Discurso do Papa por ocasião da Assinatura da Exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia
in Medio Oriente
Harissa (RV) - Segue, na íntegra, o discurso proferido por Bento XVI na Basílica
de São Paulo, em Harissa, por ocasião da assinatura da Exortação apostólica pós-sinodal
Ecclesia in Medio Oriente.
Senhor Presidente da República, Sua
Beatitude, venerados Patriarcas, Amados Irmãos no Episcopado e membros do Conselho
Especial do Sínodo dos Bispos para o Médio Oriente, Ilustres Representantes das
Confissões religiosas, do mundo da cultura e da sociedade civil, Prezados irmãos
e irmãs em Cristo, queridos amigos!
Agradeço ao Patriarca Gregorios Laham as
suas palavras de boas-vindas, e ao Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos, D. Nikola
Eterović, as suas palavras de apresentação. As minhas saudações calorosas aos Patriarcas,
a todos os Bispos orientais e latinos reunidos nesta linda Basílica de São Paulo,
e aos membros do Conselho Especial do Sínodo dos Bispos para o Médio Oriente. Alegro-me
também com a presença das delegações ortodoxa, muçulmana e drusa, bem como as do mundo
da cultura e da sociedade civil. Saúdo com afecto a amada Comunidade greco-melquita
que me acolhe. A vossa presença confere solenidade à assinatura da Exortação apostólica
pós-sinodal Ecclesia in Medio Oriente, e testemunha que este documento, destinado
sem dúvida à Igreja universal, reveste-se duma importância particular para todo o
Médio Oriente.
É providencial que este acto tenha lugar precisamente no dia
da Festa da Exaltação da Santa Cruz, cuja celebração nasceu no Oriente em 335, na
sequência da Dedicação da Basílica da Ressurreição sobre o Gólgota e o sepulcro de
Nosso Senhor construída pelo imperador Constantino, o Grande, que venerais como santo.
Dentro de um mês, celebrar-se-ão os 1700 anos da aparição que lhe fez ver, na noite
simbólica da sua incredulidade, o monograma cintilante de Cristo enquanto uma voz
lhe dizia: «Por este sinal, vencerás!». Mais tarde, Constantino assinou o Édito de
Milão e deu o seu nome a Constantinopla. Parece-me que a Exortação pós-sinodal pode
ser lida e interpretada à luz da festa da Exaltação da Santa Cruz e, de forma particular,
à luz do monograma de Cristo, o X (ghi) e o P (ro), as duas primeiras letras da palavra
Χριστός. Tal leitura leva a uma descoberta autêntica da identidade do baptizado e
da Igreja e, ao mesmo tempo, constitui como que um apelo ao testemunho na comunhão
e pela comunhão. Porventura a comunhão e o testemunho cristãos não estão fundados
no mistério pascal, na crucifixão, morte e ressurreição de Cristo? Não é aqui que
encontram a sua plena realização? Existe um vínculo indivisível entre a Cruz e a Ressurreição,
que não pode ser esquecido pelo cristão; sem este vínculo, exaltar a Cruz significaria
justificar o sofrimento e a morte vendo neles apenas uma fatalidade. Para um cristão,
exaltar a Cruz quer dizer entrar em comunhão com a totalidade do amor incondicional
de Deus pelo homem; é fazer um acto de fé. Exaltar a Cruz, na perspectiva da Ressurreição,
é desejar viver e manifestar a totalidade deste amor; é fazer um acto de amor. Exaltar
a Cruz leva ao compromisso de ser arauto da comunhão fraterna e eclesial, fonte do
verdadeiro testemunho cristão; é fazer um acto de esperança.
Debruçando-se
sobre a situação actual das Igrejas no Médio Oriente, os Padres sinodais puderam reflectir
sobre as alegrias e as penas, os temores e as esperanças dos discípulos de Cristo
que vivem nestes lugares. Deste modo, toda a Igreja pôde ouvir o grito ansioso e notar
o olhar desesperado de tantos homens e mulheres que se encontram em situações humana
e materialmente árduas, vivendo no medo e inquietação pelas fortes tensões, e que
desejam seguir Cristo – Aquele que dá sentido à sua vida – mas frequentemente encontram-se
impedidos; por isso, quis que a Primeira Carta de São Pedro fosse o fio condutor do
documento. Ao mesmo tempo, a Igreja pôde admirar o que há de belo e nobre nas Igrejas
presentes nestas terras. Como não dar contínuas graças a Deus por todos vós (cf. 1
Ts 1, 2: I Parte da Exortação pós-sinodal), amados cristãos do Médio Oriente!? Como
não O louvar pela vossa coragem na fé!? Como não Lhe agradecer pela chama do seu amor
infinito que vós continuais a manter viva e ardente nestes lugares que foram os primeiros
a acolher o seu Filho encarnado!? Como não Lhe elevar o nosso canto de gratidão pelos
ímpetos de comunhão eclesial e fraterna, pela solidariedade humana constantemente
manifestada por todos os filhos de Deus!?
