Bento XVI no Líbano, peregrino da paz em cenário de guerra
Bento XVI parte sexta-feira para Beirute. Objetivo desta vigésima quarta viagem apostólica
do Papa Ratzinger: assinar e entregar aos patriarcas e bispos de todo o Médio Oriente
a Exortação Apostólica que relança as conclusões do Sínodo dos Bispos desta região,
que teve lugar no Vaticano, em outubro de 2010.
Nessa altura, não se falava
ainda da “primavera árabe” que estava para explodir na Tunísia, e ninguém entrevia
as profundas convulsões que estavam para abalar a Líbia e o Egito, nem muito menos
a atual guerra civil na Síria. Os padres sinodais referiram amplamente os conflitos
e tensões que são uma constante no Médio Oriente, assumindo como um dever dos cristãos
“a comunhão e o testemunho”, num mundo tão dilacerado. Tudo o que a Exortação pós-sinodal
“Ecclesia in Medio Oriente” propõe nesse sentido, aparece agora ainda mais urgente.
Quando
em junho de 2010 Bento XVI se deslocou a Chipre para entregar o “Instrumentum laboris”
(documento de trabalho) a ser utilizado, meses depois, na assembleia sinodal para
o Médio Oriente, desde logo se pensou na capital libanesa para a entrega simbólica
da Exortação Apostólica que se lhe seguiria. Não é a primeira viagem papal ao país
dos cedros, já visitado por João Paulo II em maio de 1997, dessa vez na sequência
de outra assembleia especial do Sínodo dedicada exclusivamente ao Líbano (Vaticano,
novembro – dezembro 1995). Uma prolongada visita (cinco dias) do Papa Wojtyla ao Líbano
deveria ter tido lugar em abril de 1994, mas ficou cancelada por “acontecimentos graves
e imprevisíveis que provocaram fortes tensões perturbando o ambiente”, como então
referia o comunicado do Vaticano. De facto, a menos de dois meses da anunciada chegada
de João Paulo II, um grave atentado numa igreja maronita a norte de Beirute, durante
a celebração eucarística tinha provocado 10 mortos e 40 feridos entre os celebrantes
e os fiéis.
Ninguém ignora a delicadeza da atual situação, tendo em conta a
violência e o impasse que se registam na guerra civil na Síria, país a que o Líbano,
por razões geográficas e históricas, se encontra indissoluvelmente ligado. Embora
sem o referir expressamente, domingo passado, ao meio dia, Bento XVI aludiu ao conflito,
mostrando-se solidário com “a angústia de numerosos habitantes do Médio Oriente”,
sobretudo os que sofrem lutos ou se vêem obrigados a abandonar casas e trabalho tomando
o caminho do exílio. Na saudação em francês, depois do Angelus, em Castelgandolfo,
afirmou o Papa:
“Não nos podemos resignar à violência e à exasperação das
tensões. Há-de ser prioritário para as partes implicadas o empenho a favor de um diálogo
e da reconciliação, esforço que tem de ser apoiado pela comunidade internacional,
cada vez mais consciente da importância, para o mundo inteiro, de uma paz estável
e duradoura para toda a região”.
Está dado o tom daqueles que serão os pronunciamentos
de Bento XVI nos próximos dias, nomeadamente no encontro de sábado de manhã, no palácio
presidencial, com os membros do governo, o Corpo Diplomático, Chefes religiosos e
representantes do mundo da cultura (umas 500 pessoas). Evitando o mais possível referências
diretas às situações políticas mais imediatas e contingentes, o Papa terá como horizonte
todo o Médio Oriente (sem esquecer a Terra Santa e a situação dos cristãos) e mesmo
o vasto campo das relações inter-religiosas e interculturais que caracteriza o mundo
de hoje e muitas das tensões do momento.
“Mais do que um país, – afirmou sugestivamente,
um dia, João Paulo II – o Líbano é uma mensagem”. Uma prova concreta de que é possível
e indispensável conviver na diferença, considerando o outro não um inimigo mas um
companheiro de viagem. É difícil imaginar uma população e uma história mais fragmentada.
Praticamente metade dos quatro milhões de libaneses que vivem neste pequeno território
de 10.000 Km2 (metade da superfície de Israel) são cristãos; os outros
50 % são muçulmanos. Mas estes, por sua vez, pertencem, em partes desiguais mas consistentes,
a grupos distintos (xiitas, sunitas, drusos, alawitas, ismaelitas), ao passo que os
cristãos correspondem a doze comunidades diferentes (seis das quais católicas, ligadas
a Roma).
O programa da viagem papal tem que contemplar e dosear cuidadosamente
cada uma destas antiquíssimas “Igrejas” locais: antes de mais os Maronitas, de longe
os mais numerosos, mas também os Greco-melquitas, os Arménios, os Siro-católicos,
os Caldeus e os Latinos. Cinco são os Patriarcas (católicos), dois dos quais têm a
sua sede em Damasco (Síria) e um em Bagdad (Iraque). Recordá-lo ajuda a tomar consciência
do vasto horizonte desta viagem apostólica.