Belo Horizonte (RV*) - Quando vier o Filho do Homem, será que vai encontrar
fé sobre a terra? Com esta interrogação, Jesus conclui a narrativa de uma parábola
contada aos discípulos e descrita pelo evangelista Lucas no capítulo 18. A finalidade
da parábola é advertir que é preciso orar sem cessar. A oração revela e configura
a compreensão de Deus. Por isso mesmo, é capítulo central na vivência da fé.
Essa
questão é importante no tratamento e considerações sobre os números referentes ao
tecido religioso do Brasil. Não basta apenas falar de porcentagens. É preciso debruçar-se
sobre a questão da qualidade e da densidade atrás das estatísticas. Ora, a fé não
é uma simples questão de opção individual na adoção de práticas e jeitos. Não se resume
na consideração de quem ajuntou mais gente, neste ou naquele evento, ou a simples
constatação dos crescimentos ou decréscimos numéricos. A fé é um patrimônio. Uma riqueza
que aponta na direção do que alicerça cada pessoa, ilumina as indagações existenciais
sempre instigantes a respeito da origem e destino de cada um. É patrimônio que transmite
densidade própria e constitui o tecido da cultura. Uma textura cuja consistência pode
garantir a vida de uma sociedade nas suas diferentes etapas históricas.
Minas
Gerais, por exemplo, é uma referência que comprova a importância da fé, vivida e testemunhada
como força de coesão e de configuração da cultura. A grandeza do patrimônio sacro
do Estado é um marcante sinal dessa presença. A concepção e a vivência da fé se tornam
determinantes nos rumos dados à sociedade, na competência para cultivar valores e,
obviamente, na determinação da qualidade da cidadania. É preciso cuidado para que
esse patrimônio não seja reduzido a números. O importante é preservar a vivência da
fé com qualidade, alavanca importante e indispensável para o conjunto de outros importantes
patrimônios que sustentam a vida na sociedade.
Nesse horizonte se inscreve
a preocupação e responsabilidade que a Igreja Católica sabe ter no cumprimento de
sua tarefa missionária. A Igreja não pode e não vai adotar dinâmicas diferentes de
seus valores inegociáveis. Também não partilha e não vai partilhar o entendimento
de que a fé é um simples nutriente existencial individualista. É preciso fazer contraponto
a esse entendimento, para que não se corra o risco de uma compreensão do patrimônio
da fé de maneira superficial, sem densidades indispensáveis e refém de interpretações
distanciadas de critérios adequados, podendo arrebanhar muita gente sem legar a consistência
própria que a autenticidade da fé cristã comprovadamente pode garantir.
No
horizonte missionário dessa responsabilidade, o Papa Bento XVI convoca a Igreja Católica
para a vivência do Ano da Fé, de 11 de outubro de 2012 a 23 de novembro de 2013, emoldurado
pelas celebrações do cinquentenário do Concílio Vaticano II. O Concílio é horizonte
novo para a Igreja no mundo e para o mundo na Igreja. O Ano da Fé ocorre também no
momento em que são celebrados os vinte anos da publicação do Catecismo da Igreja Católica,
atendimento da demanda que a fé exige em aprendizagem de conteúdo e vivência mais
autêntica. O propósito do Ano da Fé é uma renovada conversão a Jesus Cristo pela redescoberta
da fé. Assim, todos os membros da Igreja serão testemunhas credíveis e alegres de
Cristo Ressuscitado no coração do mundo, capazes de indicar a tantas pessoas a porta
da fé.
Essa proposta é a consciência do cumprimento da própria tarefa missionária,
por dinâmicas geradoras e sustentadoras da adesão pessoal a Cristo Salvador, pelo
indispensável e livre assentimento à verdade que Deus revelou. A fé, portanto, não
pode resumir-se em discursos de milagres ou na alimentação sentimental da existência.
É, na verdade, uma resposta de obediência a Deus, capacitando cada um na expressão
de sua liberdade e na compreensão coerente da existência, determinando rumos na cultura.
Aprofundar nesse entendimento impulsionará a Igreja na sua renovação. Especialmente,
garantirá à cultura o que só vem do patrimônio da fé.
*Dom Walmor Oliveira
de Azevedo Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte