Respeitar a vida e a pessoa, construir a paz, tendo como base valores comuns: Papa,
sábado de manhã, no encontro com o mundo político, religioso e cultural libanês
Defender a vida, respeitar incondicionalmente a pessoa, assegurar o direito à liberdade
religiosa. Só assim se pode construir a paz. Princípios fundamentais expostos por
Bento XVI; hoje mesmo, no Líbano, no encontro que teve ao fim da manhã, no palácio
presidencial, com os membros do governo, instituições da República, Corpo Diplomático,
Chefes religiosos e representantes do mundo cultural libanês. “A eficácia do compromisso
a favor da paz depende do conceito que o mundo possa ter da vida humana. Se queremos
a paz, defendamos a vida.” “Esta lógica – prosseguiu o Papa - desabona não só
a guerra e as acções terroristas, mas também qualquer atentado contra a vida do ser
humano, criatura querida por Deus. A indiferença ou a negação daquilo que constitui
a verdadeira natureza do homem impedem o respeito desta gramática que é a lei natural
inscrita no coração humano.” “A grandeza e a razão de ser de cada pessoa só se
encontram em Deus. Assim, o reconhecimento incondicional da dignidade de cada ser
humano, de cada um de nós, e do carácter sagrado da vida responsabiliza-nos a todos
diante de Deus. Portanto, devemos unir os nossos esforços para desenvolver uma sã
antropologia que integre a unidade da pessoa. Sem isso, não é possível construir a
paz autêntica.” Bento XVI insistiu na necessidade de “educar para a paz”, para
“desenvolver uma cultura de paz”. O que significa, nomeadamente, tomar consciência
de que há valores comuns a todas as culturas: “O diálogo só é possível com a consciência
de que há valores comuns a todas as grandes culturas, porque estas estão radicadas
na natureza da pessoa humana. Estes valores, que formam um substrato comum, exprimem
os traços autênticos e característicos da humanidade; pertencem aos direitos de cada
ser humano. As diversas religiões prestam uma decisiva contribuição para a afirmação
da sua existência. Não esqueçamos que a liberdade religiosa é o direito fundamental,
de que muitos outros dependem. Para toda e qualquer pessoa deve ser possível professar
e viver livremente a própria religião sem pôr em perigo a sua vida e liberdade.”
Antes
deste encontro com centenas de pessoas, no Salão dos Embaixadores do Palácio presidencial,
Bento XVI teve colóquios privados com as Instituições da República. Antes de mais
com o Chefe de Estado, general Michel Sleiman (cristão maronita); seguidamente, com
o presidente do Parlamento, Nabih Berri (muçulmano xiita); e finalmente com o primeiro-ministro,
Nagib Mikati (muçulmano xiita). Em cada um destes encontros, o Santo Padre entregou
a cada um dos seus interlocutores um exemplar (em árabe) da Exortação Apostólica ontem
assinada. O mesmo aconteceu, com os chefes das comunidades muçulmanas, que os
quais Bento XVI teve um encontro conjunto. Presentes os representantes das comunidades
Sunita, Xiita, Drusa e Aluíta. Da parte católica, participaram o cardeal Secretário
de Estado, o Patriarca maronita, o presidente do Conselho Pontifício para o Diálogo
Inter-religioso e o Núncio Apostólico.
Do palácio presidencial, Bento XVI
transferiu-se, com a sua comitiva, ao patriarcado arménio - católico, onde foi acolhido
pelo respetivo patriarca, Sua Beatitude Nerses Bedros IX Tarmouni. Ali teve lugar
o almoço do Papa com os Patriarcas e Bispos do Líbano, os membros do Conselho Especial
-para o Médio Oriente – do Sínodo dos Bispos e o séquito papal.
Eis texto
integral da intervenção do Papa neste sábado de manhã, no Palácio Presidencial:
Encontro com os membros do Governo e das Instituições da República, com o Corpo
Diplomático, os Responsáveis religiosos e os Representantes do mundo da cultura
Senhor
Presidente da República, Ilustres Autoridades parlamentares, governamentais, institucionais
e políticas do Líbano, Senhoras e Senhores Chefes das Missões Diplomáticas, Beatitudes,
Responsáveis religiosos, Amados Irmãos no Episcopado, Senhoras, Senhores, queridos
amigos!
