Foram publicadas hoje no Vaticano a requisitória e a sentença relativa à fuga de documentos
secretos da Santa Sé. O juiz instrutor, Piero António Bonnet, acolhendo o pedido do
procurador da Justiça Nicola Picardi, vai remeter a julgamento o mordomo do Papa,
Paolo Gabriele, acusado de grave furto, e Cláudio Sciarpelletti, dependente da Secretaria
de Estado do Vaticano, acusado de cumplicidade. Mas a investigação continua em relação
a outras pessoas que possam, por ventura estar implicadas no assunto, disse o porta-voz
da Santa Sé, P. Federico Lombardi, que citando o Procurador, Nicola Picardi, acrescentou
que a magistratura viu-se perante uma realidade muito ampla e complexa e que, portanto,
a investigação permanece aberta em relação a diversos outras pessoas que poderiam
estar implicadas nessa fuga de noticias.
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São, portanto, duas as
pessoas reenviadas ao julgamento por causa do desvio de documentos reservados do Vaticano.
Para além de Paolo Gabriele, até ao momento com residência domiciliar obrigatória,
está também, como referimos já, Cláudio Sciarpelletti, de 48 anos, dependente da Secretaria
de Estado, preso no dia 25 de Maio e posto em liberdade provisória no dia seguinte
sob caução e com a obrigação de observar algumas prescrições. Sciarpelletti teve muitos
contactos com Gabriele e na sua secretária foi encontrado um envelope com material
publicado pelo jornalista Gianluigi Nuzzi. O seu papel parece ser, todavia, marginal
e será processado por favoritismo.
Paolo Gabriele – depois de ter negado tudo,
durante um encontro da Família pontifícia, respondendo em particular a uma pergunta
específica do secretário do Papa, Monsenhor Georg Gaenwein - confessou, durante os
interrogatórios sucessivos, ter fornecido o material a Nuzzi, mas sem receber dinheiro
ou outros benefícios. Motivou a sua acção, que bem sabia ser ilícita, com o facto
de considerar o Pontífice não correctamente informado, perante o mal e a corrupção
que ele via na Igreja: eu estava seguro – afirmou – de que “um choque, mesmo mediático
poderia ser salutar para pôr a Igreja no caminho justo”. Sentia-se um “infiltrado”
do Espírito Santo.
Durante as buscas na sua habitação foram encontrados não
apenas documentos confidenciais, em grande quantidade, mas também um cheque de cem
mil euros passado a favor do Papa e proveniente da Universidade Católica de Santo
António de Guadalupe, uma presumível pepita de ouro, também endereçada ao papa, e
uma tradução da Eneida por Annibal Caro imprimida em Veneza, em 1581, também essa
uma doação feita ao Papa.
Gabriele foi, por seu lado, submetido a duas perícias
psiquiátricas que deram resultados negativos, relativamente à sua real capacidade
de querer e entender. A primeira perícia foi conduzida pelo professor Roberto Tatarelli
da Universidade La Sapienza de Roma, segundo o qual os distúrbios psíquicos, saídos
das perícias, não anulam a consciência e a liberdade dos próprios actos da parte do
indagado, e a segunda, realizada pelo professor Tonino Cantelmi, da Pontifícia Universidade
Gregoriana que afirma o contrario. Seja Picardi, seja Bonnet acharam por bem apoiar
a primeira perícia.
De modo particular o professor Tatarelli afirma que Gabriele
“sofre de uma ideação paranóica com fundo de perseguição”: a sua personalidade – sublinha
– é frágil e insegura e “também caracterizada por uma grande necessidade de receber
atenções e afecto da parte dos outros” e, portanto, pode estar sujeita à manipulação.
Todavia - em conformidade com o professor Tatarelli – estas condições não configuram
“um distúrbio mental a ponto de anular a consciência e a liberdade dos próprios actos”.
Para o professor Cantelmi a personalidade de Gabriele está “afectada por uma identidade
incompleta e instável, pela sugestibilidade, pelo sentimento de grandeza, por alterada
rigidez moral com um ideal pessoal de justiça, assim como por uma necessidade efusiva
de ser apreciado e estimado”. Para o professor Cantelmi “a deformação dos processos
de idealização de Gabriele” leva a uma incapacidade de querer e entender. Mas esta
perícia não foi partilhada pelos juízes Bonnet e Picardi: e daí o reenvio ao julgamento
de Paolo Gabriele.
Piero Bonnet sublinhou, por fim: “as investigações, ainda
não trouxeram plena luz sobre todas essas articuladas e emaranhadas vicissitudes
que constituem o objecto complexo dessa instrução, bifurcaram-se em varias direcções
e, predispôs, portnato, “um parcial encerramento da instrutória”.