Histórica audiência de Paulo VI, em 1970, aos líderes africanos dos Movimentos de
libertação. O testemunho do Cardeal Silvestrini. Ouça
Ocorreu ontem
o trigésimo quarto aniversário da morte de Paulo VI. Como se sublinhou na semana passada,
em Nairobi, no Quénia, no Colóquio sobre Paulo VI e a África, o Papa Montini reservou
à África uma especial atenção. No que diz respeito aos países africanos de língua
oficial portuguesa, já ontem o nosso programa recordou o histórico encontro que o
pontífice teve, no Vaticano, a 1 de julho de 1970, com os três líderes dos principais
movimentos de libertação das colónias portuguesas: Agostinho Neto, de Angola; Marcelino
dos Santos, de Moçambique; e Amílcar Cabral, para a Guiné-Bissau e Cabo Verde. Estes
três maiores protagonistas das lutas que conduziram à independência daquelas quatro
colónias portuguesas (e ainda de São Tomé e Príncipe) estavam em Roma para animar
um Encontro - debate de vários dias, na tentativa de sensibilizar a opinião pública
e os governos europeus para a sua causa, mas também a Santa Sé, a Igreja Católica
e o próprio Papa Paulo VI.
Tudo isto foi recordado e celebrado, anos atrás,
a 31 de Dezembro de 1999, num Congresso sobre a figura e obra de Amílcar Cabral, realizado
aqui em Roma, na Rádio Vaticano. Nele participaram, nomeadamente, Luís Cabral, primeiro
Presidente da Guiné-Bissau independente e irmão do herói guineense, e o cardeal Achile
Silvestrini, que em 1970 colaborava com o então Secretário de Estado, o cardeal Agostinho
Casaroli e que, nessa qualidade, acompanhou de perto o processo que levou ao referido
encontro do Papa com os três líderes africanos de língua portuguesa.
Evoquemos
aqui hoje esta intervenção do cardeal Silvestrini, que sublinhou a importância daquele
histórico encontro de 1970, que (observou) “permite compreender melhor a acção da
Igreja e do Papa”. Um encontro que há que situar à luz do Concílio Vaticano II (concluído
em 1965) e da Encíclica “Populorum Progressio”, publicada em 1968… “Tinha terminado
não há muito o Concílio Vaticano e esta Encíclica veio como uma espécie de grande
mensagem do interesse e do apoio da Igreja à promoção de todos os povos da África,
da Ásia, e também da América Latina, que de algum modo estavam em condições de sujeição:
ou de colonialismo, ou de subdesenvolvimento, ou de uma coisa e outra. Uma grande
Encíclica que ainda hoje se lê com enorme admiração, porque foi um passo enorme. Na
minha experiência, que tive, se tivesse que dizer quais são os dois grandes acontecimentos
da vida da Igreja nos últimos 50 anos, diria sem dúvida: o Concílio Vaticano II (sobre
o qual estamos todos de acordo), mas o outro acontecimento paralelo é a descolonização.”
O
cardeal Silvestrini recordou qual era, antes de 1960, a situação da África: praticamente
todos os poderes coloniais estavam ainda intactos. Foi só a partir daí que começou
um processo em que se confrontaram, por um lado, a vontade dos Estados democráticos
da Europa e a aspiração dos povos africanos. “Uma luta áspera, dura, dos povos africanos,
para se libertarem da colonização”,sem esquecer toda a questão, gravíssima, do apartheid.
E é impressionante ver como foi possível, num tempo bastante breve, a partir de 1960,
o acesso à independência dos diversos países africanos…
“A Populorum progressio
é o grande documento que mostra este grande olhar, visão, e empenho da Igreja em relação
aos povos. De facto, o Papa Paulo VI foi ele que disse que o desenvolvimento é o novo,
grande, nome da paz”.
Foi neste contexto, dois anos após a “Populorum progressio”,
que se realizou em Roma, em 1970, a referida Conferência dos Movimentos de Libertação
das Colónias Portuguesas, em finais de julho, para pedir a solidariedade da Europa
e da Igreja de Roma, para concluir a terrível guerra em que estavam empenhados desde
há dez anos. Aqui se reuniram, pois, o angolano Agostinho Neto, o moçambicano Marcelino
dos Santos e o guineense Amílcar Cabral.
“Está claro que vir a Roma não era
só abrir – digamos – um discurso com a Europa. Significava também ter um encontro
com o Papa e com a Igreja. De facto, o grande desejo destes três expoentes era acima
de tudo o de serem recebidos pelo Santo Padre”.
No referido Colóquio de
dezembro de 1999, sobre Amílcar Cabral, que estamos a evocar, o cardeal Silvestrini,
testemunha dos acontecimentos, explicou que a audiência do Papa foi precedida de verdadeiras
“negociações”, em que intervieram diversas figuras italianas, católicas, atentas à
causa dos povos africanos.
“Estas pessoas, que conheciam a realidade africana,
conseguiram que o pedido de audiência fosse examinado, pedido que o Papa imediatamente
acolheu de modo favorável.”
O encontro teve lugar a 1 de julho, quarta-feira.
Depois da audiência geral, o Santo Padre, numa sala ao lado da Aula das Audiências,
encontrou-se com “estes três distintos… digamos, protagonistas da luta de libertação
destes países” – afirmou o cardeal Silvestrini, que referiu mesmo as palavras de Paulo
VI:
O Papa disse-lhes: “Nós não podemos entrar em questões políticas. Mas
conhecemos a aspiração que tendes. A Igreja, a esta aspiração, não dá apenas a sua
simpatia, mas também o seu apoio. A Igreja, porém, recomenda que se encontrem soluções
pacíficas e negociadas. E entregou-lhes pessoalmente uma bela edição, em português,
da Encíclica Populorum progressio”.
Era o cardeal Silvestrini, evocando
em 1999, num Colóquio sobre Amílcar Cabral, aqui na Rádio Vaticano, o histórico encontro
do Papa Paulo VI com os três líderes dos Movimentos de libertação de Angola, Moçambique
e Guiné - Cabo Verde…