سَلامي أُعطيكُم (dou-vos a minha paz)» (Jo 14, 27)! É com estas palavras
de Jesus Cristo que desejo saudar-vos, agradecido pelo vosso acolhimento e a vossa
presença. Agradeço-lhe, Senhor Presidente, não só as palavras cordiais, mas também
o facto de ter permitido este encontro. Acabo, juntamente com Vossa Excelência, de
plantar um cedro do Líbano, símbolo do vosso lindo país. Vendo esta pequena planta
e os cuidados de que necessitará para se tornar robusta e lançar os seus ramos majestosos,
pensei no vosso país e seu destino, nos libaneses e suas esperanças, em todas as pessoas
desta Região do mundo que parece conhecer as dores dum parto sem fim. Então pedi a
Deus que vos abençoe, abençoe o Líbano e abençoe todos os habitantes desta Região
que viu nascer grandes religiões e nobres culturas. Por que motivo escolheu Deus esta
Região? Porque vive ela em turbulência? Parece-me que Deus a escolheu para servir
de exemplo, para testemunhar ao mundo a possibilidade concreta que o homem tem de
viver o seu anelo de paz e reconciliação; inscrita desde sempre no plano divino, esta
aspiração foi impressa por Deus no coração do homem. É da paz que vos desejo falar,
porque Jesus disse: سَلامي أُعطيكُم (. O que faz rico um país são, antes de mais
nada, as pessoas que nele vivem. De cada uma e todas juntas, depende o seu futuro
e a sua capacidade de se comprometer pela paz. Tal compromisso só será possível numa
sociedade unida. No entanto, a unidade não é a uniformidade. O que assegura a coesão
da sociedade é o respeito constante pela dignidade de cada pessoa e a participação
responsável de cada um segundo as próprias capacidades, pondo a render o que há em
si de melhor. A fim de assegurar o dinamismo necessário para construir e consolidar
a paz, é preciso retornar incansavelmente aos fundamentos do ser humano. A dignidade
do homem é inseparável do carácter sagrado da vida, que o Criador lhe deu. No desígnio
de Deus, cada pessoa é única e insubstituível. Vem ao mundo numa família, que é o
seu primeiro lugar de humanização e sobretudo a primeira educadora para a paz. Por
isso, para construir a paz, a nossa atenção deve fixar-se sobre a família a fim de
facilitar a sua tarefa, para assim a apoiar e consequentemente promover por toda a
parte uma cultura da vida. A eficácia do compromisso a favor da paz depende do conceito
que o mundo possa ter da vida humana. Se queremos a paz, defendamos a vida. Esta lógica
desabona não só a guerra e as acções terroristas, mas também qualquer atentado contra
a vida do ser humano, criatura querida por Deus. A indiferença ou a negação daquilo
que constitui a verdadeira natureza do homem impedem o respeito desta gramática que
é a lei natural inscrita no coração humano (cf. Mensagem para o Dia Mundial da Paz
de 2007, n. 3). A grandeza e a razão de ser de cada pessoa só se encontram em Deus.