A Exortação Ecclesia in Medio Oriente
permite repensar o presente para considerar o futuro com o próprio olhar de Cristo.
Com as suas orientações bíblicas e pastorais, com o seu convite a um aprofundamento
espiritual e eclesiológico, com a renovação litúrgica e catequética preconizada, com
os seus apelos ao diálogo, pretende traçar um caminho para chegar ao essencial: o
seguimento de Cristo, num contexto difícil, e por vezes doloroso, que poderia fazer
surgir a tentação de ignorar ou esquecer a Cruz gloriosa. Mas é precisamente então
que é necessário celebrar a vitória do amor sobre o ódio, do perdão sobre a vingança,
do serviço sobre a prepotência, da humildade sobre o orgulho, da unidade sobre a divisão.
À luz da festa de hoje e tendo em vista uma aplicação frutuosa da Exortação, convido
todos a que não tenham medo, permaneçam na verdade e a cultivem a pureza da fé. Esta
é a linguagem da Cruz gloriosa. Esta é a loucura da Cruz: a de saber converter os
nossos sofrimentos em grito de amor a Deus e de misericórdia para com o próximo; e
a de saber também transformar, seres atacados e feridos na sua fé e identidade, em
vasos de barro prontos a serem cumulados pela abundância dos dons divinos mais preciosos
que o ouro (cf. 2 Cor 4, 7-18). Não se trata aqui duma linguagem puramente alegórica,
mas dum apelo premente a praticar actos concretos que configuram cada vez mais a Cristo,
actos que ajudam as diversas Igrejas a reflectir a beleza da primeira comunidade dos
crentes (cf. Act 2, 41-47: II parte da Exortação); actos semelhantes aos do imperador
Constantino, que soube testemunhar e fazer sair os cristãos da discriminação, permitindo-lhes
viver, aberta e livremente, a sua fé em Cristo crucificado, morto e ressuscitado para
a salvação de todos.
A Exortação Ecclesia in Medio Oriente oferece elementos
que podem ajudar a um exame de consciência pessoal e comunitário, uma avaliação objectiva
do compromisso e desejo de santidade de cada discípulo de Cristo. A Exortação abre
ao verdadeiro diálogo inter-religioso fundado na fé em Deus Uno e Criador. Quer também
contribuir para um ecumenismo repleto de ardor humano, espiritual e caritativo, na
verdade e amor evangélicos, que vai buscar a sua força ao mandato do Ressuscitado:
«Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho
e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado. E sabei
que Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos» (Mt 28, 19-20).
Nas suas
diversas partes, a Exortação quer ajudar cada um dos discípulos do Senhor a viver
plenamente e a transmitir realmente aquilo que ele mesmo se tornou pelo baptismo:
um filho da Luz, um ser iluminado por Deus, uma lâmpada nova na escuridão tenebrosa
do mundo para que das trevas brilhe a luz (cf. Jo 1, 4-5; 2 Cor 4, 1-6). Este documento
quer contribuir para despojar a fé daquilo que a ensombra, de tudo o que pode ofuscar
o esplendor da luz de Cristo. Assim a comunhão é uma autêntica adesão a Cristo, e
o testemunho é uma irradiação do mistério pascal que dá um sentido pleno à Cruz gloriosa.
Nós seguimos e «proclamamos Cristo crucificado (...) poder de Deus e sabedoria de
Deus» (1 Cor 1, 23-24: cf. III parte da Exortação).
«Não temas, pequenino
rebanho» (Lc 12, 32) e lembra-te da promessa feita a Constantino: «Por este sinal,
vencerás!». Igrejas presentes no Médio Oriente, não temais, porque o Senhor está verdadeiramente
convosco até ao fim do mundo. Não temais, porque a Igreja universal vos acompanha
com a sua solidariedade humana e espiritual. É com estes sentimentos de esperança
e encorajamento a ser protagonistas activos da fé através da comunhão e do testemunho
que, no domingo, entregarei a Exortação pós-sinodal Ecclesia in Medio Oriente aos
meus venerados Irmãos Patriarcas, Arcebispos e Bispos, a todos os presbíteros, aos
diáconos, aos religiosos e religiosas, aos seminaristas e aos fiéis-leigos. «Tende
confiança!» (Jo 16, 33). Por intercessão da Virgem Maria, a Theotókos, invoco com
grande afecto a abundância dos dons divinos sobre todos vós. Deus conceda a todos
os povos do Médio Oriente viverem na paz, na fraternidade e na liberdade religiosa!
Deus vos abençoe a todos (لِيُبَارِك الربُّ جميعَكُم)!