É possível reconciliar a sociedade brasileira com o seu passado? Ouça a reportagem
Brasília (RV)
– “A constituição da Comissão Nacional da Verdade é um capítulo muito importante de
reconciliação da sociedade brasileira com o seu passado”: palavras do Secretário-Executivo
da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), Pedro Gontijo.
A Comissão da
Verdade é um dos temas do 13º Encontro da Rede Brasileira de Comissões de Justiça
e Paz, que se conclui esta sexta-feira, em Brasília.
Pedro Gontijo foi entrevistado
pelo Programa Brasileiro e falou do empenho da Comissão Brasileira de Justiça e Paz
para o resgate da memória:
Dos países que passaram por processos de regimes
de exceção, de ditaduras, muitos deles conseguiram, imediatamente após a restauração
da democracia, instaurar processos de justiça que, de alguma forma, refizessem a pactuação,
a reconciliação da sociedade com ela mesma e da sociedade com este período imediatamente
anterior de exceção. No Brasil, não tivemos isso. Há uma série de limites a essa reconciliação.
A constituição da Comissão Nacional da Verdade é um capítulo muito importante de reconciliação
da sociedade brasileira com o seu passado e de reconciliação do Estado brasileiro
com todas as famílias daqueles que foram perseguidos e torturados.
Como
agora efetivamente nós temos como política do Estado brasileiro o resgate da memória
desse período do regime de exceção, então nós estamos engajados em potencializar essa
recuperação da memória. Nós temos a intenção de, a partir do ano que vem, desenvolver
seminários em diferentes regiões do país para resgatar inclusive a memória seja da
Comissão Brasileira, seja das comissões locais, de como participou na proteção àqueles
que eram perseguidos, no apoio aos perseguidos pela ditadura militar, das diferentes
formas de atuação nas comunidades naquele período. No resgate dessa memória, nós estamos
buscando uma parceria com o próprio Ministério da Justiça, e isso será uma contribuição
da Comissão Brasileira de Justiça e Paz e da Rede Brasileira de Comissões de Justiça
e Paz, para fazermos este processo de reconciliação.
Neste momento,
do ponto de vista de definições institucionais e jurídicas, não há possibilidade de
punição àqueles que foram torturadores ou que comandaram torturados. Para nós, no
mínimo do mínimo, é fundamental que a sociedade saiba de fato o que aconteceu, saiba
o paradeiro de tantas e tantas pessoas, jovens estudantes, pais e mães de família
que desapareceram, que foram desaparecidos, perseguidos, exilados e de tantos outros
que a gente não sabe até hoje de como foi o próprio processo de morte, de desaparecimento
dessas pessoas. Para nós, é uma questão de direito fundamental da pessoa ter a dignidade
da sua memória resgatada. E nesse encontro, nós vamos dar um ponta a pé inicial na
organização inclusive desses seminários que vão acontecer pelo Brasil afora.
Mas
o que ainda trava o processo para uma transparência plena do que aconteceu no período
da ditadura?
Quem estava à frente do regime de exceção, quem de alguma
forma foi conivente com a tortura, com a violação dos Direitos Humanos, na verdade
esses setores ainda são fortes e atuantes na política nacional. Pessoas, grupos, dirigentes
ainda dentro das Forças Armadas são extremamente resistentes a que se abram esses
arquivos, porque eles não concebem que possa haver outra concepção de sociedade senão
aquelas com as quais eles trabalharam, que na verdade não era só o regime militar,
mas também civil, porque tinha apoio também de uma parcela da sociedade civil, de
uma parcela da elite da sociedade brasileira, que de alguma forma se beneficiou daquele
regime. Essas parcelas da sociedade negam que houve tortura como prática recorrente.
Dizem que os casos de tortura foram periféricos, de algum ou outro que se excedeu,
e outros vão além, defendem que, na verdade, o que aconteceu era fundamental para
que se perseguisse criminosos, grupos armados, para garantir segurança para a população.
Ou seja, uma grande falácia. Qualquer um que de alguma maneira divergia do regime
de exceção que tivemos, era perseguido, era preso, era torturado, muitos foram exilados.
A resistência desses grupos é ainda muito forte.