Assim, o reconhecimento incondicional da dignidade de cada ser humano, de cada um
de nós, e do carácter sagrado da vida responsabiliza-nos a todos diante de Deus. Portanto,
devemos unir os nossos esforços para desenvolver uma sã antropologia que integre a
unidade da pessoa. Sem isso, não é possível construir a paz autêntica. Embora
mais evidentes nos países que conhecem conflitos armados – estas guerras repletas
de bazófia e de horrores –, os atentados à integridade e à vida das pessoas existem
também noutros países. O desemprego, a pobreza, a corrupção e tudo o mais que se lhes
vem juntar como a exploração, os tráficos ilícitos de toda a espécie e o terrorismo
acarretam, para além do sofrimento inaceitável dos que são as suas vítimas, um enfraquecimento
do potencial humano. A lógica económica e financeira quer continuamente impor-nos
o seu jugo e fazer prevalecer o ter sobre o ser. Mas cada vida humana que se perde
é uma perda para a humanidade inteira. Esta é uma grande família, da qual todos somos
responsáveis. Algumas ideologias, pondo em questão de maneira directa ou indirecta,
e mesmo legalmente, o valor inalienável de cada pessoa e o fundamento natural da família,
minam os alicerces da sociedade. Devemos estar conscientes destes atentados contra
a construção e a harmonia da convivência social. O único antídoto para tudo isto é
uma solidariedade efectiva: solidariedade para rejeitar o que impede o respeito por
todo o ser humano, solidariedade para apoiar as políticas e iniciativas que visam
unir os povos de forma honesta e justa. É bom ver as acções de cooperação e de verdadeiro
diálogo que constroem uma nova maneira de viver juntos. Uma melhor qualidade de vida
e desenvolvimento integral não é possível senão numa partilha das riquezas e das competências,
respeitando a dignidade de cada um. Mas tal estilo de convivência social, sereno e
dinâmico, não pode existir sem a confiança no outro, seja ele quem for. Hoje, as diferenças
culturais, sociais, religiosas devem levar a viver um novo tipo de fraternidade, onde
aquilo que une é justamente o sentido comum da grandeza de cada pessoa e o dom que
ela constitui para si mesma, para os outros e para a humanidade. Está aqui o caminho
da paz. Aqui está o compromisso que nos é pedido. Aqui está a orientação que deve
presidir às escolhas políticas e económicas nos seus diversos níveis e a escala planetária. Deste
modo, a fim de patentear às novas gerações um futuro de paz, a primeira tarefa é educar
para a paz, construindo uma cultura de paz. A educação, na família ou na escola, deve
ser, antes de mais nada, educação para os valores espirituais que conferem à transmissão
do saber e das tradições duma cultura o seu sentido e a sua força. O espírito humano
possui o gosto inato do belo, do bom e do verdadeiro; é o selo do divino, a marca
de Deus nele! Desta aspiração universal deriva uma concepção moral firme e justa,
que sempre coloca a pessoa no centro. Mas é só na liberdade que o homem se pode voltar
para o bem, porque «a dignidade do homem exige que ele proceda segundo a própria consciência
e por livre adesão, ou seja, movido e induzido pessoalmente desde dentro e não levado
por cegos impulsos interiores ou por mera coacção externa» (Gaudium et spes, 17).
A tarefa da educação é acompanhar a maturação da capacidade de fazer escolhas livres
e justas, que possam ir contra-corrente relativamente às opiniões generalizadas, às
modas, às ideologias políticas e religiosas. A consolidação duma cultura de paz tem
este preço. Obviamente é necessário banir a violência verbal ou física; é sempre um
ultraje à dignidade humana, tanto do agressor como da vítima. Além disso, ao valorizar
as obras de paz e o seu influxo no bem comum, cria-se também o interesse pela paz.
Como testemunha a história, tais gestos de paz desempenham papel considerável na vida
social, nacional e internacional. Assim a educação para a paz formará homens e mulheres
generosos e rectos, solícitos para com todos mas particularmente com as pessoas mais
débeis. Pensamentos de paz, palavras de paz e gestos de paz criam uma atmosfera de
respeito, honestidade e cordialidade, onde os erros e as ofensas podem ser reconhecidos
com verdade, para avançar juntos rumo à reconciliação. Peço aos estadistas e aos responsáveis
religiosos que reflictam nisto. Devemos estar bem cientes de que o mal não é
uma força anónima que actua no mundo de forma impessoal ou determinista. O mal, o
demónio, passa através da liberdade humana, através do uso da nossa liberdade; procura
um aliado, o homem: o mal precisa dele para se espalhar. E assim, depois de ter violado
o primeiro mandamento, o amor a Deus, vem para perverter o segundo, o amor ao próximo.
