líbano.
Amados
irmãos e irmãs!
«Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo» (Ef 1,
3). Bendito seja Ele neste dia em que tenho a alegria de me encontrar convosco aqui,
no Líbano, para entregar aos Bispos da região a Exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia
in Medio Oriente. Agradeço cordialmente a Sua Beatitude Béchara Boutros Raï as amáveis
palavras de boas-vindas. Saúdo os outros Patriarcas e os Bispos das Igrejas orientais,
os Bispos latinos das regiões vizinhas bem como os Cardeais e os Bispos vindos doutros
países. Com grande afecto, saúdo a todos vós, queridos irmãos e irmãs do Líbano e
também dos países de toda esta amada região do Médio Oriente, que viestes celebrar,
com o sucessor de Pedro, Jesus Cristo crucificado, morto e ressuscitado. Dirijo também
a minha deferente saudação ao Presidente da República e às Autoridades libanesas,
aos Responsáveis e aos membros das outras tradições religiosas que quiseram estar
aqui nesta manhã.
Neste domingo em que o Evangelho nos interpela sobre a verdadeira
identidade de Jesus, sentimo-nos a caminhar com os discípulos na estrada que leva
às aldeias da região de Cesareia de Filipe. «E quem dizeis vós que Eu sou?» (Mc 8,
29): pergunta-lhes Jesus. O momento escolhido para lhes colocar esta questão não é
sem significado. Jesus encontra-se num ponto de viragem decisiva da sua vida. Sobe
para Jerusalém, para o lugar onde será realizado, através da cruz e ressurreição,
o acontecimento central da nossa salvação. É também em Jerusalém que, depois de todos
estes acontecimentos, vai nascer a Igreja. E, neste momento decisivo, Jesus começa
por perguntar aos seus discípulos: «Quem dizem os homens que Eu sou?» (Mc 8, 27),
recebendo deles respostas muito variadas: João Batista, Elias, um profeta… Ainda hoje,
como ao longo dos séculos, aqueles que, de diversas maneiras, se cruzaram com Jesus
no seu caminho têm a sua resposta a dar. São abordagens que podem ajudar a encontrar
o caminho da verdade. Mas as mesmas, embora não sejam necessariamente falsas, são
insuficientes, porque não atingem o cerne da identidade de Jesus. Só alguém que aceite
seguir pelo seu caminho, viver em comunhão com Ele na comunidade dos discípulos, é
que pode ter um verdadeiro conhecimento. Tal é o caso de Pedro, que, desde há algum
tempo, vive com Jesus e que agora responde: «Tu és o Messias» (Mc 8, 29). Resposta
certa, sem dúvida alguma; mas ainda insuficiente, dado que Jesus sente a necessidade
de a especificar. Ele entrevê que as pessoas poderiam servir-se desta resposta para
desígnios que não são os seus, para suscitar falsas esperanças temporais sobre Ele.
Não se deixa bloquear nos simples atributos do libertador humano que muitos esperam.
Anunciando
aos seus discípulos que terá de sofrer, ser condenado à morte e depois ressuscitar,
Jesus quer fazer-lhes compreender quem Ele é verdadeiramente. Um Messias sofredor,
um Messias servo, e não um libertador político omnipotente. Ele é o Servo obediente
à vontade de seu Pai até ao ponto de perder a sua vida. É o que anunciava já o profeta
Isaías na primeira leitura. Assim Jesus vai contra o que muitos esperavam d’Ele. A
sua afirmação choca e desconcerta. E ouve-se o protesto de Pedro, que O censura, recusando
para o seu Mestre o sofrimento e a morte. Jesus mostra-se severo com ele, e faz-lhe
compreender que aquele que quiser ser seu discípulo deve aceitar ser servo, como Ele
Se fez Servo.
Seguir Jesus significa tomar a própria cruz para O acompanhar
pelo seu caminho, um caminho incómodo que não é o do poder nem da glória terrena,
mas o que leva necessariamente a renunciar a si mesmo, a perder a sua vida por Cristo
e pelo Evangelho, a fim de a salvar. É que nos foi dada a certeza de que este caminho
leva à ressurreição, à vida verdadeira e definitiva com Deus. Decidir acompanhar Jesus
Cristo que Se fez o Servo de todos exige uma intimidade cada vez maior com Ele, colocando-se
atentamente à escuta da sua Palavra, a fim de tirar dela a inspiração para o nosso
agir. Ao promulgar o Ano da Fé, que começará em 11 de Outubro próximo, quis que cada
fiel pudesse comprometer-se de maneira renovada neste caminho da conversão do coração.
Por isso, ao longo deste ano, encorajo-vos vivamente a aprofundar a vossa reflexão
sobre a fé para a tornar mais consciente e fortalecer a vossa adesão a Jesus Cristo
e ao seu Evangelho.
Irmãos e irmãs, o caminho por onde Jesus nos quer conduzir
é um caminho de esperança para todos. A glória de Jesus revela-se no momento em que,
na sua humanidade, Ele Se mostra mais frágil, especialmente na encarnação e na cruz.
É assim que Deus manifesta o seu amor, fazendo-Se servo, dando-Se a nós. Porventura
não é este um mistério extraordinário, por vezes difícil de admitir? O próprio apóstolo
Pedro só o compreenderá mais tarde.
Na segunda leitura, São Tiago lembrou-nos
como este seguimento de Jesus, para ser autêntico, exija actos concretos: «Pelas obras,
te mostrarei a minha fé» (Tg 2, 18). Servir é uma exigência imperativa para a Igreja,
de modo que os cristãos são verdadeiros servos à imagem de Jesus. O serviço é um elemento
constitutivo da identidade dos discípulos de Cristo (cf. Jo 13, 15-17). A vocação
da Igreja e do cristão é servir; e fazê-lo, como o próprio Senhor, gratuitamente e
a todos sem distinção. Assim, servir a justiça e a paz, num mundo onde a violência
não cessa de alongar o seu rasto de morte e destruição, é uma urgência de modo a comprometer-se
em prol duma sociedade fraterna, para edificar a comunhão. Amados irmãos e irmãs,
peço ao Senhor de modo particular que conceda a esta região do Médio Oriente servidores
da paz e da reconciliação, para que todos possam viver pacífica e dignamente. É um
testemunho essencial que os cristãos devem prestar aqui, em colaboração com todas
as pessoas de boa vontade. Eu vos convido a todos a trabalhar pela paz; cada qual
ao seu nível e no lugar onde se encontra.
Além disso o serviço deve estar no
centro da vida da própria comunidade cristã. Todo o ministério, toda a função na Igreja
é primariamente um serviço a Deus e aos irmãos. É este espírito que deve animar todos
os baptizados, uns em relação aos outros, especialmente através dum compromisso efectivo
a favor dos mais pobres, dos marginalizados, daqueles que sofrem, para que seja preservada
a dignidade inalienável de toda a pessoa.
Queridos irmãos e irmãs que sofreis
no corpo ou no coração, o vosso sofrimento não é inútil. Cristo Servo está perto de
todos aqueles que sofrem. Está presente junto de vós. Oxalá encontreis no vosso caminho
irmãos e irmãs que manifestem concretamente a presença amorosa de Cristo, que não
vos pode abandonar. Permanecei cheios de esperança por causa de Cristo!
E vós
todos, irmãos e irmãs, que viestes participar nesta celebração, procurai tornar-vos
cada vez mais conformes ao Senhor Jesus, Ele que Se fez Servo de todos pela vida do
mundo. Deus abençoe o Líbano, abençoe todos os povos desta amada região do Médio Oriente
e lhes conceda o dom da sua paz. Amen.