Com ele, o amor ao próximo desaparece, deixando o lugar à mentira e à inveja, ao ódio
e à morte. Mas é possível não se deixar vencer pelo mal, e vencer o mal com o bem
(cf. Rm 12, 21). Somos chamados a esta conversão do coração; sem ela, as «libertações»
humanas tão desejadas decepcionam, porque se movem no espaço reduzido que lhes concede
a mesquinhez do espírito do homem, a sua dureza, as suas intolerâncias, os seus favoritismos,
os seus desejos de vingança e os seus instintos de morte. É necessária a transformação
nas profundezas do espírito e do coração para reencontrar uma certa clarividência
e imparcialidade, o sentido profundo da justiça e do bem comum. Um olhar novo e mais
livre tornar-nos-á capazes de analisar e questionar sistemas humanos que levam a becos
sem saída, a fim de se avançar tendo em conta o passado para não mais o repetir com
os seus efeitos devastadores. Esta conversão requerida é exaltante, porque abre possibilidades
ao fazer apelo aos inúmeros recursos presentes no coração de tantos homens e mulheres
ansiosos de viver em paz e dispostos a comprometer-se pela paz. Esta, porém, é particularmente
exigente: trata-se de dizer não à vingança, reconhecer os próprios erros, aceitar
as desculpas sem as buscar e, finalmente, perdoar. Porque só o perdão dado e recebido
coloca os alicerces duradouros da reconciliação e da paz para todos (cf. Rm 12, 16b.18). Só
assim pode crescer o bom entendimento entre as culturas e as religiões, a estima de
umas pelas outras sem complexos de superioridade e no respeito pelos direitos de cada
uma. O diálogo só é possível com a consciência de que há valores comuns a todas as
grandes culturas, porque estas estão radicadas na natureza da pessoa humana. Estes
valores, que formam um substrato comum, exprimem os traços autênticos e característicos
da humanidade; pertencem aos direitos de cada ser humano. As diversas religiões prestam
uma decisiva contribuição para a afirmação da sua existência. Não esqueçamos que a
liberdade religiosa é o direito fundamental, de que muitos outros dependem. Para toda
e qualquer pessoa deve ser possível professar e viver livremente a própria religião
sem pôr em perigo a sua vida e liberdade. A perda ou a diminuição desta liberdade
priva a pessoa do direito sagrado a uma vida íntegra no plano espiritual. A chamada
tolerância não elimina as discriminações; antes, por vezes até as reforça. E, sem
a abertura ao transcendente que permite encontrar resposta para os interrogativos
do próprio coração sobre o sentido da vida e sobre como viver de forma moral, o homem
torna-se incapaz de agir segundo a justiça e comprometer-se em prol da paz. A liberdade
religiosa tem uma dimensão social e política indispensável para a paz: promove uma
coexistência e uma vida harmoniosas através do compromisso comum ao serviço de causas
nobres e na busca da verdade que não se impõe pela violência, mas pela «sua própria
força» (Dignitatis humanae, 1), aquela Verdade que é Deus. Eis o motivo por que a
fé viva conduz invariavelmente ao amor. A fé autêntica não pode levar à morte. O obreiro
de paz é humilde e justo. Por isso, os crentes têm hoje um papel essencial: dar testemunho
da paz que vem de Deus e que é um dom concedido a todos na vida pessoal, familiar,
social, política e económica (cf. Mt 5, 9; Heb 12, 14). A inércia dos homens de bem
não deve permitir que o mal triunfe. O pior de tudo é não fazer nada! Estas breves
reflexões sobre a paz, a sociedade, a dignidade da pessoa, sobre os valores da família
e da vida, sobre o diálogo e a solidariedade não podem permanecer ideais simplesmente
enunciados; podem e devem ser vividos. Estamos no Líbano e é aqui que devem ser vividos.
O Líbano é chamado, agora mais do que nunca, a ser um exemplo. Por isso vos convido
a vós, políticos, diplomatas, religiosos, homens e mulheres do mundo da cultura, a
dar testemunho ao vosso redor e com coragem, em tempo favorável e fora dele, de que
Deus quer a paz, de que Deus nos confia a paz. سَلامي أُعطيكُم – diz Jesus Cristo
(Jo 14, 27)! Que Deus vos abençoe. Obrigado!